Share

Capítulo 4

Author: Almenciosa
Fiquei surpresa.

Era a primeira vez que Dário fazia café da manhã pra mim.

Depois de me arrumar, fui até a sala de jantar. Ao olhar pra cozinha, vi Evelina lá dentro, ocupada, como se fosse a dona da casa.

Movia-se com intimidade, mexendo nas panelas, arrumando os pratos, como se aquele lugar fosse dela.

E eu?

Eu parecia só mais uma visita.

Logo ela saiu da cozinha, animada, e colocou os pratos na mesa com um sorriso exageradamente simpático:

— Lívia, experimenta o que eu fiz!

A voz dela trazia uma empolgação ensaiada, quase infantil.

Se ao menos o olhar que ela lançou pra mim não estivesse cheio de veneno, talvez eu realmente comesse com gosto.

Mas, com aquele olhar... não dava.

Comi só umas colheradas, sem vontade.

Dário percebeu meu desânimo e, numa tentativa meio desajeitada, sugeriu:

— Que tal a gente sair pra comprar umas roupas novas pra você?

Quase ri.

Quatro anos juntos.

Quatro anos nos quais ele nunca teve tempo pra me acompanhar numa loja.

Sempre a mesma desculpa:

“Não dá, tô cheio de trabalho, Lívia. Precisa entender.”

Mas pra viajar com a Evelina, ele sempre dava um jeito.

Sorri de canto, um sorriso cético.

Dário me observava, esperando minha resposta.

Pelo meu comportamento desde a noite passada, ele já devia ter percebido: eu não estava mais ali como namorada.

O que ele temia... era perder a cuidadora.

A mulher que cuidava da comida, das roupas, das dores, dos caprichos.

A "amada" ficava intocada num pedestal.

A serva, essa sim, era necessária no dia a dia.

No fim, aceitei ir ao shopping.

Precisava comprar algumas coisas básicas antes de ir embora.

Evelina logo se meteu na conversa, animada:

— Eu quero ir também! Posso, Dário? Por favorzinho? Juro que não atrapalho!

Ela segurou o braço dele com um jeitinho forçado, os olhos cheios de lágrimas calculadas.

Dário me lançou um olhar incômodo, visivelmente sem saber como agir.

Respondi, indiferente:

— Leva, ué.

Ele se assustou com meu tom. A frieza na minha voz não dava espaço pra discussões, mas também não entregava mais nenhum sentimento.

Diante de Evelina, ele não ousou insistir.

Só me lançou um olhar preocupado, mas não disse nada.

Levantei e fui trocar de roupa.

...

Chegamos ao shopping. Evelina fez questão de empurrar a cadeira de rodas.

Quando passamos por uma doceria, ela me lançou um olhar, depois virou-se pro Dário, manhosa:

— Ai, tô com vontade de comer um docinho...

Dário riu com malícia:

— Ué, não foi suficiente o de ontem à noite?

Evelina, corada, deu um tapinha nele.

Os dois riam, se provocando, ali mesmo na porta da loja.

Desviei o olhar. Peguei o celular e fui responder minha mãe, que já estava me cobrando por não ter voltado ainda.

Ela e meu pai estavam com saudades.

— Você vai entrar pra comer com a gente? — Dário perguntou de repente.

O olhar dele era um aviso:

Por favor, não me faça passar vergonha na frente da Evelina.

Mas era tarde pra se importar com isso.

— Não, tenho outras coisas pra comprar. Aproveitem. — Disse eu, sem olhar pra trás.

Quando estava saindo, ele segurou meu braço.

— Lívia. Você tá diferente esses dias. Tá com ciúme da Evelina?

A voz carregava uma falsa dúvida, mas o tom era de certeza.

Eu me segurei pra não revirar os olhos.

Não queria prolongar aquele papo inútil, então só assenti com a cabeça, sem emoção.

Ele soltou meu braço, assumindo aquele tom arrogante de sempre:

— Entre mim e a Evelina não tem nada além da relação de chefe e funcionária. Não se estressa com isso. Se vir algo que goste, me avisa, eu pago.

Eu ia responder que não precisava, mas ele já tinha virado a cadeira e entrado na doceria com a Evelina.

Na saída do shopping, o sol brilhava e o vento era leve.

Dário e Evelina me esperavam perto da entrada principal.

Foi então que reparei — no pulso da Evelina havia uma pulseira de contas.

Minha pulseira. Aquela que, dois anos atrás, eu fui buscar num templo pra ele.

Não era cara, mas pra conseguir ela… eu quase morri.

Na volta, sofri um acidente de carro, fiquei dias no hospital. Mas a pulseira ficou intacta — protegi com a vida.

