Três anos depois cá estava eu. Deitada em minha cama dura, em nosso quarto frio e sem vida. Longos três anos se passaram. Nunca estudei tanto igual eu estudava nesses últimos meses. Fiz uma promessa a mim mesma que me mostraria capaz de lutar pelos meus irmãos e pela minha vida.
Era ano de vestibular, minha herança estava presa e eu não sabia nem por onde começar. Se eu passasse na faculdade federal conseguiria um estágio na advocacia da família. Mesmo que fosse apenas para pegar café para os advogados. Precisava de um emprego mais digno, ou qualquer emprego que me pagasse um salário. E para isso precisava passar no vestibular.
- Nancy! – Revirei os olhos. No mínimo Thomas estava arranjando confusão de novo. Desde que nos mudamos para cá, três meninos implicavam com ele sempre que podiam. Bennet não fazia nada.
Eu intervia na situação, mas chegou a um momento que ele não queria minha ajuda. Ele dizia que já era homem e precisava se virar sozinho. Apenas não me envolvia, mas no final do dia lá estava eu limpando seus ferimentos.
- Thomas? – Passei pelo correndo chamando seu nome. – Thomas, eu preciso estud... – Dei de cara com a Senhorita Bennet.
- Estudar? – Ergueu uma sobrancelha arrumando seus óculos feios. – Você precisa ajudar a limpar o fogão e a cozinha. – Me entregou um esfregão e um balde com água.
- Eu limpo mais tarde. Preciso estudar. Minha vida depende disso... – Minha voz sumiu ao ver sua face zangada.
- Depois de tudo que fiz é assim que me agradece? Não sente vergonha? – Fiquei muda a seguindo até a cozinha. Antes que eu sumisse de sua vista ela alertou. – Cuide de seus irmãos. Parecem animais brigando. – Bennet uma mulher rechonchuda de cabelos vermelhos nos tratava de um jeito diferenciado. E não digo de um jeito bom.
- Sophie. Thomas. – Eles estavam agarrados um puxando o cabelo do outro. – Já disse para pararem. – Os separei. – Bennet está uma fera. Nem me deixou estudar. – Baixei os olhos suspirando. – Gente vocês sabem o quanto isso é importante para mim. – Conferi se ninguém estava por perto nos ouvindo. – Querem sair daqui ou não? – Vi um sorriso se espalhar em seus rostos. – Então para isso preciso que se comportem e me ajudem com as tarefas. – Pisquei.
- Por que temos que fazer isso? – Perguntou Sophie na inocência.
- Porque ela não quer que eu estude e mude de vida. Vocês querem sair daqui e eu também. E para isso preciso da ajuda de vocês. Isso é importante. – Eles assentiram concordando ao estender as mãos para baixo e depois para cima em sinal de força de guerra.
Aquela semana foi bem corrida. A Senhorita Bennet foi bem cruel. Ela me deu mais serviços do que poderia suportar. Meus irmãos me ajudaram a concluir minhas tarefas. Sempre que ela saía eles corriam para me ajudar. Só tínhamos que tomar cuidado para não sermos pegos, aposto que ela tinha vários espiões nos vigiando.
Com o tempo comecei a pensar que ela não queria que eu estudasse. Não queria que saíssemos de seus cuidados ou que mudássemos de vida.
Faltava uma semana para o vestibular e eu ia conseguir passar por isso.
Charlotte Miller, minha mãe, acreditava em mim. Então não havia motivos para não acreditar em mim mesma.
Eu me sentia tão perdida às vezes, querendo correr para os braços de minha mãe, com a única vontade de desistir de tudo e fazer o que Bennet mandava. Mas aquela mulher de olhos grades por trás daqueles óculos horrorosos não iria desistir até me ver destruída.
Digamos que fosse imaginação da minha cabeça..., mas e se não fosse?
Droga!
Eu me odiava, e me odiava mais ainda por querer desistir, odiava meus irmãos por brigarem feito animais, odiava Bennet e odiava meus pais por terem me abandonado desse jeito, nesse lugar horrível.
