Eu e meu pai procuramos fósforos, velas, lanternas e pilhas. E tudo que fosse necessário para sobrevivermos à noite fria.
Já minha mãe se preocupou em arranjar cobertores, travesseiros e qualquer coisa que fosse para nos deixar confortáveis e aconchegantes.
- Mamãe, estou com medo. – Sophie agarrou o vestido florido da mamãe a seguindo por todo o lado. Os trovões haviam começado a clarear o céu.
- Thomas fique com sua irmã. – Ordenou.
Ela precisava correr pela casa para arrumar as coisas, mas Sophie não ajudava. Percebi irritação em sua voz quando passei pela cozinha antes de chegar ao meu quarto.
- Vem Sophie. Vamos brincar. – Ele puxou a mão dela, mas ela se recusou a largar o vestido da mamãe.
- Não quero. Vou ficar com a mamãe. – Sophie cruzou os braços emburrada.
- Olha filha. Se você for brincar com seu irmão, eu deixo você comer a sobremesa antes do jantar. – Faltava pouco para ela ceder. – O quanto quiser. Sorvete. – Sophie abriu um sorriso largo seguindo Thomas ao correr pela cozinha e pela sala com os braços abertos, como se fosse um avião ou um pássaro voando aleatoriamente.
- Pai, já encontrou algumas? – Gritei ao procurar em baixo da minha cama.
- Duas lanternas e dois pacotes de velas. E você? – Gritou do quarto deles.
- Achei três pacotes de pilhas e duas caixinhas de fósforo. – As caixinhas fizeram barulho quando eu a chacoalhei repetidamente.
Como nossa família acampava na mansão sempre que conseguiam tirar alguns dias de folga, por precaução, sempre deixávamos espalhados acessórios que pudessem ajudar caso acontecesse algum incidente, e pelo visto, mamãe quis que nos preparássemos para o pior.
- Acho que tem mais lanternas no sótão. – Comentou segurando uma sacola com as coisas que encontramos.
- Quer que eu pegue? – Peguei meu travesseiro branco e meu cobertor roxo da cama seguindo para o corredor.
- Só tome cuidado. – Alertou ao testar as pilhas nas lanternas, deixando que algumas rolassem pelo piso de madeira.
- Tá bom. – Deixei minhas coisas no chão e puxei a cordinha presa ao teto no fim do corredor, fazendo uma escada descer devagar.
Apoiei bem a escada no chão para que não subisse sozinha. Procurei pela corda da luz e finalmente conseguia enxergar. O local estava todo empoeirado e a cada passo que eu dava, fazia com que a madeira velha rangesse mais e mais forte.
Muitas coisas velhas estavam espalhadas, minha mãe não usava, mas também não jogava fora, esse era seu lema.
Revirei os olhos.
Mais dois passos e encontrei duas caixas de papelão. Uma delas estava escrito lanternas.
Feliz, abri encontrando mais cinco lanternas e dois pacotes de pilhas. Carreguei uma lanterna com as pilhas me certificando que estava funcionando.
- Oba! – Exclamei feliz. Na outra caixa estava escrito fotografias.
Isso não era hora de ver fotos, mas minha curiosidade era grande e a puxei para perto de mim. Prestes a abri-la ouvi um grito de Sophie. Corri até a escada e a força havia acabado. Voltei correndo até as lanternas. Tropecei caindo aos pés das caixas ralando o joelho em algum lugar.
Ainda bem que eu não tinha medo do escuro, porque olha... Aquele sótão era bem tenebroso, mas tão tenebroso que nem o palhaço mais assustador de Stephen King ficaria sozinho aqui em cima, ainda mais sem energia.
Correndo pelas escadas quase caí tropeçando em meus próprios pés. Jogaram uma luz forte nos meus olhos, onde fui obrigada a cobrir com o braço. Era papai preocupado com o barulho e com a gritaria de Sophie e, provavelmente, de mamãe. Vi Sophie agarrada a minha mãe que aparentava estar mais irritada. Thomas brincava perto da lareira com as peças de xadrez.
- Ainda bem que voltaram. Evan acenda a lareira, por favor. – Ele abriu a porta para pegar lenha, até que um vento bem forte fechou a porta fazendo um barulhão.
- Não vá. Por favor. – Implorei puxando seu braço.
- Se eu não for vamos congelar de frio. – Ele deu um passo abrindo a porta mais uma vez. Uma jorrada de vento foi lançada em nossa direção, cobrimos nossos rostos com as mãos e papai lutou para sair sem olhar para trás.
- Mãe! Se ele for eu vou junto. E como o Max deve estar? – Meus olhos estavam arregalados de medo e angustia.
- Não ouse se mexer. – Ordenou minha mãe com um olhar feroz. Recuei fechando a porta vendo papai desaparecer pela neblina.
