Acordei ofegante em meu quarto sem vida, no orfanato da Senhorita Bennet. Desejei que ao menos uma única vez, eu não acordasse encarando aquelas paredes mofadas.
Minhas mãos se encharcaram de suor quando limpei minha testa. Acendi a luz do abajur podendo ver Thomas e Sophie dormindo. Ver o peito deles subindo e descendo era a melhor coisa que eu poderia ver.
Agarrei meu travesseiro o prensando em meu rosto abafando um grito enquanto eu soluçava ao lembrar de meus pais. Fazia três anos que eles haviam partido.
Que parecia um século.
As memórias que eram impossíveis de serem apagadas rondavam minhas noites, entrando em minha mente, se apoderando de meus sonhos, os tornando um pesadelo. Não havia uma noite sequer em que eu não acordava chorando ou sonhando com o dia que recebia a notícia mais difícil de minha vida.
- Nãoo! – Gritei soluçando ao receber a notícia que meus pais não haviam sobrevivido. Mas e Thomas e Sophie?
O observei limpar um dos olhos com um lenço branco encardido.
- Vocês perderam o velório. Aconteceu há quatro dias. Sinto muito. – Suas palavras eram frias e penetrantes, não parecia haver sentimento nelas, apenas uma notícia a ser pronunciada.
Vocês... Era um bom começo.
Sentei na cama com muita dificuldade e dor no corpo todo, principalmente em meus braços e minha cabeça que não parava de latejar desde que tinha aberto os olhos.
- Como já aconteceu? – O advogado sentou-se ao meu lado pegando em minha mão. Assim, como suas palavras, suas mãos eram frias e eu a puxei de volta. Não queria contato humano, não queria sua piedade, nem seu luto.
Não queria sentir nada.
- Você ficou apagada por uma semana... – Ele baixou os olhos. – Seus irmãos já acordaram. Estão em observação. Espero que se recupere. – Graças a Deus... Senti uma parte aliviada por saber que meus irmãos estavam bem.
Pelo visto meus pais ficaram em coma por três dias antes de falecerem.
- Mas e agora? – Perguntei antes que Mason me deixasse sozinha no quarto do hospital, com aquelas máquinas barulhentas e o cheiro de remédio.
- Infelizmente nenhum parente se ofereceu para cuidar de vocês até você atingir a maioridade. – Sério? Joguei meu corpo para trás deitando a cabeça no travesseiro.
Isso não podia estar realmente acontecendo.
Acorda Nancy! Acorda Nancy!
ACORDA!
- Não, não, não. Isso só pode ser um pesadelo. – Murmurei para mim mesma. – Então para onde vamos? Nenhum tio ou tia? – Ele negou com a cabeça. Frustrante.
Mason parecia ter envelhecido desde a última vez que tínhamos o visto, agora seus cabelos estavam mais grisalhos, olhos mais escuros e opacos, mas sempre com o mesmo sorriso torto.
- Vão morar com a Senhorita Bennet. Ela é uma boa pessoa e seus pais eram amigos. No testamento diz que se ninguém quiser tomar conta de vocês, então a Senhorita Bennet irá. – Por vontade própria, lágrimas escorriam por meus olhos sem permissão.
Talvez ter dito que não querer passar o aniversário com os parentes, fez efeito imediato e duradouro.
- Não temos outra opção? – Passei a mão nos meus cabelos com dificuldade.
Vi que um de meus braços estavam enfaixados igual minha cabeça, acho que tive sorte por não ser nada pior.
- Não. Sinto muito. – O advogado Mason saiu do quarto fechando a porta. Ele parecia ter uns cinquenta anos. Trabalhava na advocacia da família há muito tempo.
Mason fazia parte da família e eu confiava nele. Lamentei a morte dos meus pais e lamentei não ter ido ao velório. E lamentei mais ainda, por não poder ter ido junto com eles.
- Mamãe, papai. – Apertei meus olhos com as mãos na esperança de parar de chorar. Única coisa que me vinha à mente era à noite na fogueira. Nossa última noite juntos, que ficaria guardado em meu coração pelo resto da minha vida.