Em tão pouco tempo nossa vida virara de cabeça para baixo.
Droga! Mil vezes droga!
Como eu podia odiar meus irmãos e meus pais? A culpa não era deles e eu me sentia péssima por pensar que Bennet era uma mulher horrível, talvez fosse mal-amada. E tinha que parar de achar que ela queria nos destruir.
Dois dias para o vestibular.
A cada dia a Senhorita Bennet pegava mais em meu pé. Já estava ficando cansativo sua tentativa de me parar. Ainda bem que Thomas e Sophie entendiam a situação que ela nos colocava.
Sobre largar o pensamento que ela fazia de tudo para me destruir, havia voltado com força total.
Não é minha culpa! É a pressão social que eu mesma jogava em meus ombros.
- Nancy! – Gritar meu nome era música para seus ouvidos. – Nancy! – Nancy faz isso. Nancy faz aquilo. Nancy. Nancy.
Argh!
Minha cabeça doía. Só precisava de dois dias de paz.
Dois!
- Nancy, quero que fique com as crianças no sábado. – Vi seus olhos escuros por trás de seu óculo de grau ficarem opacos.
- Não posso. Sábado tenho compromisso. – Falei levantando da cadeira de madeira do meu quarto.
- Você ainda tem dezessete anos. Eu mando em você. Então faça o que mandei! – Saiu fechando a porta com força. Estreitei meus olhos irritada. Abafei outro grito de desespero no travesseiro.
- O que foi Nancy? – Perguntou Peg ao entrar no quarto. – Aconteceu algo?
- Não. – Falei entre dentes.
Peg era uma das órfãs que dividia o quarto com outras meninas. E era minha amiga, tinha cabelos curtos num tom escuro. Usava óculos de grau igual da Senhorita Bennet. Era a órfã mais velha do local. Tinha uns vinte anos. Eu sei que por lei temos que ficar no orfanato até a maioridade. Mas Bennet a deixou ficar se ajudasse com as tarefas, assim aguentava tudo o que Bennet mandava.
- Só não acredito que meus pais queriam que ficássemos com ela. Ela é um monstro. – Sentei na cama bufando de raiva lançando algumas roupas no chão.
- Não a culpe. Ela ajudou vocês. – Comentou Peg mordendo uma maçã.
- Onde conseguiu isso? – Ela olhou para a maçã rindo para mim.
- Se Bennet não descobre, Bennet não briga. – Só Peg para me fazer rir numa situação dessas.
Peg era muito audaciosa. Bennet não permitia que comêssemos tudo o que quiséssemos. De acordo com ela, apenas o básico já estava bom. Sabe aquele básico de não morrer, pois bem, nada além disso. Afirmava que era para manter uma dieta saudável e balanceada, já que muitos casais não adotavam crianças feias ou acima do peso. Que irônico, vindo justamente dela.
- Obrigado. – Peg me deu um pedaço de sua maçã meio azeda, minha preferida. – Faz muito tempo que não como uma tão gostosa. – Sorri.
- O que vai ter sábado? – Olhei erguendo uma sobrancelha para ela. – Qual é, o orfanato inteiro escutou.
- Por que você ainda mora aqui? – Perguntei sentando ao seu lado.
- Não tenho família. Não existe outro lugar para mim. – Outra mordida na maçã, parecia que ela não se importava de ficar ali conosco, com ela.
- Peg, não é porque ninguém nos adotou que não temos para onde ir. Já pensou em arranjar um emprego digno? Você trabalha para Bennet, mas não ganha por isso. Ganha apenas comida e moradia. Por que não arranja um turno como garçonete ou estuda para passar numa faculdade? – Apertei seu ombro a encorajando.
- Eu vou pensar. – Ela não tinha que pensar por mim, mas sim por ela. Era a vida dela que estava em jogo. A minha eu já estava tentando ganhar fazia um tempinho. – E você o que tem no sábado? – Repetiu.
Bennet roubou meu cavalo, mas vou roubar sua torre.
