Ele jogou a pergunta de volta para mim. Eu deveria ter ficado irritada, mas, para minha surpresa, não fiquei.Muito pelo contrário. Soltei um suspiro de alívio e logo comecei a rir, leve e descontraída:— Só estava brincando com você. Não me diga que ficou assustado? Eu sei que você é uma ótima pessoa. Até as menores gentilezas você retribui formalmente, então é claro que salvar a sua vida, que foi algo muito maior, seria uma dívida enorme.Jean também soltou uma risada baixa e, em seguida, respondeu com seriedade:— Kiara, não é só gratidão.Minha mente deu um estalo tão alto que quase pude ouvir. Por um momento, não tive coragem de responder. Ao mesmo tempo, me arrependi profundamente por ter iniciado esse assunto.Por sorte, minha reação foi rápida. Mesmo que o pânico tivesse me paralisado por um instante, eu consegui improvisar:— O que você disse? Estou no elevador, descendo para a garagem. O sinal está ruim.Ele riu de novo, daquela forma calma e profunda. Parecia entender que eu
Na fase de debates no tribunal, meu advogado apresentou nossos argumentos e exigências, mas o advogado de Davi começou a refutar ponto por ponto, sem demonstrar nenhuma intenção de “colaborar”.Meu advogado inclinou-se discretamente e sussurrou para mim:— Você não disse que o réu seria cooperativo? Pelo jeito que estão, insistindo que não houve ruptura no relacionamento de vocês, o juiz pode decidir a favor dele. Se isso acontecer, teremos que esperar uma segunda audiência...Uma segunda audiência significava pelo menos mais três meses de espera. Mas eu não tinha paciência nem para mais um dia, quem dirá três meses. Ignorando completamente a etiqueta e a ordem da corte, interrompi o advogado de Davi, levantei a mão e falei:— Meritíssimo, não estou me sentindo bem. Posso pedir um intervalo de alguns minutos?— Tudo bem, dez minutos de pausa. Voltamos depois disso. — O juiz respondeu.— Obrigada, Meritíssimo.Levantei-me e saí do meu lugar. Ao passar pela mesa do réu, olhei para Davi e
— Davi, você quer que eu me ajoelhe para você? Divorcie-se dela! Rápido! Se não se divorciar, eu deixo de te reconhecer como meu filho! — Eduarda gritou, segurando com força o braço de Davi enquanto chorava desesperada.As madames ao redor continuavam cochichando sem parar. Muitas fingiam consolar Eduarda, mas, na verdade, estavam mais interessadas em arrancar informações sobre o drama familiar da família Castro.O rosto de Davi estava tomado por um conflito interno evidente, como se ainda estivesse hesitando.Eu balancei o celular mais uma vez, deixando claro:— Se você insistir em não assinar o divórcio, eu ligo para a polícia agora mesmo.Após dizer isso, comecei a digitar o primeiro número.De repente, Eduarda perdeu as forças e caiu de joelhos diante de Davi. Sua atitude me pegou completamente de surpresa, e até as madames ao redor soltaram um sonoro “ai, meu Deus”.— Davi, você vai ser punido por Deus! Uma mãe se ajoelhando diante do próprio filho!— Sra. Eduarda, o que a Kiara f
O juiz continuou:— Este tribunal declara: está concedido o divórcio entre a autora Kiara e o réu Davi. As custas processuais serão arcadas pelo réu, Davi. A sentença será entregue por escrito no prazo de dez dias úteis. Ambas as partes devem acompanhar o recebimento. Audiência encerrada!Com o som firme do martelo, eu permaneci sentada no banco da autora, quase chorando de emoção. Finalmente! Finalmente divorciada!Enquanto minha alegria transbordava, Davi estava no banco do réu, imóvel, com a expressão de quem acabara de perder tudo.Eu o observei por um instante, mas não senti o menor desejo de consolá-lo. Sem hesitar, levantei-me e saí acompanhada do meu advogado.As madames ainda estavam do lado de fora do tribunal. Assim que me viram sair, correram para me cercar, ansiosas pelo resultado.— Agradeço a preocupação de todas. Consegui. Estou divorciada. Isso também é graças a vocês, obrigada! — Respondi, com um sorriso de alívio.Imediatamente, um coro de comemorações começou:— Srt