- Mãe... – Sussurrei sem tirar meus olhos da janela.
- Ele vai voltar. – Ela acendeu algumas velas grossas pela cozinha e pela sala, clareando o ambiente deixando Sophie e a todos nós mais calmos.
Vi Thomas jogar xadrez...
- Vai continuar jogando sozinho? – Zombei olhando para o estábulo. Eu só queria saber se Max estava bem. Mordi o lábio colando minha testa no vidro úmido e gelado, sem piscar fiquei na expectativa de ver meu pai voltar.
- Me ajuda com o jantar? – Perguntou minha mãe. Sem muita escolha e vencida pela derrota, assenti indo até ela.
- O que você quer que eu faça? – Assim, pediu para que eu cortasse uma cebola e ralasse uma cenoura. – Vai fazer abobrinha recheada? – Ela sorriu. Sophie veio até nós cobrando seu sorvete.
- Você prometeu! – Sophie cruzou os braços emburrando a cara. Não teve como segurar uma risada. Mas minha mãe foi mais esperta e disse que ela poderia comer mais depois do jantar. Ela saiu da cozinha brava com uma única colher de sorvete.
- Que maldade. – Mamãe sorriu exibindo uma fileira de dentes brancos.
- Você era igual a ela. Ainda mais com seu pai. – Meu pai... Terminei de fazer o que ela tinha pedido e voltei à janela vendo meu pai correr em busca de abrigo.
- Nossa que chuva está lá fora. – Ele se sacudia soltando a lenha no pé da porta. Corri para ajudá-lo.
- Ele está bem? – Papai sabia de quem eu falava e assentiu com a cabeça.
Depois do jantar resolvemos ficar na sala ao lado da lareira. Sophie dormiu no meio da mamãe e do papai. Resolvi jogar xadrez com Thomas.
Não sabia o que era pior, não ter energia na casa, não ter televisão na sala ou não ter internet em qualquer lugar da mansão.
- É assim que joga Thomas. – Fiquei com as peças pretas, movi o cavalo e ele começou a fazer uma barreira de peões. – Você está ficando bom nisso. Quase conseguindo me ganhar.
- Quase? – Ele olhava para o tabuleiro franzindo a testa, pensando ser aqueles jogadores de xadrez asiático que te fuzila com apenas um olhar.
- Xeque-mate. – Roubei seu rei acabando com o jogo. – Quer jogar de novo? Deixo sair na frente, como sempre. – Zombei com um meio sorriso observando Thomas desistir de sua carreira no xadrez.
- Não vou jogar com você até arranjar outra estratégia. – Thomas levantou emburrado batendo os pés, seus pequenos pés descalços, apenas com meias.
- Aonde você vai? – Minha mãe estava deitada com meu pai em seu colo, perguntou preocupada levantando a cabeça.
- No banheiro. – Thomas pegou uma lanterna em cima da mesinha de centro que estava encostada ao lado da janela revirando os olhos.
Todas às vezes que eu o derrotava no xadrez, Thomas sempre corria para se esconder de vergonha. No começo era engraçado, mas agora eu ficava preocupada. Ele não poderia sumir numa casa enorme sem energia.
- Você podia deixá-lo ganhar uma vez. – Comentou minha mãe alisando os cabelos de Sophie.
- Mas aí não seria justo. E ele não melhoraria a cada partida. – Baixei os olhos, ela estava certa. Eu era a irmã mais velha. Deveria apoiá-lo.
- Vai vê-lo onde está. Por favor. – Levantei indo em direção ao banheiro.
Prestes a voltar e avisar mamãe que Thomas não estava no banheiro, vi uma luz embaixo da mesa. Levantei a toalha e me escondi junto a ele.
- Como sabia que eu estava aqui? – Eu responderia que ele não sabia se esconder direito, mas preferi dar outra resposta.
- Eu sempre vou saber onde você está. Sou sua irmã mais velha. É meu dever cuidar de você. – Sorri me aproximando dele.
- Mas você me venceu no xadrez... de novo. – Ele mantinha a cabeça baixa.
- É porque quero que seja melhor e me vença. Não seria justo deixar você pensar que ganhou apenas por capricho. Ou você quer me vencer de verdade? – Pousei meus dedos em seu queixo, o fazendo erguer a cabeça para me encarar. – E você está bem melhor que antes. A partida demorou bem mais. Aposto que da próxima vez você vai quase me vencer.
- Quase? – Me olhou rindo.
- Vamos ver. – Sorri. – Que tal mais uma partida? Te ensino uns truques, mas se quiser eu deixo você me vencer. – Zombei bagunçando seu cabelo.
- Não. Seria jogar sujo. – Ele me ajudou a sair debaixo da mesa. – Você está muito grande para se esconder aí embaixo. – Sorri pegando em sua mão.
