O barulho do meu pai cortando lenha me acordou, Thomas e Sophie dormiam e minha mãe fazia o café da manhã. A chuva tinha cessado, mas os estragos estavam por todos os lados.
- Parece que passou um furacão. – Comentei coçando o olho ao sentar na banqueta do balcão.
- Ainda bem que só parece. – Ela sorriu me entregando uma xícara de chá quentinho naquela manhã fria.
- Será que vamos conseguir fazer a fogueira? – Puxei a manga do moletom aquecendo minhas mãos.
- Espero que sim. Voltaremos para casa amanhã. – Devorei minhas torradas saborosas.
- Está cortando a lenha para montarmos a fogueira? – Sorri esperançosa quando encontrei papai ao lado de fora da casa.
- Espero que não chova ou teremos que montar uma fogueira artificial na lareira. – Meu pai gargalhou. Ele era tão bonito quando ria. Era simples, era apenas meu pai.
- Você fica bem de azul. – Comentei.
Ele usava uma calça de moletom azul escura e uma camisa de manga longa branca. Seus olhos e cabelos castanhos claros combinavam com os de Thomas. Seu cabelo era um pouco comprido, mas ainda assim era muito bonito. – Vou ver se Max está bem. – Caminhei pela grama molhada com os pés descalços.
Era uma sensação incrível, sentir a natureza sob meus pés.
Pouco tempo depois cheguei ao estábulo, abri a porta dando de cara com Max. Tão forte quanto os trovões que ouvimos na noite anterior.
- Quem decide passar o aniversário de quinze anos no meio do mato? Pois é. Sou eu. – Acariciei seu pelo. – E sabe, não me arrependo. Gastar mais de vinte mil numa festa, qual é. Não estou ficando maluca. Prefiro ir viajar a ficar ao lado de familiares falsos que só aparecem em festas por causa do dinheiro. E só se aproximam se tivermos algo a lhe oferecer. – Revirei os olhos penteando os pelos do Max, como se ele pudesse entender exatamente o que eu dizia.
- Não acredito que estou desabafando com um cavalo... – Esbocei um pequeno e simples sorriso. Max baixou a cabeça fazendo leves movimentos, talvez fosse uma retribuição de abraço.
- Desculpe por ontem. Sua primeira noite aqui já sofrendo. Sinto muito. – Olhei em seus grandes olhos intimidadores. Era tão lindo. Uma escuridão que faria qualquer pessoa se perder. Era uma mistura de galáxia com infinito. Se é que isso existe.
- Vamos dar uma volta? – Prendi a cela ao seu corpo, abri a porta o puxando pela rédea. Voltando a sentir o gramado em meus pés, subi no dorso de Max.
Ele apenas trotava, ensinei alguns truques, mas nada muito complicado para uma primeira vez. Demos algumas voltas em volta da mansão abrigada em meio as árvores. Voltamos aquele lugar que eu tinha visto alguém, ou achava que tinha...
O amarrei numa árvore para poder caminhar por um tempo sozinha. O dia começava a esquentar, com o sol passando pelas árvores iluminando meu caminho. Deslizei meus dedos no tronco de uma árvore velha.
A natureza sempre foi e sempre será a melhor coisa do mundo. Não que isso vá me fazer morar na rua, usa sapatos de homem, ter o cabelo cheio de dreads e conversar com prédios como uma maluca. Apenas uma cuidadora das obras de Deus.
- Nancy! – Ouvi alguém me chamar. – Nancy! – Outra vez. Corri esbarrando numa árvore que arranhou meu braço. Olhei para trás e parecia que novamente eu tinha visto alguém. Eu não poderia estar ficando louca.
Não desta vez!
Montei em Max e bati meus pés para que voltássemos correndo a mansão. Quando chegamos o deixei livre das rédeas dando liberdade para conhecer sua nova casa.
- O que houve? – Perguntei ofegante com as mãos apoiadas no joelho tentando recuperar meu fôlego ao entrar em casa.
- Como você se afasta desse jeito? Não sabe que pode acontecer qualquer coisa por aí? – Minha mãe me repreendia em seu tom autoritário. – Você precisa avisar da próxima vez.
- Desculpe. É que eu acho que vi alguém lá fora... – Os olhos de minha mãe se arregalaram.
- Alguém? Como assim? Viu alguém andando por aí? – Seus olhos transmitiam medo ou talvez insegurança, se bem que havia seguranças por toda a parte, seria quase impossível alguém adentrar a propriedade.
- Eu acho... – Abaixei os olhos. Thomas nos observava sem dizer nada.