Coração... Levei a mão ao meu peito sentindo o pingente de coração. Suspirei aliviada. O abri vendo duas fotos, uma em cada metade. Papai e mamãe. Mais lágrimas escorriam de meus olhos. Um buraco se abriu no meio do meu peito.
É normal estar de luto por anos?
Depois de mais alguns dias aceitamos o fato de que eles não voltariam e concordamos em nos mudar para nossa nova casa – mesmo não tendo escolha.
Nossa casa antiga, a mansão, nosso dinheiro e até mesmo Max ficaram sob a guarda do Estado e nosso curador – que eu ainda não sabia quem exatamente era. Ninguém poderia tocar na herança. E o procedimento para tudo isso era muito longo e demorado, restando apenas não abandonar Thomas e Sophie.
Nunca chorei tanto em minha vida.
Deus, essa dor nunca vai passar?
O clamor que eu gritava aos céus todos os dias antes de me deitar e tentar não pensar naquela noite.
- Sejam bem-vindos. – A Senhorita Bennet nos recebeu com um imenso sorriso. – Nossa querida, você está acabada. – Não fazia ideia como estava meu rosto, mas quem se importa quando estamos de luto?
Tinha um espelho na parede. Meus olhos estavam inchads e sem vida. Thomas não falava uma palavra desde que demos a notícia a ele. Sophie chorava todos os diaa, mas às vezes ela se esquecia das coisas horríveis e agia normalmente.
Como eu gostaria de voltar a ser criança.
- Pensei que fossemos morar na sua casa, não em um... – Engoli em seco. – Orfanato. – Meus irmãos se agarraram ao meu corpo mole me fazendo cambalear.
- Eu moro aqui, bobinha. Então minha casa é sua casa. – Ela parecia feliz. Acho que ela se esqueceu que estávamos de luto.
Eu ainda tinha um braço quebrado. Thomas fraturou as costelas e Sophie quase não sobreviveu. Foi um milagre. Na verdade, nós três fomos um milagre. Com um acidente daqueles não era para ninguém ter sobrevivido. Ninguém...
- Espero que não se importem de dividir o quarto com mais duas meninas. Sophie pode ficar com você e Thomas deve ficar com os meninos. – Thomas agarrou meu braço não gostando da ideia.
- Se importa que fiquemos nós três juntos? – Franzindo a testa, nos olhou por cima dos óculos de grau.
- Seria mais apropriado que cada um dormisse com seu gênero.
- Por favor, não queremos ficar sozinhos. – Sussurrei de cabeça baixa, quase que implorando por sua misericórdia.
- Vou ver no que posso ajudar. – Bennet baixou a cabeça suspirando como se estivesse cansada.
- Obrigada... – Sussurrei firmando uma linha reta nos lábios.
- Logo conhecerão todo o lugar. Banheiros são separados. Três vezes por semana fazemos uma faxina pelo local. Mas por estarem ainda debilitados podem descansar essa semana. – Essa semana? Viramos faxineiros desde quando?
Nessa posição, tínhamos que agradecer por termos onde dormir.
- Vou conversar com Mason e falo com vocês mais tarde. – Bennet nos deixou sozinhos no grande salão.
Crianças curiosas nos espiavam escondidas por detrás das cortinas, janelas e pela longa escadaria – que me pareceu um pesadelo fazer tal esforço.
Sophie correu para o jardim chorando, antes que eu fosse ao seu encontro Thomas agarrou meu pulso olhando para o chão.
- Algum problema Thomas? – Perguntei me ajoelhando diante dele ficando a sua altura. Tirei o cabelo de seus olhos conseguindo ver sua face.
- É por pouco tempo né? – Segurei minhas lágrimas engolindo em seco. Não podia demonstrar fraqueza naquele momento delicado.
- Sim. Por pouco tempo. – Ele retribuiu me abraçado com um gesto apertado. – Agora precisamos dar apoio a Sophie. E cuidar dela com todo cuidado. – Ele assentiu, pensei que fosse ficar parado me esperando, mas pegou em minha mão me seguindo, praticamente guiando nosso caminho.
Sophie se encolheu jogada no gramado. Chupou seu dedinho soluçando entre as lágrimas. A peguei no colo e a abracei forte. Thomas não ficou para trás e logo se lançou em cima de nós. Éramos um.