Depois de me despedir do advogado, voltei para o meu carro. Meu humor estava um pouco confuso: uma mistura de alegria e apreensão, de alívio e preocupação.Peguei o celular e pensei em ligar para minha avó para contar o resultado do processo. Assim que disquei o número, vi uma ambulância chegando em alta velocidade.— Vó… Sim, o processo terminou. O Davi, pelo menos, teve um pouco de consciência. O juiz decretou o divórcio.Ouvi minha avó suspirar aliviada do outro lado da linha. Enquanto ela falava com alegria, meu olhar permaneceu fixo na cena do lado de fora.Davi estava sendo colocado em uma maca pelos paramédicos, enquanto Eduarda o acompanhava. Ao descer os degraus do tribunal, ela tropeçou e caiu no chão com tudo. Os paramédicos precisaram ajudá-la a se levantar.Eu, ainda dentro do carro, franzi a testa ao ver aquilo:— Sim, vó, entendi. Eu aviso depois. No fim de semana vou almoçar com a senhora, e conversamos com calma.Desliguei o telefone, mas continuei observando a movimen
Se fosse alguns dias atrás, eu com certeza aceitaria o convite com entusiasmo e alegria. Mas agora, a imagem de Davi sendo socorrido não saía da minha cabeça. A simples ideia de, logo depois disso, estar flertando com outro homem me parecia vergonhosa, como se eu fosse uma mulher que não consegue passar um momento sem a atenção de um homem.Hesitei por alguns segundos e acabei inventando uma desculpa:— Hoje à noite acho que não vai dar. Vou jantar na casa da minha avó.— Ah, entendi. Sem problemas. — Ele respondeu, com a mesma gentileza de sempre. — Podemos remarcar para outro dia.— Combinado.Depois de desligar, comecei a me odiar por dentro. Eu passei tanto tempo odiando Davi, sonhando com o dia em que estaria livre dele. Agora que finalmente consegui me divorciar, por que, de repente, me sinto tão estranha e até triste?Será que foi por causa do jeito trágico como ele terminou? Será que meu coração mole começou a me trair?Dei um tapa forte no meu próprio rosto direito e me repree
Eu não estava com paciência para ficar trocando mensagens, então liguei diretamente para Nina. Nós conversamos animadamente durante todo o caminho, rindo e relembrando os velhos tempos. Combinamos que, quando ela viesse a Saurimo, ficaria hospedada na minha casa para termos tempo de colocar o papo em dia.Quando o carro estava se aproximando do Condomínio Florensa, avistei de longe uma figura esguia parada na entrada. Ele estava de pé, contra o frio do inverno, ereto como um pinheiro, com uma elegância natural que chamava atenção.Meu coração deu um pequeno salto, e, sem saber por quê, senti um leve constrangimento. Eu tinha certeza de que Jean estaria no trabalho hoje, mas, pelo visto, ele havia decidido tirar o dia de folga.O Rolls-Royce personalizado estacionou suavemente, e Jean se aproximou para abrir a porta do carro para mim.Eu sorri, um pouco nervosa e envergonhada, tentando rapidamente encontrar um assunto para quebrar o gelo:— Você está com tempo livre hoje?— Nem tanto. A
— Pode me dizer por quê? É porque você não gosta de mim ou está preocupada com o que os outros podem dizer?Jean me encarava diretamente, com uma expressão tranquila, mas sua pergunta me deixou completamente desorientada. Meu rosto queimava, e meus olhos começaram a desviar de um lado para o outro, incapazes de encará-lo.— Eu… eu só acho que… eu já fui casada. Minha reputação não é boa, então…Apesar de não ter dito claramente, minhas palavras tinham um significado evidente. Eu sabia que ele entenderia exatamente o que eu quis dizer.Para minha surpresa, Jean apenas sorriu, como se aquilo fosse algo trivial:— Eu já sabia do seu divórcio há muito tempo. Isso não é novidade para mim. Além disso, o fracasso desse casamento não foi culpa sua, foi ele quem te decepcionou. Por que você está se pressionando tanto?— Falar é fácil, mas as pessoas são cruéis nos julgamentos, e a sua família tem um histórico impecável…Não consegui terminar a frase.A verdade era que a família Auth tinha um no
Meus olhos se estreitaram, surpresa com o gesto de Davi. Ele ainda se lembrava daquele episódio. No entanto, para mim, uma xícara de chocolate quente que eu não bebi não era algo com que eu me importasse.Eu sorri educadamente e recusei:— Obrigada, mas eu não bebo algo de procedência desconhecida.O rosto de Davi imediatamente se fechou, ficando frio e rígido. Ele claramente entendeu a insinuação por trás das minhas palavras.Sem me incomodar com sua reação, desviei o olhar e joguei o cabelo para trás:— Vamos logo. Se demorarmos muito, o pessoal daqui já vai estar saindo para o fim do expediente.Entramos no prédio, pegamos uma senha e nos sentamos para esperar.Davi continuava me observando, como se quisesse puxar assunto. Mas, antes que ele pudesse dizer algo, meu celular tocou. Aproveitei a oportunidade e me levantei para atender.Era Jean.De repente, lembrei que tinha esquecido de avisá-lo que eu não estava no escritório naquela tarde e que ele não precisava me buscar.— Alô...
