Capítulo 2

Nas terras selvagens ao leste de São Luminário, a noite era densa, com o vento gelado soprando de maneira sinistra.

De repente, uma cabeça de fera emergiu da vegetação rasteira.

Parecia um lobo.

Os olhos verde-amarelados da criatura emanavam um brilho selvagem e afiado, fixados na jovem deitada no chão, à beira da morte.

Para uma fera faminta, o cheiro de sangue era um convite irresistível.

Ela saltou repentinamente da vegetação, avançando ferozmente sobre a garota, mordendo com força o delicado pulso dela.

No momento em que os dentes afiados penetraram a pele, Selene abriu os olhos de repente, a dor evidente em seu olhar era quase palpável.

Ela estava...

"Morri? Onde estou agora?"

A dor excruciante da carne sendo dilacerada fez com que ela erguesse a cabeça.

No segundo seguinte, os olhos dela encontraram os da fera.

Aquele olhar a despertou instantaneamente.

Selene levantou a outra mão e cravou com força nos olhos do lobo.

O uivo agudo da criatura ecoou pela noite, como o grito de um espírito.

Selene se ajoelhou, agarrando o pescoço da fera com força, enquanto sua outra mão segurava um galho afiado, que atravessava o pescoço do lobo.

Ela manteve a posição até ter certeza de que a fera embaixo dela não mostrava mais sinais de vida. Lentamente, soltou as mãos.

Ao olhar ao redor, viu ervas daninhas e árvores crescendo sem ordem, pedras espalhadas por todos os lados, além de insetos por toda parte.

Aquele lugar era o Pico da Lua, situado nos arredores ocidentais de São Luminário.

E a cena diante dela era idêntica a uma noite de quatro anos atrás!

Naquela ocasião, Anabela havia caído da escada enquanto descia com ela, e, por isso, Selene fora punida por Maristela, que a obrigou a ficar ajoelhada no pátio refletindo.

Sem forças, ela desmaiou.

Quando recobrou a consciência, percebeu que havia sido jogada no desolado Pico da Lua...

Selene se apoiou no chão e se levantou com dificuldade.

Naquele momento, os acontecimentos se repetindo e os arredores familiares apontavam para um único fato...

Ela havia voltado!

Voltado quatro anos no passado.

Na vida anterior, ela havia feito de tudo para agradar, mas só recebeu desprezo e aversão de seus pais e irmãos.

Desta vez, ela não desejaria mais o que chamavam de laços familiares.

Para ela, o mais importante seria apenas ela mesma.

Selene passou a língua pelos lábios secos e rachados, que não sentiam o gosto da água há muito tempo. Olhou novamente para o lobo morto com uma expressão feroz, então puxou o galho que perfurava o corpo dele.

Se apoiando no galho como uma bengala, começou a descer a montanha, mancando.

...

Família Oliveira

Hora do almoço.

Anabela estava sentada à mesa de jantar, olhando para o homem elegante do outro lado, vestido com um impecável terno preto.

— Álvaro, Selene ainda não voltou. Que tal esperarmos por ela para almoçarmos juntos?

— Se ela não voltou para o almoço na hora certa, isso é problema dela. — Respondeu Álvaro friamente. — Não é possível que todos tenham que esperar por ela. Além disso, ela não merece esse tipo de consideração.

— Anabela, coma. — Disse Evaristo, sua expressão indicando repulsa ao ouvir o nome de Selene, como se tivesse engolido uma mosca. — Não fale sobre ela.

Ele colocou alguns pedaços de carne assada no prato de Anabela.

— É a sua favorita. Coma mais. Você está ficando magra ultimamente.

Anabela sorriu docemente.

— Obrigada pela preocupação, Evaristo.

Nesse momento, um estrondo ecoou pela mansão.

A porta da frente foi aberta com força.

Selene estava na entrada.

Ela usava uma camiseta branca barata, rasgada em dois lugares, um jeans desbotado e tênis de lona brancos com as solas cobertas de lama.

Essa aparência era completamente incompatível com a luxuosa mansão.

Álvaro levantou o olhar rapidamente, mas logo desviou, sem o menor interesse.

Teodoro, vestindo uma camisa social branca de alta costura enquanto cortava um bife, franziu as sobrancelhas com um leve traço de desgosto no olhar.

— Por que você está assim tão desleixada?

Selene não respondeu e caminhou até a mesa de jantar.

Teodoro a advertiu:

— Vá se lavar antes de comer. A imunidade de Anabela é baixa. Não passe seus germes para ela.

Selene lançou um olhar indiferente para Teodoro e se virou, subindo as escadas.

Teodoro ficou momentaneamente surpreso, um tanto intrigado.

