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Capítulo 05 – A mensagem da cruz

Author: Lucas Coe
last update Last Updated: 2020-11-24 06:51:46

A rainha Aruana está sentada sobre um grande trono feito de marfim encoberto por peles de animais diversos. Raoní e Dacota, ainda desconfiados, ficaram de pé olhando para ela sem entenderem direito o que estava acontecendo ali. Contudo, a rainha então começou a explicar a sua atitude.

Há muitos ciclos atrás, durante a estação do fogo, uma estrela foi vista caindo do céu por todos os povos do que hoje chamamos de vale do Ojibe. No local de sua queda, apareceu um homem vestido de branco, cuja as suas roupas eram mais claras do que a neve da região do gelo. Este homem andou por todas as regiões daqui, falou sobre amor e arrependimento.

A rainha Aruana descrevia a profecia com os seus olhos cheios de lágrimas.

Depois, disse que voltaria para a sua casa que ficava no terceiro céu. Mas depois de algum tempo, ele voltaria para levar alguns poucos habitantes do Ibaque para em breve morar com ele.

Raoní e Dacota ouviam atentamente o relato da rainha Aruana, mas desconfiavam de sua veracidade pois, para eles, profecias sem provas são apenas devaneios.

Depois de um tempo, todos os povos foram convidados para vê-lo partir. Uma luz vindo da sua estrela surgiu no céu e começou a levá-lo até ela. Antes de sumir por completo, foi perguntado quando ele voltaria e se haveria algum sinal de sua volta. Ele então, em ascensão, juntou suas pernas e abriu os seus braços e uma luz irradiou por trás dele, fazendo um símbolo que lembra a marca que está em seu peito, nos o chamamos de Messias.

Raoní passa sua mão sobre aquela cicatriz e lembra da grande guerra que travou no dia que veio ao mundo. Seus pais haviam falado para ele sobre o missionário, sobre o ritual e sobre seu irmão morto por uma onça no leito do rio, mas a marca, segundo seus pais, foram feitas pelos deuses que o escolheram para viver.

Certo tempo depois, apareceu no Ibaque um outro homem que exibia em seu peito uma marca como a sua. Mas era um pouco diferente, ela era assim. - disse a rainha Aruana que estendeu a sua mão para Ubiratã.

Ubiratã entregou para a rainha um corte de couro de animal. Neste havia o desenho de uma cruz. Contudo, a rainha girou a peça e deixando a cruz de cabeça para baixo, disse.

Este é o símbolo pelo qual, por muitos ciclos, acreditamos que ele era o escolhido. Mas o que temos hoje é só morte e destruição. Ele aproveitou da profecia para tentar governar todo o Ibaque.

Raoní recebe da rainha a imagem pintada e ele e Dacota ficam admirados com tudo o que estavam ouvindo.

Quando ele chegou, conquistou muitos seguidores com a promessa de conquistarem os três céus. - continuou a rainha. —Entretanto, depois de algum tempo, nós percebemos que ele era um mentiroso e enganador. Aqueles que o obedeciam, foram transformados em seus guerreiros, os que não, seus escravos. Desde então ele usa os escravos na construção da sua torre que praticamente está pronta.

Raoní então perguntou.

E para que ele está construindo uma torre?

Ele e o seu bruxo, descobriram como podem abrir o portal para o mundo dos vivos, mas o portal não fica no chão, a torre foi erguida na altura que o portal aparecerá. E durante o eclipse que se aproxima, eles terão a chace de passar pelo portal. - respondeu a rainha Aruana.

Raoní devolveu a pintura para a rainha e disse.

Sinto muito, mas apenas viemos procurar a minha esposa e voltar para casa.

A rainha Aruana devolveu a pintura para Ubiratã e com um olhar sério, disse.

Há uma parte da profecia que eu não lhe contei. Ela fala do libertador do nosso povo, um homem que vai restaurar a paz no Ibaque. Ele vai preparar o nosso mundo para a chegada daquele que prometeu voltar, do Messias.

A rainha Aruana voltou a sentar em seu trono e falou.

Sabemos que o bruxo está usando o sangue de mulheres mestiças para abrir o portal para o mundo dos vivos, basta um pouco do sangue delas para o portal ser aberto e falta pouco.

Raoní percebeu o que a rainha queria dizer com aquelas palavras: que a profecia envolvia ele e Thaynara.

O nosso inimigo capturou diversas mulheres mestiças como a sua. - disse a rainha. —Lá na torre, o bruxo está tirando um pouco do sangue delas para que o portal seja aberto por completo. Eles pretendem destruir o mundo dos vivos, se conseguirem estarão pondo em risco todos os três céus. - a rainha abriu uma de suas mãos e bateu com força no braço do seu trono e falou.