Depois disso, Tânia se curvou diante da câmera. Apesar de parecer claramente contrariada, seu rosto mostrava um misto de arrependimento e desconforto enquanto dizia: — Kiara, me desculpe. Eu peço o seu perdão. Assim que o vídeo foi divulgado, vários amigos começaram a me enviar, parabenizando-me e comentando como finalmente eu tinha conseguido “desmoralizar a família Castro”. Minha reação, no entanto, foi bastante tranquila. Para mim, o pedido de desculpas não fazia tanta diferença na prática. Era apenas uma questão de orgulho. Por outro lado, o fato de Tânia ter chegado a esse ponto, mesmo contra sua vontade, demonstrava muito esforço e coragem. Isso me surpreendeu e, de certa forma, me deu uma sensação de alívio. Logo depois, recebi uma ligação de Davi. — Tânia já pediu desculpas. Quando você vai emitir a carta de perdão? — Vou entrar em contato com meu advogado nos próximos dias para resolver isso. — Pode ser hoje? Fiquei um pouco confusa.— Precisa ser tão urgente
Eu já havia consultado meu advogado sobre o assunto e sabia o que esperar, mas, ao ouvir o que Isabela acabara de dizer, fiquei levemente surpresa. “Como assim? Ele vai sair tão rápido?” A eficiência do processo parecia absurda.Percebendo minha expressão de dúvida, Isabela se apressou em explicar:— Se ele não sair logo, vai acabar morrendo lá dentro!Decidi acompanhar o tom dela e respondi:— Então, se ele está tão doente, interná-lo em um hospital seria apenas um desperdício de recursos médicos. Além disso, ele só vai prolongar o próprio sofrimento.— Kiara, você não tem coração! — Isabela elevou a voz, indignada. — Ele é seu pai! Se não fosse por ele, você nem estaria viva!— Se eu pudesse escolher, preferia nem ter nascido a ter um pai tão desprezível quanto ele! — Retruquei sem hesitar.Isabela ficou tão irritada que começou a tremer. Seus lábios se moviam, mas parecia incapaz de formar palavras. Seus olhos ficaram vermelhos, ameaçando chorar.A raiva que eu havia guardado por ta
Eu não terminei a frase, mas Jean certamente entendeu o que eu quis dizer.— Isso não vai acontecer. Toda a família já sabe que eu tenho namorada. — Jean respondeu com calma.Eu sorri levemente e retruquei:— Só namorada?Lembrei-me do que Emilia havia dito: que até casamentos podem terminar, quanto mais um namoro. Ela também mencionou que Mestre Auth nunca aceitaria nosso relacionamento. Não sabia se ela estava apenas tentando me desestabilizar ou se realmente sabia de algo.Jean, percebendo o tom da minha provocação, respondeu com seriedade:— Eu já disse que nunca trato sentimentos como brincadeira.Depois de falar, ele me olhou com um olhar ainda mais profundo. Após hesitar por um momento, acrescentou:— Na verdade, se você quiser, podemos nos casar agora mesmo.— O quê?Fiquei completamente atônita, encarando-o sem acreditar no que acabara de ouvir. Depois de alguns segundos, balancei as mãos, soltando um riso nervoso:— Não diga essas coisas de forma tão casual. Casamento é algo
Jean manteve a expressão tranquila, sem demonstrar nenhum constrangimento, e explicou:— Ela não tem nada a ver comigo. É o avô dela que tem uma relação com o meu avô.Vendo minha expressão de dúvida, Jean continuou explicando:— O Mestre Serra foi subordinado do meu avô. Ele sempre teve a admiração do meu avô, que o apoiou ao longo da carreira, até que ele se tornou comandante de um distrito militar. Você lembra que eu te falei sobre meu irmão mais velho? Ele é órfão de um colega do meu pai e passou a vida no exército. Nos últimos anos, ele serviu sob o comando do Mestre Serra e recebeu muito apoio dele. Mas, claro, meu irmão é realmente talentoso. Ele já recebeu duas condecorações militares e quase perdeu a vida em serviço. Há dois meses, o Mestre Serra se aposentou e, desde então, ele visita meu avô com frequência. Eles jogam golfe juntos e relembram os velhos tempos de glória.Ouvi atentamente tudo o que Jean dizia. Era a segunda vez que ele mencionava as realizações de seu irmão,