Desde que Selene foi trazida de volta da montanha, ela sempre mostrou um comportamento tímido e submisso, tentando agradar a todos, como se temesse ser rejeitada por nunca ter visto nada do mundo.

Ela estava constantemente ansiosa para se integrar àquela casa, sempre humilde e obediente, com olhos suplicantes, como os de um cachorro implorando por atenção.

Mas agora, o olhar dela era tão indiferente.

Algo que ele nunca tinha visto antes.

...

Selene subiu os degraus, indo diretamente para o quarto no final do corredor.

Ela abriu a porta e entrou.

O cômodo continha apenas uma cama estreita de 1,20 metros, uma mesa e uma cadeira simples, um guarda-roupa descascado e um espelho rachado.

Esse era o quarto dela na casa.

Um depósito que fora adaptado.

Sem janelas, sem luz do sol entrando.

Mas ela já estava acostumada.

A avó dela sempre dizia que as pessoas deviam ser gratas.

Por isso, Selene carregava no coração um profundo senso de gratidão pela família Oliveira, que a havia trazido de volta e lhe dado tudo o que ela tinha agora.

Ela fazia o possível para cuidar de todos naquela casa, tentando preservar os laços familiares que havia recuperado.

Selene olhou para seu reflexo no espelho.

Sua mente repassava cenas dos últimos quatro anos, em que ela viveu cuidadosamente, sempre pisando em ovos.

Todos os dias, fazia de tudo para agradar, buscando atenção e um mínimo de bondade. Achava que, se persistisse, acabaria recebendo um pouco de compaixão dos Oliveira.

Mas no final, não recebeu nada.

Eles usaram a desculpa de serem "parentes" para humilhá-la, rebaixá-la e domesticá-la... e depois... matá-la.

Selene fitou o quarto escuro, abafado, onde a luz do dia nunca chegava, e respirou fundo.

A verdadeira filha da família Oliveira não deveria viver tão humilhada.

...

A refeição já passava da metade.

Selene desceu as escadas com passos lentos e relaxados.

Agora vestia roupas limpas, e seus olhos marcantes, claros e intensos, estavam diferentes de antes. Não mais hesitantes ou assustados, mas carregando uma frieza implacável, quase agressiva.

Os ombros, que antes estavam sempre encolhidos, agora estavam retos, e ela caminhava com uma postura calma e confiante, como se trouxesse consigo uma rajada de vento gelado ao passar.

Evaristo ficou atônito por um momento.

Anabela ergueu os olhos para encarar o rosto de Selene e sentiu seu coração apertar subitamente. Sua expressão ficou pálida, e suas mãos, escondidas sob a mesa, se fecharam involuntariamente.

"O rosto dela... Como Selene pode ser tão bonita? Especialmente esses olhos!"

Evaristo notou o corpo tenso de Anabela ao lado e rapidamente se recuperou, perguntando preocupado:

— Anabela, o que aconteceu?

Anabela balançou a cabeça levemente, mordendo os lábios enquanto esboçava um sorriso.

— Nada, só achei que a Selene está um pouco diferente hoje.

Evaristo soltou uma risada fria.

— Ela não passa de uma caipira.

Anabela puxou delicadamente a manga dele e murmurou:

— Evaristo, não fale assim. Ela também é sua irmã.

— Irmã? Eu só tenho você como irmã.

Selene, impassível, se aproximou do lugar vazio ao lado de Teodoro.

Teodoro ajustou os óculos e, com um tom frio e distante, disse:

— Fique longe de mim.

Selene ignorou completamente suas palavras, puxou a cadeira e se sentou.

Teodoro franziu o cenho, irritado.

— Eu não quero sentar ao seu lado.

Ele tinha mania de limpeza.

Selene parou por um momento enquanto segurava os talheres. Depois de um breve silêncio, inclinou ligeiramente a cabeça e olhou para Teodoro.

— Então você pode sair daqui.

A resposta dela não só deixou Teodoro atônito, mas também Álvaro e Evaristo ficaram surpresos.

— Você disse o quê? — Teodoro perguntou, incrédulo.

Selene piscou lentamente, sua voz fria e indiferente.

— Se não quer sentar ao meu lado, então vá embora.

— Você... — A expressão refinada e aristocrática de Teodoro ficou paralisada por um instante.

Selene disse o quê? Mandou ele ir embora?

— Selene. — Álvaro lançou a ela um olhar gelado, sua voz carregada de reprovação. — É assim que você fala com seu irmão?

Selene sempre fingiu ser obediente, se mostrando amável com todos, nunca tendo usado palavras tão cortantes antes.

Ela levantou os olhos e encarou Álvaro diretamente. Pela primeira vez, seu olhar não mostrava nem admiração nem desejo por reconhecimento.

— Ele falou comigo desse jeito. Eu apenas respondi da mesma forma.