Eu prendi você mesmo que tenha comentado com Ubiratã sobre a sua esposa, já tivemos intrusos aqui e pagamos caro por isso. Mas o ritual revelou quem você é de verdade. E se veio atrás de sua esposa, é provável que ela já esteja com Zaltana!

Raoní e Dacota ficaram espantados com o nome que a rainha falou.

Como? Zaltana! - disse Raoní com muita surpresa.

Sim, Zaltana é o nome dele. Muitos homens de diversas tribos já tentaram acabar com a torre, com o seu bruxo e com Zaltana, mas só o que conseguimos foi uma montanha de corpos para queimar. - disse Ubiratã.

Eu matei Zaltana antes de entrar no Ibaque. - disse Raoní.

Então a profecia está sendo concretizada. Você deve partir para o vale do Ojibe e acabar com Zaltana antes que ele vá para o mundo dos vivos. - disse a rainha.

Mas como podemos enfrentar um exército e sem armas? Temos apenas nossos escudos. - indagou Dacota.

Um dos guerreiros entregou para a rainha Aruana o escudo de Raoní, a rainha passou sua mão por sobre o escudo e perguntou.

O escudo é muito familiar. Como o conseguiu? - perguntou a rainha.

Foi um presente de Saulo, ele nos deu assim que chegamos no Ibaque.

Saulo está morto? - indagou a rainha.

Sim. E pediu que nós usássemos o seu casco como escudo.

Raoní percebe uma agitação entre os que estavam dentro da tenda.

Silêncio! - disse a rainha. —Saulo havia falado que estava próximo o dia que um grande guerreiro chegaria e lideraria outros guerreiros contra o reinado de Zaltana. Raoní, Saulo não daria a sua vida por aquele que não fosse o nosso libertador.

Dacota mais uma vez falou sobre aquilo que inquietava o seu coração.

Dois guerreiros com escudos e uma tribo com armas não tão bem construídas, não darão resultado algum contra um exército.

Ubiratã aproximou de Dacota e disse.

Ao norte há um vale, o vale Itatiba; lá existem pedras que podem ser usadas para as pontas de nossas flechas, para fabricar facas e facões e até mesmo escudos.

E por que ainda não fizeram isso? - perguntou Raoní.

Ubiratã pega a sua lança e mostra a ponta dela para Raoní.

Somente um chefe guerreiro pode fabricar as suas armas e para os seus guerreiros. As minhas armas são perfeitas, esta lança é para penetrar o inimigo rasgando a sua carne. Mas quanto aos outros guerreiros, por mais que eu me esforce, as pedras do vale do Itatiba não me obedecem por completo e deixam a desejar na construção das armas para eles.

Como assim as pedras não lhe obedecem? - perguntou curioso Raoní.

Você verá quando chegarmos lá. - respondeu Ubiratã.

Raoní e Dacota são então levados para o vale do Itatiba, também conhecido por vale dos pedregulhos.

No caminho para o vale, Raoní pensou em tudo o que a rainha Aruana havia dito. Contudo, Ubiratã ainda tinha algo a mais para revelar.

Raoní. Algum tempo atrás capturamos um dos guerreiros de Zaltana. Foi ele que nos contou sobre os planos de abrir o portal. Ele disse que as mulheres estavam aprisionadas no alto da torre. Sinto em lhe dizer que algumas morreram durante o sacrifício; outras vivem como escravas.

As palavras de Ubiratã penetraram no coração de Raoní como uma flecha afiada, mas nosso guerreiro não perdeu a esperança em rever o seu amor.

Raoní pergunta então para Ubiratã.

Uma coisa eu não entendo: como podemos sangrar ou morrer aqui no Ibaque?

Ubiratã sorriu e respondeu.

Você já deve ter sentido fome ou sede não? - Raoni concordou. —No Ibaque nem todas as coisas possuem uma explicação lógica. Veja os animais por exemplo e uma noite que aparece de repente, aqui é assim. Já não me pergunto mais sobre essas coisas. - aquela resposta foi o suficiente para Raoní compreender um pouco mais sobre aquele mundo louco que ele se encontrava.

Ao chegarem no vale do Itatiba, Raoní percebe o quanto era perigoso andar por lá. O vale tem muitas formações rochosas. Mas as rochas que eles procuravam estavam um pouco mais para o centro do vale. A garganta das espadas, como todos chamavam, era um grande e escuro buraco no qual muitas pedras afiadas surgiam da escuridão total até a superfície. Havia uma formação rochosa que lembrava um crânio humano e na região da boca ficava então a garganta das espadas; um pouco mais ao lado, havia uma árvore cujo galhos se estendiam também sobre ela a garganta.