Na época, Dário disse que aquele amuleto tinha um significado especial pra ele. Que nunca tiraria do pulso, muito menos daria pra outra pessoa.

Abaixei os olhos, engoli em seco, e encarei Dário com um sorriso irônico.

Ele percebeu. E como quem tentava disfarçar a culpa, se adiantou:

— A Evelina só quis dar uma olhada. Aí… eu deixei ela ver.

Antes que eu pudesse responder, um grito cortou o ar.

Um homem surgiu do nada, com uma faca na mão, correndo em direção à multidão.

O alvo era aleatório, mas Evelina estava bem no caminho.

E foi então que aconteceu.

Dário, o mesmo homem que por anos dizia não conseguir andar… se levantou da cadeira de rodas, com passos firmes, e correu.

Correu como se nada nunca tivesse acontecido.

Agarrou Evelina nos braços e fugiu com ela em disparada.

Eu fiquei ali, engolida pela multidão, olhos fixos nas costas dele, sumindo entre os corredores.

Quando tudo passou e a confusão se dispersou, Dário voltou pra procurar por mim.

Olhou por todo o shopping.

Mas ele nunca me achou.

Porque eu… já tinha ido embora.

Saí direto dali pro aeroporto.

Reagendei meu voo.

E parti.
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Related chapters

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 5

    Depois que eu fui embora, só então Dário percebeu que algo estava errado.Uma angústia estranha tomou conta dele, apertando o peito, sufocando a respiração.Um pressentimento ruim. Muito ruim.Pisou fundo no acelerador até o carro tremer, voando de volta pra casa.Assim que chegou, escancarou a porta — e deu de cara com o vazio.Tudo meu… tinha sumido.Cada canto da casa tinha sido esvaziado da minha presença.Sobre a escrivaninha, a única foto que tínhamos juntos.Mas minha metade já tinha sido cuidadosamente cortada.Restava só ele, sorrindo pro nada, encarando um vazio onde antes estava eu.Com as mãos trêmulas, abriu a porta do quarto.Nada.Nenhum vestígio.Parecia que eu nunca tinha existido ali.A respiração dele ficou pesada, descompassada. Pegou o celular com mãos ainda trêmulas, destravou e abriu nossa conversa.Foi então que percebeu:Eu estava silenciada.Colocada em “não perturbe”.Na tela, só duas mensagens minhas:“Vamos terminar.”“Eu detesto traição e mentira.”Ao ler

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 6

    — Olá, eu sou o Enrico Amaral. — Disse ele com um sorriso gentil.Esse nome, por que me soava tão familiar?Percebendo minha confusão, ele deu uma risadinha leve e comentou:— Já esqueceu? A gente brincava junto quando era criança.— Você é... aquele gordinho da casa ao lado?! — Olhei pra ele, chocada.Ele assentiu, sorrindo.Fiquei atônita. O homem à minha frente, elegante, bonito, de fala calma e segura… era o mesmo menino que vivia com o nariz escorrendo, correndo atrás de mim dizendo que ia me proteger?Espantei os pensamentos e voltei à conversa. Enrico era agradável, atencioso, e a conversa fluiu tão bem que nem vi o tempo passar.Na hora de ir embora, ele insistiu em me levar. No carro, rindo, soltou:— Você sabia que, quando era pequena, dizia que ia casar comigo?Sorri sem graça, desviando o olhar.Ele então parou o carro na frente do meu prédio, e antes de me despedir, me encarou com seriedade:— Lívia, eu gostava de você naquela época... e ainda gosto. Não precisa responder

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 7

    Enrico partiu pra cima, e os socos caíam em Dário como chuva pesada.O olhar dele transbordava uma raiva que há muito tempo estava contida:— Quem te deu o direito de machucar a Lívia?! Ela sempre foi preciosa pra mim! E você só fez ela chorar?Levei a mão ao rosto. Só então percebi, meu rosto estava encharcado de lágrimas.Dário enfim reagiu e começou a revidar. Os dois se embolaram ali mesmo, numa briga sem trégua, cercados de curiosos.Corri pra separá-los com todas as forças que tinha. Puxei Enrico pra trás e lancei um olhar furioso pra Dário.Depois, peguei um lenço da bolsa e comecei a limpar, com cuidado, o rosto machucado do Enrico.Dário observava em silêncio, os olhos apagados, a voz embargada:— Lívia… por que você nem olha mais pra mim?Não respondi.Apenas continuei cuidando do Enrico.Ele me olhava com uma mistura de carinho, desejo contido… e medo de perder.Senti um leve arrepio na espinha.Fomos ao hospital. Mesmo com Enrico insistindo pra ir sozinho, fiz questão de ac