- Xeque-mate. – Odeio perder, mas dessa vez eu venci bonito.
- De novo não. – Lamentou Thomas se jogando para trás deitando no chão cobrindo os olhos com as mãos.
- Foram dez minutos a mais. Eu fiquei apenas com uma torre, um bispo, a rainha e o rei. Jogou bem. Estou orgulhosa. – Minhas mãos não resistiram, tive de bagunçar seu cabelo outra vez, mesmo que odiasse isso.
- Odeio você. – Joguei um travesseiro em sua cara.
A casa estava silenciosa demais, quase um calmante natural para dormir. Meu pai já estava no décimo sono, junto a Sophie e minha mãe.
Olhei a paisagem pela janela, não tinha coisa melhor do que cheiro de terra molhada e ouvir aquele barulho, nossa...
Horas se passaram e a luz ainda não tinha voltado. Adormeci ao lado de Thomas, tendo a certeza que ele quase me abraçou, mas ele nunca admitiria.
Obarulho do meu pai cortando lenha me acordou, Thomas e Sophie dormiam e minha mãe fazia o café da manhã. A chuva tinha cessado, mas os estragos estavam por todos os lados.- Parece que passou um furacão. – Comentei coçando o olho ao sentar na banqueta do balcão.
Thomas colocou os fones de ouvido. Sophie adormeceu ao nosso lado. Minha mãe apoiou sua mão no ombro de meu pai, parecia que isso o acalmava. E eu voltei a ver a paisagem mais maravilhosa do mundo pela janela.Meus amigos diziam que eu era muito otimista sobre todas as coisas que me cercava e que às vezes isso chegava a ser irritante. Mas sabe de uma coisa? Eunãome importava! Meu mundo era colorido ao extremo e n&at
Acordei ofegante em meu quarto sem vida, no orfanato da Senhorita Bennet. Desejei que ao menos uma única vez, eu não acordasse encarando aquelas paredes mofadas.Minhas mãos se encharcaram de suor quando limpei minha testa. Acendi a luz do abajur podendo ver Thomas e Sophie dormindo. Ver o peito
Três anos depois cá estava eu. Deitada em minha cama dura, em nosso quarto frio e sem vida. Longos três anos se passaram. Nunca estudei tanto igual eu estudava nesses últimos meses. Fiz uma promessa a mim mesma que me mostraria capaz de lutar pelos meus irmãos e pela minha vida.Era ano de vestibular, minha herança estava presa e eu não sabia nem por onde começar. Se eu passasse
- Vou tentar um vestibular. Estudo há meses para isso. Tenho dezessete anos e pela lei ainda estou sob a guarda dela. E parece que ela não quer que eu estude... – Torci a boca pensando numa estratégia melhor. - Se ela descobrir... – Falou se levantando.
A hora corria e eu não tinha mais tempo, corri para fazer o vestibular. Suei feito louca, meu coração estava disparado e meu estômago revirava. Eu só tinha essaoportunidade e não desperdiçaria sendo reprovada.Quando eu voltasse ao orfanato me daria muito mal e eu não tinha muitas vidas para desperdiçar. Não me importaria com a punição, mas as vidas dos meus irm&atild
Odia do encontro com Mason chegou. Sentada na lanchonete esperei por ele. - Temos dez minutos. – Disse ao sentar-se à minha frente de cara emburrada. – O que houve com seu rosto? – Ele levantou meu queixo. O puxei para que não tirasse meu foco.
- Não. – Minha voz saiu entrecortada. – Não. Não. – Não saía outra palavra da minha boca. Eu mal podia respirar.- Vem, eu te ajudo. – Recusei sua ajuda, mas aceitei em seguida, afinal não tinha escolhas.
Abri os olhos com dificuldade, demorou bastante até eu conseguir me estabilizar. Parecia estar num quarto de hospital, era branco e a luminosidade do sol cegavam meus olhos. Um homem e duas mulheres adentraram no quarto, uma delas fechou a cortina da janela e outra verificou minha temperatura. - Vejo que ocorreu tudo bem na cirurgia. – O homem de cabelo perfeito começou a tagarelar, não entendi metade do que disse. – Você foi atingida por duas balas, por sorte nenhuma ficou alojada em seu corpo. Vai se sentir desconfortável com a medicação, tontura e cansaço. Recomendo que fique de repouso o resto do mês. – Deitei minha cabeça no travesseiro, eu não queria ouvir nada do que diziam.
