Depois que eu fui embora, só então Dário percebeu que algo estava errado.Uma angústia estranha tomou conta dele, apertando o peito, sufocando a respiração.Um pressentimento ruim. Muito ruim.Pisou fundo no acelerador até o carro tremer, voando de volta pra casa.Assim que chegou, escancarou a porta — e deu de cara com o vazio.Tudo meu… tinha sumido.Cada canto da casa tinha sido esvaziado da minha presença.Sobre a escrivaninha, a única foto que tínhamos juntos.Mas minha metade já tinha sido cuidadosamente cortada.Restava só ele, sorrindo pro nada, encarando um vazio onde antes estava eu.Com as mãos trêmulas, abriu a porta do quarto.Nada.Nenhum vestígio.Parecia que eu nunca tinha existido ali.A respiração dele ficou pesada, descompassada. Pegou o celular com mãos ainda trêmulas, destravou e abriu nossa conversa.Foi então que percebeu:Eu estava silenciada.Colocada em “não perturbe”.Na tela, só duas mensagens minhas:“Vamos terminar.”“Eu detesto traição e mentira.”Ao ler
— Olá, eu sou o Enrico Amaral. — Disse ele com um sorriso gentil.Esse nome, por que me soava tão familiar?Percebendo minha confusão, ele deu uma risadinha leve e comentou:— Já esqueceu? A gente brincava junto quando era criança.— Você é... aquele gordinho da casa ao lado?! — Olhei pra ele, chocada.Ele assentiu, sorrindo.Fiquei atônita. O homem à minha frente, elegante, bonito, de fala calma e segura… era o mesmo menino que vivia com o nariz escorrendo, correndo atrás de mim dizendo que ia me proteger?Espantei os pensamentos e voltei à conversa. Enrico era agradável, atencioso, e a conversa fluiu tão bem que nem vi o tempo passar.Na hora de ir embora, ele insistiu em me levar. No carro, rindo, soltou:— Você sabia que, quando era pequena, dizia que ia casar comigo?Sorri sem graça, desviando o olhar.Ele então parou o carro na frente do meu prédio, e antes de me despedir, me encarou com seriedade:— Lívia, eu gostava de você naquela época... e ainda gosto. Não precisa responder
Enrico partiu pra cima, e os socos caíam em Dário como chuva pesada.O olhar dele transbordava uma raiva que há muito tempo estava contida:— Quem te deu o direito de machucar a Lívia?! Ela sempre foi preciosa pra mim! E você só fez ela chorar?Levei a mão ao rosto. Só então percebi, meu rosto estava encharcado de lágrimas.Dário enfim reagiu e começou a revidar. Os dois se embolaram ali mesmo, numa briga sem trégua, cercados de curiosos.Corri pra separá-los com todas as forças que tinha. Puxei Enrico pra trás e lancei um olhar furioso pra Dário.Depois, peguei um lenço da bolsa e comecei a limpar, com cuidado, o rosto machucado do Enrico.Dário observava em silêncio, os olhos apagados, a voz embargada:— Lívia… por que você nem olha mais pra mim?Não respondi.Apenas continuei cuidando do Enrico.Ele me olhava com uma mistura de carinho, desejo contido… e medo de perder.Senti um leve arrepio na espinha.Fomos ao hospital. Mesmo com Enrico insistindo pra ir sozinho, fiz questão de ac
No dia em que Dário sofreu o acidente… era meu aniversário.Naquele momento, eu estava cercada pelas pessoas que me amavam — Enrico, meus pais, os pais dele.A mesa cheia, risadas, bolo, velinhas. Um calor que eu já nem lembrava mais como era sentir.Quando uma amiga me mandou mensagem contando o que havia acontecido com ele, só respondi:“Bem feito.”E então desliguei a tela do celular.Não olhei pra trás.O passado, deixei voar com o vento.Nem amor, nem ódio.Apenas nada.[Dário – Epílogo]Foi só depois do fim que entendi.Só depois que a Lívia foi embora, percebi o quanto ela já havia se afastado.Ela sabia.Sabia que minhas pernas estavam boas há muito tempo.Mas nunca me confrontou.Nunca me expôs.Apenas desistiu de mim em silêncio.E agora entendo aquele olhar dela, naquela manhã em que a Evelina me amarrou o cachecol no pescoço.Ela não chorou.Não reclamou.Só me olhou com uma calma estranha.Como quem já viu tudo.Ela sabia que eu tinha dado o cachecol que ela tricotou pra