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 8

    No dia em que Dário sofreu o acidente… era meu aniversário.Naquele momento, eu estava cercada pelas pessoas que me amavam — Enrico, meus pais, os pais dele.A mesa cheia, risadas, bolo, velinhas. Um calor que eu já nem lembrava mais como era sentir.Quando uma amiga me mandou mensagem contando o que havia acontecido com ele, só respondi:“Bem feito.”E então desliguei a tela do celular.Não olhei pra trás.O passado, deixei voar com o vento.Nem amor, nem ódio.Apenas nada.[Dário – Epílogo]Foi só depois do fim que entendi.Só depois que a Lívia foi embora, percebi o quanto ela já havia se afastado.Ela sabia.Sabia que minhas pernas estavam boas há muito tempo.Mas nunca me confrontou.Nunca me expôs.Apenas desistiu de mim em silêncio.E agora entendo aquele olhar dela, naquela manhã em que a Evelina me amarrou o cachecol no pescoço.Ela não chorou.Não reclamou.Só me olhou com uma calma estranha.Como quem já viu tudo.Ela sabia que eu tinha dado o cachecol que ela tricotou pra

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 1

    Naquele instante, recebi um áudio da minha mãe. A voz dela vinha cheia de surpresa, mas também de alegria contida:— Lívia, você finalmente tomou juízo! Eu sempre disse que aquele Dário não era homem pra você! Espera só um pouquinho que eu já te mando o contato do rapaz do encontro às cegas.Respondi dizendo que voltaria pra casa em três dias.Assim que terminei a ligação, a maçaneta girou. E lá veio um dos protagonistas do vídeo: Dário, empurrando a cadeira de rodas.Quando me viu sentada no sofá, franziu a testa e me lançou aquele tom autoritário de sempre:— Não era pra ser minha comemoração? Por que tá aí parada?No lixo, descansava o bolo que eu mesma tinha feito, com tanto cuidado.Fiquei encarando o Dário. Depois, baixei o olhar pras pernas dele.Talvez por vergonha, ele desviou os olhos na hora, fugindo do meu olhar. Com a voz impaciente, como se fosse ele a vítima da situação, disse:— Esquece. Sabia que não dava pra contar com você mesmo. Nem esperava que fizesse algo decente

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 2

    A voz impaciente do Dário me puxou de volta pra realidade:— Lívia, ficou surda? Não me ouviu pedir um café pra Evelina?Respirei fundo.Calma. Só mais três dias. Três dias e eu me livro dos dois.Mas, curiosamente, quem falou foi a própria Evelina, como se estivesse me defendendo:— Não fala assim com a Lívia, Dário. Vai ver ela só tá cansada... tem se desdobrado pra cuidar de você esses dias.O olhar dela caiu, sutil e provocativo, direto nas pernas do Dário.E ele odiava qualquer menção à sua condição. Ficou tenso na hora. Me encarou com raiva contida, a voz baixa, mas carregada de veneno:— Lívia, até quando esse drama? Cuidar de mim é o mínimo. Ou esqueceu que eu sou seu namorado?— Não por muito tempo. — Respondi, de forma seca.Foi a primeira vez que o enfrentei sem rodeios. Sem medo. Sem recuar.Dário ficou parado, sem reação. Acostumado com minha submissão, ele não entendeu o que estava acontecendo. Me lançou um olhar duro e mandou Evelina empurrá-lo pra fora.Assim que saíram

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 3

    Dário me lançou um olhar carregado de raiva contida.Afinal, eu, que sempre fui submissa, hoje tinha desafiado seus limites uma, duas, três vezes — sem piscar.Mas eu já não me importava. Nem com ele, nem com o que ele pensava.No silêncio da casa, o toque do celular dele rompeu o ar.Nem precisava olhar pra saber: era Evelina.— Alô, Dário? Você tá em casa? Tem alguém batendo na minha porta sem parar… tô com medo…A voz dela, do outro lado da linha, soava manhosa, trêmula, perfeita na encenação.Dário franziu a testa, preocupado, como se o coração dele tivesse sido apertado.Disse que em dez minutos estaria lá e murmurou algumas palavras de consolo antes de desligar.Vendo meu olhar sobre ele, tentou disfarçar:— Uma funcionária da empresa tá com um problema em casa... vou lá ver o que tá acontecendo.Ele realmente achava que eu era surda? Que eu não tinha ouvido a conversa inteira?Mas eu nem quis discutir. Soltei um “ah” desinteressado e voltei a guardar minhas coisas.— Lívia, me l