Por favor, não me abandone! Vendo Nancy ser atingida por um tiro, tirei forças de onde não tinha pulando em cima de Mason, no qual me acertou com um soco na cara e outro no estômago. Mason era bem mais forte do que se esperava. Busquei os olhos de Bennet que me evitava ao máximo que podia. - Tia Bennet! – Gritei quando Mason pousava violentamente outro soco em minha cara. - Chega Mason! – Gritou Bennet em meio à chuva forte. - Chega? Esse moleque vai estragar tudo. – Mason se virou bruscamente cerrando os dentes para Bennet, no
Mason nos obrigou a sair para o jardim apontando aquela coisa pesada para nós. Bennet seguia seus passos em silêncio, apenas fazendo o que Mason mandava. - Para trás. – O vento bagunçava meus pensamentos. Mason obrigou Logan a ficar na casa, ou cravaria uma bala bem no meu peito. Uma parte de mim se sentiu lisonjeada, outra terrivelmente assustada. - Não vamos chegar a lugar algum desse jeito. – Falei alto para que me ouvisse, já que o barulho dos trovões atrapalhava nosso diálogo. Bennet não estava tão calma quanto Mason. Posso não ter morrido há três anos, mas eu já e
Trânsito e mais trânsito, chegamos ao local que me causava arrepios pelo corpo todo. Segurei firme a mão de Logan tapando a respiração, parecia que aquele caminho não tinha fim. Não me admiraria se Mason chegasse primeiro que nós na mansão. Nancy, pensamento positivo. Nada vai mudar se vocês forem idiotas e perderem essa chance de provar que tal testamento é inválido! - Não sei quanto tempo mais posso aguentar. – Choraminguei. - Já está no fim, estamos juntos lembra? – Afirmou apertando minha mão.&n
No dia seguinte deitada na cama de Logan, o observei colocar uma camisa branca social por dentro da calça prendendo com o cinto de couro preto, sorri vendo tal cena, agarrei seu cobertor até a altura de meus olhos. Em seguida passou minha gravata vermelha preferida em volta de seu pescoço dando um nó. Pelo reflexo do espelho, Logan me pegou o observando me fazendo corar de imediato. Escondi meu rosto entre as cobertas tentando passar despercebida. - Você fica linda quando está envergonhada. – Minhas bochechas esquentaram a ponto de parecer que eu estava com febre. - E você vai se atrasar. – Afirmei indo ao banheiro. -
Logan comprou os ingressos do filme, para minha sorte era filme antigo. Um thriller chamado Psicose, amava aquele filme desde que meu pai havia me apresentado. - Vai amar o filme. – Falei sorrindo ao apertar seu braço quando ele se sentou ao meu lado segurando um balde de pipoca e dois refrigerantes. Peguei de sua mão antes que caísse tudo em cima de mim. - Não gosto de terror. – Afirmou tomando um gole de seu refrigerante. - Não é terror. É clássico. – Assegurei enfiando pipoca em minha boca. - Pessoas morrem? – Lo
No dia seguinte não foi diferente do anterior, trabalho e mais trabalho onde isso se repetiu pelas próximas duas semanas. O Juiz Peterson não cedeu em sua decisão, nem sequer me ofereceu uma colher de chá. Logan e eu nos víamos quando podíamos, ele prometeu não sumir de repente e até sugeriu para que eu conhecesse sua mãe, mas a ideia de dar de cara com Bennet me assustou, e resolvemos esperar mais um pouco antes desse encontro. E detalhe, ele não comentava sobre o que ocorria na MC3, nem mesmo migalhas, se falavam de mim ou se sentiam minha falta. - Estou desesperada, o ano está acabando junto com meu prazo, e eu não sei o que fazer. Literalmente! – Eu
Você implora por silêncio, mas esquece que o barulho está dentro de você. O pensamento mais sábio que havia tido desde que fizera dezoito anos. N era a melhor companhia que eu consegui arranjar em anos. E olha que ela só apareceu há poucos dias! Ótimo, tudo o que precisava era alguns dias para procurar um emprego novo que pague minhas contas e garanta o futuro dos meus irmãos. Não poderia ficar melhor. Beck corria pelo quarto ao se arrumar, parecia ir para um lugar importante, já que nunca corria. Passou pela porta acenando me deixando outra vez sozinha no quarto.&nbs
Nós percebemos que as coisas mudam, quando algo muito importante para de ser importante a ponto de não nos importarmos mais. Nem em um milhão de anos imaginaria Logan me levar aquele lugar novamente. Estávamos de volta ao mirante, onde tinha visto Logan chorar pela primeira e última vez. - Acha que não posso ser feliz, por que meu pai morreu? Que não posso aproveitar a vida, por que minha mãe está ficando doida? Ou ver minha tia, uma pessoa que eu pensava que conhecia, se tornar alguém cruel? Talvez eu tenha culpa ou não, não tem como saber. E se eu tiver, eu não quero essa culpa! – Logan disparou a falar assim que saímos do car