- Nunca vou abandonar vocês. – Solucei.
Três anos depois cá estava eu. Deitada em minha cama dura, em nosso quarto frio e sem vida. Longos três anos se passaram. Nunca estudei tanto igual eu estudava nesses últimos meses. Fiz uma promessa a mim mesma que me mostraria capaz de lutar pelos meus irmãos e pela minha vida.Era ano de vestibular, minha herança estava presa e eu não sabia nem por onde começar. Se eu passasse
- Vou tentar um vestibular. Estudo há meses para isso. Tenho dezessete anos e pela lei ainda estou sob a guarda dela. E parece que ela não quer que eu estude... – Torci a boca pensando numa estratégia melhor. - Se ela descobrir... – Falou se levantando.
A hora corria e eu não tinha mais tempo, corri para fazer o vestibular. Suei feito louca, meu coração estava disparado e meu estômago revirava. Eu só tinha essaoportunidade e não desperdiçaria sendo reprovada.Quando eu voltasse ao orfanato me daria muito mal e eu não tinha muitas vidas para desperdiçar. Não me importaria com a punição, mas as vidas dos meus irm&atild
Odia do encontro com Mason chegou. Sentada na lanchonete esperei por ele. - Temos dez minutos. – Disse ao sentar-se à minha frente de cara emburrada. – O que houve com seu rosto? – Ele levantou meu queixo. O puxei para que não tirasse meu foco.
- Não. – Minha voz saiu entrecortada. – Não. Não. – Não saía outra palavra da minha boca. Eu mal podia respirar.- Vem, eu te ajudo. – Recusei sua ajuda, mas aceitei em seguida, afinal não tinha escolhas.
Entramos no elevador, era enorme e espelhado. Desviei os olhos para o senhor que não dizia sequer uma palavra. Usava um terno azul escuro e uma gravata preta. Notei que ele arrumou a grava ao engolir em seco.Cerrei os punhos de nervosismo, mal conseguia olhar para cima.
Parecia que Thomas havia regredido. Perdeu feio às duas vezes que jogamos. E ele não parecia decepcionado, o que me preocupava mais ainda.- O que aconteceu? – Perguntei arrumando o tabuleiro para uma nova partida.
- Não, espere. – Peguei a carta aberta de sua mão. Brigamos pela posse da correspondência até que ela se partiu ao meio.- Você está louca! – Pulei em seu colo tomando seu pedaço de papel. Juntei as duas metades e pude ler claramente.
Abri os olhos com dificuldade, demorou bastante até eu conseguir me estabilizar. Parecia estar num quarto de hospital, era branco e a luminosidade do sol cegavam meus olhos. Um homem e duas mulheres adentraram no quarto, uma delas fechou a cortina da janela e outra verificou minha temperatura. - Vejo que ocorreu tudo bem na cirurgia. – O homem de cabelo perfeito começou a tagarelar, não entendi metade do que disse. – Você foi atingida por duas balas, por sorte nenhuma ficou alojada em seu corpo. Vai se sentir desconfortável com a medicação, tontura e cansaço. Recomendo que fique de repouso o resto do mês. – Deitei minha cabeça no travesseiro, eu não queria ouvir nada do que diziam.