Latest chapter

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 8

    No dia em que Dário sofreu o acidente… era meu aniversário.Naquele momento, eu estava cercada pelas pessoas que me amavam — Enrico, meus pais, os pais dele.A mesa cheia, risadas, bolo, velinhas. Um calor que eu já nem lembrava mais como era sentir.Quando uma amiga me mandou mensagem contando o que havia acontecido com ele, só respondi:“Bem feito.”E então desliguei a tela do celular.Não olhei pra trás.O passado, deixei voar com o vento.Nem amor, nem ódio.Apenas nada.[Dário – Epílogo]Foi só depois do fim que entendi.Só depois que a Lívia foi embora, percebi o quanto ela já havia se afastado.Ela sabia.Sabia que minhas pernas estavam boas há muito tempo.Mas nunca me confrontou.Nunca me expôs.Apenas desistiu de mim em silêncio.E agora entendo aquele olhar dela, naquela manhã em que a Evelina me amarrou o cachecol no pescoço.Ela não chorou.Não reclamou.Só me olhou com uma calma estranha.Como quem já viu tudo.Ela sabia que eu tinha dado o cachecol que ela tricotou pra

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 7

    Enrico partiu pra cima, e os socos caíam em Dário como chuva pesada.O olhar dele transbordava uma raiva que há muito tempo estava contida:— Quem te deu o direito de machucar a Lívia?! Ela sempre foi preciosa pra mim! E você só fez ela chorar?Levei a mão ao rosto. Só então percebi, meu rosto estava encharcado de lágrimas.Dário enfim reagiu e começou a revidar. Os dois se embolaram ali mesmo, numa briga sem trégua, cercados de curiosos.Corri pra separá-los com todas as forças que tinha. Puxei Enrico pra trás e lancei um olhar furioso pra Dário.Depois, peguei um lenço da bolsa e comecei a limpar, com cuidado, o rosto machucado do Enrico.Dário observava em silêncio, os olhos apagados, a voz embargada:— Lívia… por que você nem olha mais pra mim?Não respondi.Apenas continuei cuidando do Enrico.Ele me olhava com uma mistura de carinho, desejo contido… e medo de perder.Senti um leve arrepio na espinha.Fomos ao hospital. Mesmo com Enrico insistindo pra ir sozinho, fiz questão de ac

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 6

    — Olá, eu sou o Enrico Amaral. — Disse ele com um sorriso gentil.Esse nome, por que me soava tão familiar?Percebendo minha confusão, ele deu uma risadinha leve e comentou:— Já esqueceu? A gente brincava junto quando era criança.— Você é... aquele gordinho da casa ao lado?! — Olhei pra ele, chocada.Ele assentiu, sorrindo.Fiquei atônita. O homem à minha frente, elegante, bonito, de fala calma e segura… era o mesmo menino que vivia com o nariz escorrendo, correndo atrás de mim dizendo que ia me proteger?Espantei os pensamentos e voltei à conversa. Enrico era agradável, atencioso, e a conversa fluiu tão bem que nem vi o tempo passar.Na hora de ir embora, ele insistiu em me levar. No carro, rindo, soltou:— Você sabia que, quando era pequena, dizia que ia casar comigo?Sorri sem graça, desviando o olhar.Ele então parou o carro na frente do meu prédio, e antes de me despedir, me encarou com seriedade:— Lívia, eu gostava de você naquela época... e ainda gosto. Não precisa responder

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 5

    Depois que eu fui embora, só então Dário percebeu que algo estava errado.Uma angústia estranha tomou conta dele, apertando o peito, sufocando a respiração.Um pressentimento ruim. Muito ruim.Pisou fundo no acelerador até o carro tremer, voando de volta pra casa.Assim que chegou, escancarou a porta — e deu de cara com o vazio.Tudo meu… tinha sumido.Cada canto da casa tinha sido esvaziado da minha presença.Sobre a escrivaninha, a única foto que tínhamos juntos.Mas minha metade já tinha sido cuidadosamente cortada.Restava só ele, sorrindo pro nada, encarando um vazio onde antes estava eu.Com as mãos trêmulas, abriu a porta do quarto.Nada.Nenhum vestígio.Parecia que eu nunca tinha existido ali.A respiração dele ficou pesada, descompassada. Pegou o celular com mãos ainda trêmulas, destravou e abriu nossa conversa.Foi então que percebeu:Eu estava silenciada.Colocada em “não perturbe”.Na tela, só duas mensagens minhas:“Vamos terminar.”“Eu detesto traição e mentira.”Ao ler