- Vou tentar um vestibular. Estudo há meses para isso. Tenho dezessete anos e pela lei ainda estou sob a guarda dela. E parece que ela não quer que eu estude... – Torci a boca pensando numa estratégia melhor. - Se ela descobrir... – Falou se levantando.
A hora corria e eu não tinha mais tempo, corri para fazer o vestibular. Suei feito louca, meu coração estava disparado e meu estômago revirava. Eu só tinha essaoportunidade e não desperdiçaria sendo reprovada.Quando eu voltasse ao orfanato me daria muito mal e eu não tinha muitas vidas para desperdiçar. Não me importaria com a punição, mas as vidas dos meus irm&atild
Odia do encontro com Mason chegou. Sentada na lanchonete esperei por ele. - Temos dez minutos. – Disse ao sentar-se à minha frente de cara emburrada. – O que houve com seu rosto? – Ele levantou meu queixo. O puxei para que não tirasse meu foco.
- Não. – Minha voz saiu entrecortada. – Não. Não. – Não saía outra palavra da minha boca. Eu mal podia respirar.- Vem, eu te ajudo. – Recusei sua ajuda, mas aceitei em seguida, afinal não tinha escolhas.
Entramos no elevador, era enorme e espelhado. Desviei os olhos para o senhor que não dizia sequer uma palavra. Usava um terno azul escuro e uma gravata preta. Notei que ele arrumou a grava ao engolir em seco.Cerrei os punhos de nervosismo, mal conseguia olhar para cima.
Parecia que Thomas havia regredido. Perdeu feio às duas vezes que jogamos. E ele não parecia decepcionado, o que me preocupava mais ainda.- O que aconteceu? – Perguntei arrumando o tabuleiro para uma nova partida.
- Não, espere. – Peguei a carta aberta de sua mão. Brigamos pela posse da correspondência até que ela se partiu ao meio.- Você está louca! – Pulei em seu colo tomando seu pedaço de papel. Juntei as duas metades e pude ler claramente.
Ao me virar em direção a Academia de Direito dei de cara com alguém que me fez tropeçar quase caindo no chão.- Oi. – Falou ao arrumar a gravata vermelha que eu tinha bagunçado quando apoiei em seu braço para não cair.
Abri os olhos com dificuldade, demorou bastante até eu conseguir me estabilizar. Parecia estar num quarto de hospital, era branco e a luminosidade do sol cegavam meus olhos. Um homem e duas mulheres adentraram no quarto, uma delas fechou a cortina da janela e outra verificou minha temperatura. - Vejo que ocorreu tudo bem na cirurgia. – O homem de cabelo perfeito começou a tagarelar, não entendi metade do que disse. – Você foi atingida por duas balas, por sorte nenhuma ficou alojada em seu corpo. Vai se sentir desconfortável com a medicação, tontura e cansaço. Recomendo que fique de repouso o resto do mês. – Deitei minha cabeça no travesseiro, eu não queria ouvir nada do que diziam.