- Evan pode ir conferir. Não é possível alguém entrar. Isso é invasão. – Esperamos meu pai voltar sentados no sofá.
- Não vi ninguém. Tem certeza que viu alguém? Como ele era? – De testa franzida perguntou papai um pouco hesitante.
- Não. Eu disse que acho que vi alguém. Uma sombra, talvez fosse a minha, não sei ao certo. – Baixei a cabeça brincando com meus dedos sob meu colo pela confusão que havia causado.
- Não quero que volte para lá sozinha. – Mamãe beliscou meu braço.
- Eu estava com Max. – Contestei massageando meu braço fazendo cara feia, por mais que não tenha doído.
- Ele é um cavalo. Não a polícia. Estamos entendidas? – Concordei voltando ao jardim. – Espero mesmo.
Sem permissão para explorar o mundo a minha volta, esperei a noite chegar sentada no jardim observando o sol se pôr junto com a claridade que iluminava o céu.
A noite chegou junto com a lua e as estrelas, parecia diferente o cheiro da grama molhada, aproveitamos a trégua da tempestade da noite anterior e fizemos uma fogueira em frente à mansão. Max se deitou ao meu lado, mamãe trouxe uma bacia de marshmallow e espetos de madeira, papai pegou seu violino e tocou uma melodia calma e ao mesmo tempo depressiva.
Engraçado como uma simples melodia podia mudar sua vida ou guardar momentos por um longo tempo.
Acompanhei a fumaça que subia e se perdia no céu, me deparando com o pico das árvores que se moviam pelo vento que dançava entre nós.
Voltei meus olhos a minha família. Thomas tinha seus pensamentos perdidos, Sophie devorava todo marshmallow que via a sua frente e mamãe encarava vidrada papai tocar com seus dedos mágicos, ágeis e delicados.
Meu mundo ficou em câmera lenta. Percebi que ele tocava Everdream – Epic Soul Factory.
Como ele conseguia arranjar tanta harmonia? Sorri vendo a paz que tínhamos naquele momento. Acariciei a cabeça de Max, no qual se achegou mais perto de mim. Acho que criamos uma conexão.
Sophie adormeceu ao lado de Thomas, papai tocava outra canção, mamãe continuava a observá-lo e eu não queria que aquela noite acabasse tão rápido.
A noite era como uma melodia sem fim. Adormeci ao lado de Max acreditando que o melhor estava por vir. E o melhor começaria naquela noite.
- Nancy meu amor. Hora de irmos. – Falou mamãe chacoalhando meu corpo para que enfim acordasse.
Arrumamos nossas malas, ajudei a levá-las até o porta-malas do SUV. Ao fechá-lo pude sentir que algo estava diferente e não era por eu estar mais velha, mas sabia que tinha algo a mais, só não sabia ao certo o que poderia ser.
- Tchau Max. Vou sentir muita saudade. – Meus olhos já começavam a ficar marejados, deslizei a manga da minha blusa em meu rosto e passei uma última escovada em seus pelos. Max me olhava de um jeito meio triste, não era coisa da minha cabeça. Eu sei que ele também não queria que eu fosse. Mas onde eu iria deixá-lo? – Eu volto no fim de semana. Prometo que passaremos o tempo todo juntos. O abracei bem forte e pude sentir como se ele retribuísse.
Dizem que os animais sentem a nossa falta, tem pressentimentos sobre o tempo e sobre as coisas que nos rodeiam. E deixá-lo sozinho era de partir o coração.
O meu coração.
- Preciso ir. – Pela fresta da porta vi seus grandes olhos pela última vez implorando que eu ficasse apenas por mais alguns segundos.
- Coloquem o cinto. Segurança é tudo. – Falou mamãe ao prender o cinto dos meus irmãos. Ela sentou-se no banco da frente colocando o dela. Papai trancou a casa e em seguida se juntou a nós.
- E o Max? – Perguntei meio bolada. – Vamos voltar fim de semana né? – Pelo retrovisor do carro ele encontrou meus olhos verdes.
- Eu prometo. – Me assegurou sorrindo, retribuí com um meio sorriso. – Luan vai cuidar dele. – Assenti voltando meus olhos à janela.
Luan era o rapaz que cuidava da propriedade enquanto não estávamos. Ele ficou encarregado de cuidar de Max. Sorri ao imaginar Max fugindo sem deixar Luan domá-lo. Era um cavalo bem difícil, mas era um bom cavalo. Nem meu pai conseguiu montar nele. Talvez a sombra que eu tivesse visto fosse de Luan...
Mas não fazia sentido, meu pai conversou com ele, no qual alegou que estava na cidade aquele momento.