Nem todos podem obter suas armas da garganta das espadas. - disse Ubiratã. —Se tocar em uma das pedras e esta não o aceitar, por mais resistente que ela possa parecer, ela será desfeita em pó e uma outra pedra surgirá em seu lugar em instantes. Já tentamos descer pela garganta tocando nas pedras, afinal, elas desaparecem. Mas o problema é quando elas ressurgem, se tocar em seu corpo, elas arrancarão tudo o que estiver por perto. Portanto, se uma pedra não o aceitou é bom sair de perto dela antes que ela venha e lhe mate. Mas se é sua, você poderá quebrá-la com suas próprias mãos e moldar da forma que desejar assim como deve ter feito com o seu escudo.

Ubiratã toca em uma pequena ponta de pedra e a mesma se torna em areia diante dos olhos esbugalhados de Raoní e Dacota, em seguida reaparece com uma forma diferente no mesmo lugar.

Zaltana levou uma boa parte das pedras do outro lado do vale. - falou Ubiratã. —Ele as quebrou com o seu tacape, pois nenhuma delas o aceitou, mas, mesmo assim, armou seu exército.

Raoní olha para duas pedras perfeitas para serem transformadas em suas machadinhas, entretanto, elas estão bem no meio da garganta das espadas. Com a ajuda de Dacota, Raoní amarrou um cipó em seu corpo e desceu pela garganta das espadas usando o galho da árvore como apoio.

Agora, a poucos metros daquilo que seriam suas machadinhas, Raoní balança em pêndulo, mexendo as suas pernas para frente e para trás. Abaixo dele, as pontas das pedras o desafiam a ficar ainda mais atento, qualquer erro seria fatal. Agora mais um balanço e poderá saber se as pedras em formato de machadinhas poderão ser usadas por ele. Todavia, no Ibaque, a noite e o dia aparecem sem cerimônias. No momento que Raoní estava para tocar nas rochas a noite surge e sem conseguir ver direito as rochas que ele pretendia tocar acaba esbarrando em diversas outras rochas e com o impacto, o cipó é cortado e Raoní cai na escuridão da garganta das espadas enquanto o som de pedras quebrando são confundidos com seus gritos e o grito de Dacota chamando pelo nome do seu amigo.

O sol reaparece tão de repente quanto havia sumido e o que todos podem ver é que muitas das pedras agora não existem mais. O som delas sendo renovadas só aumentam a aflição de Dacota e os demais guerreiros. Raoní está dentro da garganta das espadas, sem emitir nenhum pedido de ajuda, o silêncio dele é encarado como o fim da aventura.

Não podemos fazer mais nada. Agora é o fim - lamenta Ubiratã.

Dacota fica agachado, olhando para dentro da garganta das espadas na esperança de ver seu amigo ressurgir daquela escuridão. Mas o grupo precisava voltar e depois de alguns minutos, todos estavam caminhando rumo à tribo da rainha Aruana para relatar o ocorrido.

Foi então que um barulho chamou a atenção do grupo, pareciam pedras sendo jogadas no chão. Eles viraram e viram o que desejavam minutos atrás.

Para onde vocês estão indo? Temos muito trabalho a fazer e eu não posso levar todas as pedras sozinhos. - disse Raoní ressurgindo de dentro da garganta das espadas.

Raoní estava em pé com diversas pedras com pontas afiadas amarradas no cipó que estava preso ao seu corpo. Ele tinha diversos cortes em seus braços, pernas, abdômen e em sua cabeça. Seus dedos estavam machucados pela escalada através da raiz da árvore, que se estendia até as profundezas da garganta das espadas, a mesma árvore que ele usou antes de sua queda.

Ninguém nunca retirou tantas pedras assim da garganta das pedras. A rainha Aruana vai ficar feliz em saber do que aconteceu. - disse Ubiratã.

Quando eu cai, por alguns instantes em devo ter adormecido. Eu ouvi uma voz me chamando, dizendo que eu deveria sair de lá, então eu acordei. Foi você Dacota que chamou?

Dacota olhou intrigado para Raoní e respondeu.

Não. Nem eu, nem ninguém, nós não falamos nada assim. Deve ter sido um delírio seu devido a queda.

Raoní desceu mais uma vez pela garganta das espadas, mas agora com mais cuidado para buscar mais pedras. Elas foram colocadas em cestos e levadas para a rainha Aruana, enquanto um dos guerreiros, Apuana, correu na frente de volta para a tribo para relatar o ocorrido.