No segundo seguinte, porém, o olhar da Sra. Serra se voltou para mim. Com uma expressão nada amigável, ela disse:— Essa Srta. Kiara é amiga do Mestre Jean? Uma garota dessas, de família tão insignificante e sem muita educação, está a anos-luz da família Auth. Mestre Auth sempre foi conhecido por…— Sra. Serra, Kiara é minha namorada. E, como ela não tem nenhum vínculo com a senhora, não cabe a você dar lições a ela. — Jean interrompeu, mantendo o tom calmo, mas com firmeza suficiente para cortar as palavras dela.Levantei as sobrancelhas, surpresa. Nunca imaginei que ele seria tão direto, chegando a interromper uma pessoa mais velha.O rosto da Sra. Serra ficou imediatamente sombrio.— Jean, minha mãe só está tentando ajudar. Você viu o quão arrogante Kiara é? Ela chutou minha perna e me deixou com um hematoma! — Emilia tentou defender a mãe, levantando a saia para mostrar o machucado na perna.Eu estava prestes a explicar, mas Jean foi mais rápido:— Kiara não machucaria alguém sem m
Eu ainda estava na concessionária quando o celular tocou. Era Tatiana.— Kiara, a Sra. Isabela está aqui procurando por você.Respondi, sem me abalar:— Não se preocupe com ela. Diga que eu tenho compromissos hoje, não vou voltar para a empresa, e peça para ela ir embora.— Mas ela se recusa a sair. Está sentada no seu escritório. Posso pedir para os seguranças tirarem ela de lá?— Não precisa, deixe ela sentada lá.Sabia que, se Isabela causasse confusão, até os seguranças poderiam não dar conta da situação, e isso acabaria prejudicando a operação normal da empresa.— Tudo bem... — Tatiana suspirou e desligou.Não dei muita importância ao assunto. Isabela só sabia aparecer para pedir dinheiro, nada mais. E eu estava decidida: não daria um centavo. Se cedesse uma vez, seria um ciclo sem fim.Guardei o celular no bolso e me virei para voltar ao salão de exibição. Mas, ao levantar o olhar, dei de cara com uma figura familiar. Não, mais do que familiar: uma inimiga.Emilia vinha andando,
— Não precisa se apressar com a transferência da casa. Vamos falar sobre a situação da Tânia. Você disse no tribunal que, se ela te pedisse desculpas, aceitaria um acordo extrajudicial. Isso ainda vale? — Davi perguntou, direto.Eu franzi as sobrancelhas e o encarei:— Você está nesse estado, saindo no frio dessa noite, só para perguntar isso?— E por que não? Você bloqueou meu número e, mesmo depois de trocar o seu, continua ignorando minhas ligações. — Ele rebateu, com um tom de leve acusação e sarcasmo. — Parece até que atender minhas chamadas é uma sentença de morte para você.Fiquei surpresa. Agora que ele mencionou, lembrei que, de fato, tinha recebido duas ligações de números desconhecidos durante o dia e as rejeitei automaticamente.— Ainda vale? — Ele repetiu a pergunta, insistente.Eu respirei fundo. Para ser sincera, não queria que valesse. A atitude de Tânia no tribunal tinha me irritado profundamente.Mas, com Carlos prestes a sair da prisão e sem saber que tipo de problem
Eu fiquei sem palavras. Ainda bem que ele não fez isso, porque, se tivesse feito, eu nunca mais teria cara para encarar Lucas na empresa. A menos que eu trocasse de gerente imediatamente.Pensando nisso, murmurei arrependida:— Se eu soubesse, nem teria te contado. Você não ia me encontrar por acaso, e nem sequer saberia...— O que você disse?— Eu disse que finalmente descobri um defeito seu: ciumento e infantil! — Virei-me para ele, articulando cada palavra de propósito, só para provocá-lo.Mas, em vez de se irritar, ele riu e respondeu com naturalidade:— Tenho muitos defeitos. Com o tempo, você vai descobrindo todos.— Então, por que você não me conta logo? Assim, eu evito te irritar.— Prefiro não.Nossos comentários eram tão infantis que, no final, nem nós mesmos conseguimos levar a conversa a sério.— Chega disso. Vou te levar para casa. Amanhã de manhã, vamos direto ver o carro, e depois te deixo no trabalho. — Jean mudou de assunto, enquanto já organizava minha agenda do dia s