Pode-se dizer que eu era meio caidinha por ele, um pouquinho... Corei ao pensar nele, com aqueles cabelos escuros despenteados. Mas ele nunca notou minha presença, para ele eu era praticamente uma irmã caçula, mesmo tendo só três anos de diferença.
Revirando os olhos aqui.
Em uma das festas que demos na mansão, ele ajudou como segurança na entrada, quase não notava minha presença, de fato não notou que eu ficava rondando só para chamar sua atenção, mas ficava vidrado nas mulheres mais velhas e foi aí que percebi que eu realmente era uma irmã caçula boba, com um amor platônico.
Às vezes conversávamos, mas nada de longa duração. Resumindo, ele era apenas o ajudante e eu a atrapalhada.
Thomas colocou os fones de ouvido. Sophie adormeceu ao nosso lado. Minha mãe apoiou sua mão no ombro de meu pai, parecia que isso o acalmava. E eu voltei a ver a paisagem mais maravilhosa do mundo pela janela.Meus amigos diziam que eu era muito otimista sobre todas as coisas que me cercava e que às vezes isso chegava a ser irritante. Mas sabe de uma coisa? Eunãome importava! Meu mundo era colorido ao extremo e n&at
Acordei ofegante em meu quarto sem vida, no orfanato da Senhorita Bennet. Desejei que ao menos uma única vez, eu não acordasse encarando aquelas paredes mofadas.Minhas mãos se encharcaram de suor quando limpei minha testa. Acendi a luz do abajur podendo ver Thomas e Sophie dormindo. Ver o peito
Três anos depois cá estava eu. Deitada em minha cama dura, em nosso quarto frio e sem vida. Longos três anos se passaram. Nunca estudei tanto igual eu estudava nesses últimos meses. Fiz uma promessa a mim mesma que me mostraria capaz de lutar pelos meus irmãos e pela minha vida.Era ano de vestibular, minha herança estava presa e eu não sabia nem por onde começar. Se eu passasse
- Vou tentar um vestibular. Estudo há meses para isso. Tenho dezessete anos e pela lei ainda estou sob a guarda dela. E parece que ela não quer que eu estude... – Torci a boca pensando numa estratégia melhor. - Se ela descobrir... – Falou se levantando.
A hora corria e eu não tinha mais tempo, corri para fazer o vestibular. Suei feito louca, meu coração estava disparado e meu estômago revirava. Eu só tinha essaoportunidade e não desperdiçaria sendo reprovada.Quando eu voltasse ao orfanato me daria muito mal e eu não tinha muitas vidas para desperdiçar. Não me importaria com a punição, mas as vidas dos meus irm&atild
Odia do encontro com Mason chegou. Sentada na lanchonete esperei por ele. - Temos dez minutos. – Disse ao sentar-se à minha frente de cara emburrada. – O que houve com seu rosto? – Ele levantou meu queixo. O puxei para que não tirasse meu foco.
- Não. – Minha voz saiu entrecortada. – Não. Não. – Não saía outra palavra da minha boca. Eu mal podia respirar.- Vem, eu te ajudo. – Recusei sua ajuda, mas aceitei em seguida, afinal não tinha escolhas.
Entramos no elevador, era enorme e espelhado. Desviei os olhos para o senhor que não dizia sequer uma palavra. Usava um terno azul escuro e uma gravata preta. Notei que ele arrumou a grava ao engolir em seco.Cerrei os punhos de nervosismo, mal conseguia olhar para cima.
Abri os olhos com dificuldade, demorou bastante até eu conseguir me estabilizar. Parecia estar num quarto de hospital, era branco e a luminosidade do sol cegavam meus olhos. Um homem e duas mulheres adentraram no quarto, uma delas fechou a cortina da janela e outra verificou minha temperatura. - Vejo que ocorreu tudo bem na cirurgia. – O homem de cabelo perfeito começou a tagarelar, não entendi metade do que disse. – Você foi atingida por duas balas, por sorte nenhuma ficou alojada em seu corpo. Vai se sentir desconfortável com a medicação, tontura e cansaço. Recomendo que fique de repouso o resto do mês. – Deitei minha cabeça no travesseiro, eu não queria ouvir nada do que diziam.