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 4

    Fiquei surpresa. Era a primeira vez que Dário fazia café da manhã pra mim.Depois de me arrumar, fui até a sala de jantar. Ao olhar pra cozinha, vi Evelina lá dentro, ocupada, como se fosse a dona da casa.Movia-se com intimidade, mexendo nas panelas, arrumando os pratos, como se aquele lugar fosse dela.E eu?Eu parecia só mais uma visita.Logo ela saiu da cozinha, animada, e colocou os pratos na mesa com um sorriso exageradamente simpático:— Lívia, experimenta o que eu fiz!A voz dela trazia uma empolgação ensaiada, quase infantil.Se ao menos o olhar que ela lançou pra mim não estivesse cheio de veneno, talvez eu realmente comesse com gosto.Mas, com aquele olhar... não dava.Comi só umas colheradas, sem vontade.Dário percebeu meu desânimo e, numa tentativa meio desajeitada, sugeriu:— Que tal a gente sair pra comprar umas roupas novas pra você?Quase ri.Quatro anos juntos.Quatro anos nos quais ele nunca teve tempo pra me acompanhar numa loja.Sempre a mesma desculpa:“Não dá,

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 3

    Dário me lançou um olhar carregado de raiva contida.Afinal, eu, que sempre fui submissa, hoje tinha desafiado seus limites uma, duas, três vezes — sem piscar.Mas eu já não me importava. Nem com ele, nem com o que ele pensava.No silêncio da casa, o toque do celular dele rompeu o ar.Nem precisava olhar pra saber: era Evelina.— Alô, Dário? Você tá em casa? Tem alguém batendo na minha porta sem parar… tô com medo…A voz dela, do outro lado da linha, soava manhosa, trêmula, perfeita na encenação.Dário franziu a testa, preocupado, como se o coração dele tivesse sido apertado.Disse que em dez minutos estaria lá e murmurou algumas palavras de consolo antes de desligar.Vendo meu olhar sobre ele, tentou disfarçar:— Uma funcionária da empresa tá com um problema em casa... vou lá ver o que tá acontecendo.Ele realmente achava que eu era surda? Que eu não tinha ouvido a conversa inteira?Mas eu nem quis discutir. Soltei um “ah” desinteressado e voltei a guardar minhas coisas.— Lívia, me l

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 2

    A voz impaciente do Dário me puxou de volta pra realidade:— Lívia, ficou surda? Não me ouviu pedir um café pra Evelina?Respirei fundo.Calma. Só mais três dias. Três dias e eu me livro dos dois.Mas, curiosamente, quem falou foi a própria Evelina, como se estivesse me defendendo:— Não fala assim com a Lívia, Dário. Vai ver ela só tá cansada... tem se desdobrado pra cuidar de você esses dias.O olhar dela caiu, sutil e provocativo, direto nas pernas do Dário.E ele odiava qualquer menção à sua condição. Ficou tenso na hora. Me encarou com raiva contida, a voz baixa, mas carregada de veneno:— Lívia, até quando esse drama? Cuidar de mim é o mínimo. Ou esqueceu que eu sou seu namorado?— Não por muito tempo. — Respondi, de forma seca.Foi a primeira vez que o enfrentei sem rodeios. Sem medo. Sem recuar.Dário ficou parado, sem reação. Acostumado com minha submissão, ele não entendeu o que estava acontecendo. Me lançou um olhar duro e mandou Evelina empurrá-lo pra fora.Assim que saíram

  • Sussurros na Névoa, Amores ao Vento   Capítulo 1

    Naquele instante, recebi um áudio da minha mãe. A voz dela vinha cheia de surpresa, mas também de alegria contida:— Lívia, você finalmente tomou juízo! Eu sempre disse que aquele Dário não era homem pra você! Espera só um pouquinho que eu já te mando o contato do rapaz do encontro às cegas.Respondi dizendo que voltaria pra casa em três dias.Assim que terminei a ligação, a maçaneta girou. E lá veio um dos protagonistas do vídeo: Dário, empurrando a cadeira de rodas.Quando me viu sentada no sofá, franziu a testa e me lançou aquele tom autoritário de sempre:— Não era pra ser minha comemoração? Por que tá aí parada?No lixo, descansava o bolo que eu mesma tinha feito, com tanto cuidado.Fiquei encarando o Dário. Depois, baixei o olhar pras pernas dele.Talvez por vergonha, ele desviou os olhos na hora, fugindo do meu olhar. Com a voz impaciente, como se fosse ele a vítima da situação, disse:— Esquece. Sabia que não dava pra contar com você mesmo. Nem esperava que fizesse algo decente

Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status