A chegada de Raoní e todo o grupo foi festejada principalmente com a notícia que eles traziam muitas pedras que logo seriam transformadas em armas contra Zaltana. E a notícia que um guerreiro havia caído na garganta das espadas e que tinha sobrevivido, fez com que outros chefes guerreiros de outras tribos fosse até a rainha Aruana saber sobre o grande feito de Raoní e dos outros guerreiros.

Dacota olhou para outros animais que agora estavam na tribo pertencentes a outros chefes guerreiros. Ele ficou admirado com o que viu: um búfalo e um urso pardo, todos eles com celas, assim como o lobo-guará que Ubiratã montava.

A rainha Aruana estava no centro da aldeia esperando os guerreiros. E enquanto Ubiratã ajudava a descer os cestos e colocá-los no chão, a rainha ela conversou com Raoní.

Quando o mensageiro chegou informando o que havia ocorrido com você e como saiu da garganta das espadas, eu não acreditei. Mas agora, vendo você e todas as armas que nos trouxe eu estou admirada e com esperança de que o reinado de Zaltana acabará. - disse a rainha Aruana.

Acredito que já percebeu que a notícia do seu feito repercutiu em outras tribos. - falou a rainha.

Sim, mas não me importo. Vamos ao que interessa. Vamos começar a fazer as armas. - comentou Raoní.

Um grupo de trabalhadores distribui as pedras aos guerreiros e todos começam a passar de mão em mão na esperança de talhar as suas armas. Entretanto, algo está dando errado. As pedras não aceitam serem transformadas.

É inútil! - grita um dos trabalhadores. —Vamos passar muito tempo talhando estas pedras e nunca ficarão da forma que desejamos.

Raoní pega então duas pedras e começa a passar a mão sobre elas. Elas se desmancham como fossem feitas de farinha e ele dá forma a uma machadinha. Sua lâmina de pedra parece ser feita de metal polido. Os demais guerreiros ficam admirados, tentam fazer o mesmo mas nada acontece como gostariam.

Todos ali já estavam indo embora, frustrados com a esperança que mais uma vez havia sido perdida. Famílias inteiras choravam pois acreditavam que os anos de opressão tinham chegado ao fim, mas sem as armas para enfrentar o exército de Zaltana, era tudo em vão.

Sem entender direito o que estava acontecendo, Raoní recebe o apoio de um dos chefes guerreiros, o líder Taú.

Não se preocupe Raoní. Eu já lutei várias vezes contra Zaltana e sei que um dia nós conseguiremos derrotá-lo. E se as pedras foram tiradas da garganta das espadas por você, então deve haver um motivo. - disse Taú.

A propósito, meu nome é Taú, e aquele ali é o Zaki. - disse apontando para o seu búfalo.

Taú tinha a pele extremamente mais escura do que a rainha Aruana. Suas vestes eram de diversas cores e em sua cabeça uma bandana cobria toda ela. Em seu pescoço, estavam pendurados diversos pedaços de dentes de animais. O seu búfalo Zaki, que significa “puro”, embora não apresentasse muita agilidade, deveria ter uma força descomunal ao julgar pelos músculos de suas pernas. Em seu dorso a cela e suas fortes pernas também exibiam pinturas tribais em formato de caracol.

Foi então que um garotinho chegou para Raoní e levantou uma pedra que tinha o formato que lembrava uma faca.

Eu posso ficar com ela senhor? - perguntou o garotinho.

Sim. Eu dou de presente para você. - respondeu Raoní.

O garotinho então saiu e começou a passar a mão na sua faca de pedra. Raoní e Taú estavam se despedindo quando escutam aquele garotinho gritar.

Eu tenho uma faca! Eu tenho uma faca!

Todos olham para ele enquanto o mesmo ergue a sua faca feita com as suas próprias mãos. Aqueles que já estavam indo embora voltam surpresos com o ocorrido.

Dacota olha para Raoní e pergunta.

O que você fez?

Eu não fiz nada. Apenas dei a pedra de presente para ele.

Raoní então pediu para que todos pegassem uma pedra em suas mãos. Agora reunidos, Raoní grita em alta voz.

Eu dou de presente a vocês.

Ao começarem a passar as mãos nas pedras, as mesmas acabam tomando as formas de armas que eles desejassem: facas, facões, espadas, escudos, lanças e flechas. Tudo ainda deveria ser completado com madeira, mas as lâminas, afiadas e sedentas para a guerra já estavam ficando prontas.

Enquanto as armas eram construídas, Raoní e alguns guerreiros tinham uma outra missão. Deveriam domar uma fera.

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