Por favor, não me abandone! Vendo Nancy ser atingida por um tiro, tirei forças de onde não tinha pulando em cima de Mason, no qual me acertou com um soco na cara e outro no estômago. Mason era bem mais forte do que se esperava. Busquei os olhos de Bennet que me evitava ao máximo que podia. - Tia Bennet! – Gritei quando Mason pousava violentamente outro soco em minha cara. - Chega Mason! – Gritou Bennet em meio à chuva forte. - Chega? Esse moleque vai estragar tudo. – Mason se virou bruscamente cerrando os dentes para Bennet, no
Mason nos obrigou a sair para o jardim apontando aquela coisa pesada para nós. Bennet seguia seus passos em silêncio, apenas fazendo o que Mason mandava. - Para trás. – O vento bagunçava meus pensamentos. Mason obrigou Logan a ficar na casa, ou cravaria uma bala bem no meu peito. Uma parte de mim se sentiu lisonjeada, outra terrivelmente assustada. - Não vamos chegar a lugar algum desse jeito. – Falei alto para que me ouvisse, já que o barulho dos trovões atrapalhava nosso diálogo. Bennet não estava tão calma quanto Mason. Posso não ter morrido há três anos, mas eu já e
Trânsito e mais trânsito, chegamos ao local que me causava arrepios pelo corpo todo. Segurei firme a mão de Logan tapando a respiração, parecia que aquele caminho não tinha fim. Não me admiraria se Mason chegasse primeiro que nós na mansão. Nancy, pensamento positivo. Nada vai mudar se vocês forem idiotas e perderem essa chance de provar que tal testamento é inválido! - Não sei quanto tempo mais posso aguentar. – Choraminguei. - Já está no fim, estamos juntos lembra? – Afirmou apertando minha mão.&n
No dia seguinte deitada na cama de Logan, o observei colocar uma camisa branca social por dentro da calça prendendo com o cinto de couro preto, sorri vendo tal cena, agarrei seu cobertor até a altura de meus olhos. Em seguida passou minha gravata vermelha preferida em volta de seu pescoço dando um nó. Pelo reflexo do espelho, Logan me pegou o observando me fazendo corar de imediato. Escondi meu rosto entre as cobertas tentando passar despercebida. - Você fica linda quando está envergonhada. – Minhas bochechas esquentaram a ponto de parecer que eu estava com febre. - E você vai se atrasar. – Afirmei indo ao banheiro. -
Logan comprou os ingressos do filme, para minha sorte era filme antigo. Um thriller chamado Psicose, amava aquele filme desde que meu pai havia me apresentado. - Vai amar o filme. – Falei sorrindo ao apertar seu braço quando ele se sentou ao meu lado segurando um balde de pipoca e dois refrigerantes. Peguei de sua mão antes que caísse tudo em cima de mim. - Não gosto de terror. – Afirmou tomando um gole de seu refrigerante. - Não é terror. É clássico. – Assegurei enfiando pipoca em minha boca. - Pessoas morrem? – Lo
No dia seguinte não foi diferente do anterior, trabalho e mais trabalho onde isso se repetiu pelas próximas duas semanas. O Juiz Peterson não cedeu em sua decisão, nem sequer me ofereceu uma colher de chá. Logan e eu nos víamos quando podíamos, ele prometeu não sumir de repente e até sugeriu para que eu conhecesse sua mãe, mas a ideia de dar de cara com Bennet me assustou, e resolvemos esperar mais um pouco antes desse encontro. E detalhe, ele não comentava sobre o que ocorria na MC3, nem mesmo migalhas, se falavam de mim ou se sentiam minha falta. - Estou desesperada, o ano está acabando junto com meu prazo, e eu não sei o que fazer. Literalmente! – Eu
Você implora por silêncio, mas esquece que o barulho está dentro de você. O pensamento mais sábio que havia tido desde que fizera dezoito anos. N era a melhor companhia que eu consegui arranjar em anos. E olha que ela só apareceu há poucos dias! Ótimo, tudo o que precisava era alguns dias para procurar um emprego novo que pague minhas contas e garanta o futuro dos meus irmãos. Não poderia ficar melhor. Beck corria pelo quarto ao se arrumar, parecia ir para um lugar importante, já que nunca corria. Passou pela porta acenando me deixando outra vez sozinha no quarto.&nbs
Nós percebemos que as coisas mudam, quando algo muito importante para de ser importante a ponto de não nos importarmos mais. Nem em um milhão de anos imaginaria Logan me levar aquele lugar novamente. Estávamos de volta ao mirante, onde tinha visto Logan chorar pela primeira e última vez. - Acha que não posso ser feliz, por que meu pai morreu? Que não posso aproveitar a vida, por que minha mãe está ficando doida? Ou ver minha tia, uma pessoa que eu pensava que conhecia, se tornar alguém cruel? Talvez eu tenha culpa ou não, não tem como saber. E se eu tiver, eu não quero essa culpa! – Logan disparou a falar assim que saímos do car