Por favor, não me abandone! Vendo Nancy ser atingida por um tiro, tirei forças de onde não tinha pulando em cima de Mason, no qual me acertou com um soco na cara e outro no estômago. Mason era bem mais forte do que se esperava. Busquei os olhos de Bennet que me evitava ao máximo que podia. - Tia Bennet! – Gritei quando Mason pousava violentamente outro soco em minha cara. - Chega Mason! – Gritou Bennet em meio à chuva forte. - Chega? Esse moleque vai estragar tudo. – Mason se virou bruscamente cerrando os dentes para Bennet, no
Mason nos obrigou a sair para o jardim apontando aquela coisa pesada para nós. Bennet seguia seus passos em silêncio, apenas fazendo o que Mason mandava. - Para trás. – O vento bagunçava meus pensamentos. Mason obrigou Logan a ficar na casa, ou cravaria uma bala bem no meu peito. Uma parte de mim se sentiu lisonjeada, outra terrivelmente assustada. - Não vamos chegar a lugar algum desse jeito. – Falei alto para que me ouvisse, já que o barulho dos trovões atrapalhava nosso diálogo. Bennet não estava tão calma quanto Mason. Posso não ter morrido há três anos, mas eu já e
Trânsito e mais trânsito, chegamos ao local que me causava arrepios pelo corpo todo. Segurei firme a mão de Logan tapando a respiração, parecia que aquele caminho não tinha fim. Não me admiraria se Mason chegasse primeiro que nós na mansão. Nancy, pensamento positivo. Nada vai mudar se vocês forem idiotas e perderem essa chance de provar que tal testamento é inválido! - Não sei quanto tempo mais posso aguentar. – Choraminguei. - Já está no fim, estamos juntos lembra? – Afirmou apertando minha mão.&n
No dia seguinte deitada na cama de Logan, o observei colocar uma camisa branca social por dentro da calça prendendo com o cinto de couro preto, sorri vendo tal cena, agarrei seu cobertor até a altura de meus olhos. Em seguida passou minha gravata vermelha preferida em volta de seu pescoço dando um nó. Pelo reflexo do espelho, Logan me pegou o observando me fazendo corar de imediato. Escondi meu rosto entre as cobertas tentando passar despercebida. - Você fica linda quando está envergonhada. – Minhas bochechas esquentaram a ponto de parecer que eu estava com febre. - E você vai se atrasar. – Afirmei indo ao banheiro. -
Logan comprou os ingressos do filme, para minha sorte era filme antigo. Um thriller chamado Psicose, amava aquele filme desde que meu pai havia me apresentado. - Vai amar o filme. – Falei sorrindo ao apertar seu braço quando ele se sentou ao meu lado segurando um balde de pipoca e dois refrigerantes. Peguei de sua mão antes que caísse tudo em cima de mim. - Não gosto de terror. – Afirmou tomando um gole de seu refrigerante. - Não é terror. É clássico. – Assegurei enfiando pipoca em minha boca. - Pessoas morrem? – Lo
No dia seguinte não foi diferente do anterior, trabalho e mais trabalho onde isso se repetiu pelas próximas duas semanas. O Juiz Peterson não cedeu em sua decisão, nem sequer me ofereceu uma colher de chá. Logan e eu nos víamos quando podíamos, ele prometeu não sumir de repente e até sugeriu para que eu conhecesse sua mãe, mas a ideia de dar de cara com Bennet me assustou, e resolvemos esperar mais um pouco antes desse encontro. E detalhe, ele não comentava sobre o que ocorria na MC3, nem mesmo migalhas, se falavam de mim ou se sentiam minha falta. - Estou desesperada, o ano está acabando junto com meu prazo, e eu não sei o que fazer. Literalmente! – Eu
Você implora por silêncio, mas esquece que o barulho está dentro de você. O pensamento mais sábio que havia tido desde que fizera dezoito anos. N era a melhor companhia que eu consegui arranjar em anos. E olha que ela só apareceu há poucos dias! Ótimo, tudo o que precisava era alguns dias para procurar um emprego novo que pague minhas contas e garanta o futuro dos meus irmãos. Não poderia ficar melhor. Beck corria pelo quarto ao se arrumar, parecia ir para um lugar importante, já que nunca corria. Passou pela porta acenando me deixando outra vez sozinha no quarto.&nbs
Nós percebemos que as coisas mudam, quando algo muito importante para de ser importante a ponto de não nos importarmos mais. Nem em um milhão de anos imaginaria Logan me levar aquele lugar novamente. Estávamos de volta ao mirante, onde tinha visto Logan chorar pela primeira e última vez. - Acha que não posso ser feliz, por que meu pai morreu? Que não posso aproveitar a vida, por que minha mãe está ficando doida? Ou ver minha tia, uma pessoa que eu pensava que conhecia, se tornar alguém cruel? Talvez eu tenha culpa ou não, não tem como saber. E se eu tiver, eu não quero essa culpa! – Logan disparou a falar assim que saímos do car