Por favor, não me abandone! Vendo Nancy ser atingida por um tiro, tirei forças de onde não tinha pulando em cima de Mason, no qual me acertou com um soco na cara e outro no estômago. Mason era bem mais forte do que se esperava. Busquei os olhos de Bennet que me evitava ao máximo que podia. - Tia Bennet! – Gritei quando Mason pousava violentamente outro soco em minha cara. - Chega Mason! – Gritou Bennet em meio à chuva forte. - Chega? Esse moleque vai estragar tudo. – Mason se virou bruscamente cerrando os dentes para Bennet, no
Mason nos obrigou a sair para o jardim apontando aquela coisa pesada para nós. Bennet seguia seus passos em silêncio, apenas fazendo o que Mason mandava. - Para trás. – O vento bagunçava meus pensamentos. Mason obrigou Logan a ficar na casa, ou cravaria uma bala bem no meu peito. Uma parte de mim se sentiu lisonjeada, outra terrivelmente assustada. - Não vamos chegar a lugar algum desse jeito. – Falei alto para que me ouvisse, já que o barulho dos trovões atrapalhava nosso diálogo. Bennet não estava tão calma quanto Mason. Posso não ter morrido há três anos, mas eu já e
Trânsito e mais trânsito, chegamos ao local que me causava arrepios pelo corpo todo. Segurei firme a mão de Logan tapando a respiração, parecia que aquele caminho não tinha fim. Não me admiraria se Mason chegasse primeiro que nós na mansão. Nancy, pensamento positivo. Nada vai mudar se vocês forem idiotas e perderem essa chance de provar que tal testamento é inválido! - Não sei quanto tempo mais posso aguentar. – Choraminguei. - Já está no fim, estamos juntos lembra? – Afirmou apertando minha mão.&n
No dia seguinte deitada na cama de Logan, o observei colocar uma camisa branca social por dentro da calça prendendo com o cinto de couro preto, sorri vendo tal cena, agarrei seu cobertor até a altura de meus olhos. Em seguida passou minha gravata vermelha preferida em volta de seu pescoço dando um nó. Pelo reflexo do espelho, Logan me pegou o observando me fazendo corar de imediato. Escondi meu rosto entre as cobertas tentando passar despercebida. - Você fica linda quando está envergonhada. – Minhas bochechas esquentaram a ponto de parecer que eu estava com febre. - E você vai se atrasar. – Afirmei indo ao banheiro. -
Logan comprou os ingressos do filme, para minha sorte era filme antigo. Um thriller chamado Psicose, amava aquele filme desde que meu pai havia me apresentado. - Vai amar o filme. – Falei sorrindo ao apertar seu braço quando ele se sentou ao meu lado segurando um balde de pipoca e dois refrigerantes. Peguei de sua mão antes que caísse tudo em cima de mim. - Não gosto de terror. – Afirmou tomando um gole de seu refrigerante. - Não é terror. É clássico. – Assegurei enfiando pipoca em minha boca. - Pessoas morrem? – Lo
No dia seguinte não foi diferente do anterior, trabalho e mais trabalho onde isso se repetiu pelas próximas duas semanas. O Juiz Peterson não cedeu em sua decisão, nem sequer me ofereceu uma colher de chá. Logan e eu nos víamos quando podíamos, ele prometeu não sumir de repente e até sugeriu para que eu conhecesse sua mãe, mas a ideia de dar de cara com Bennet me assustou, e resolvemos esperar mais um pouco antes desse encontro. E detalhe, ele não comentava sobre o que ocorria na MC3, nem mesmo migalhas, se falavam de mim ou se sentiam minha falta. - Estou desesperada, o ano está acabando junto com meu prazo, e eu não sei o que fazer. Literalmente! – Eu
Você implora por silêncio, mas esquece que o barulho está dentro de você. O pensamento mais sábio que havia tido desde que fizera dezoito anos. N era a melhor companhia que eu consegui arranjar em anos. E olha que ela só apareceu há poucos dias! Ótimo, tudo o que precisava era alguns dias para procurar um emprego novo que pague minhas contas e garanta o futuro dos meus irmãos. Não poderia ficar melhor. Beck corria pelo quarto ao se arrumar, parecia ir para um lugar importante, já que nunca corria. Passou pela porta acenando me deixando outra vez sozinha no quarto.&nbs
Nós percebemos que as coisas mudam, quando algo muito importante para de ser importante a ponto de não nos importarmos mais. Nem em um milhão de anos imaginaria Logan me levar aquele lugar novamente. Estávamos de volta ao mirante, onde tinha visto Logan chorar pela primeira e última vez. - Acha que não posso ser feliz, por que meu pai morreu? Que não posso aproveitar a vida, por que minha mãe está ficando doida? Ou ver minha tia, uma pessoa que eu pensava que conhecia, se tornar alguém cruel? Talvez eu tenha culpa ou não, não tem como saber. E se eu tiver, eu não quero essa culpa! – Logan disparou a falar assim que saímos do car