Naquele instante, recebi um áudio da minha mãe. A voz dela vinha cheia de surpresa, mas também de alegria contida:— Lívia, você finalmente tomou juízo! Eu sempre disse que aquele Dário não era homem pra você! Espera só um pouquinho que eu já te mando o contato do rapaz do encontro às cegas.Respondi dizendo que voltaria pra casa em três dias.Assim que terminei a ligação, a maçaneta girou. E lá veio um dos protagonistas do vídeo: Dário, empurrando a cadeira de rodas.Quando me viu sentada no sofá, franziu a testa e me lançou aquele tom autoritário de sempre:— Não era pra ser minha comemoração? Por que tá aí parada?No lixo, descansava o bolo que eu mesma tinha feito, com tanto cuidado.Fiquei encarando o Dário. Depois, baixei o olhar pras pernas dele.Talvez por vergonha, ele desviou os olhos na hora, fugindo do meu olhar. Com a voz impaciente, como se fosse ele a vítima da situação, disse:— Esquece. Sabia que não dava pra contar com você mesmo. Nem esperava que fizesse algo decente
A voz impaciente do Dário me puxou de volta pra realidade:— Lívia, ficou surda? Não me ouviu pedir um café pra Evelina?Respirei fundo.Calma. Só mais três dias. Três dias e eu me livro dos dois.Mas, curiosamente, quem falou foi a própria Evelina, como se estivesse me defendendo:— Não fala assim com a Lívia, Dário. Vai ver ela só tá cansada... tem se desdobrado pra cuidar de você esses dias.O olhar dela caiu, sutil e provocativo, direto nas pernas do Dário.E ele odiava qualquer menção à sua condição. Ficou tenso na hora. Me encarou com raiva contida, a voz baixa, mas carregada de veneno:— Lívia, até quando esse drama? Cuidar de mim é o mínimo. Ou esqueceu que eu sou seu namorado?— Não por muito tempo. — Respondi, de forma seca.Foi a primeira vez que o enfrentei sem rodeios. Sem medo. Sem recuar.Dário ficou parado, sem reação. Acostumado com minha submissão, ele não entendeu o que estava acontecendo. Me lançou um olhar duro e mandou Evelina empurrá-lo pra fora.Assim que saíram
Dário me lançou um olhar carregado de raiva contida.Afinal, eu, que sempre fui submissa, hoje tinha desafiado seus limites uma, duas, três vezes — sem piscar.Mas eu já não me importava. Nem com ele, nem com o que ele pensava.No silêncio da casa, o toque do celular dele rompeu o ar.Nem precisava olhar pra saber: era Evelina.— Alô, Dário? Você tá em casa? Tem alguém batendo na minha porta sem parar… tô com medo…A voz dela, do outro lado da linha, soava manhosa, trêmula, perfeita na encenação.Dário franziu a testa, preocupado, como se o coração dele tivesse sido apertado.Disse que em dez minutos estaria lá e murmurou algumas palavras de consolo antes de desligar.Vendo meu olhar sobre ele, tentou disfarçar:— Uma funcionária da empresa tá com um problema em casa... vou lá ver o que tá acontecendo.Ele realmente achava que eu era surda? Que eu não tinha ouvido a conversa inteira?Mas eu nem quis discutir. Soltei um “ah” desinteressado e voltei a guardar minhas coisas.— Lívia, me l
No dia em que Dário sofreu o acidente… era meu aniversário.Naquele momento, eu estava cercada pelas pessoas que me amavam — Enrico, meus pais, os pais dele.A mesa cheia, risadas, bolo, velinhas. Um calor que eu já nem lembrava mais como era sentir.Quando uma amiga me mandou mensagem contando o que havia acontecido com ele, só respondi:“Bem feito.”E então desliguei a tela do celular.Não olhei pra trás.O passado, deixei voar com o vento.Nem amor, nem ódio.Apenas nada.[Dário – Epílogo]Foi só depois do fim que entendi.Só depois que a Lívia foi embora, percebi o quanto ela já havia se afastado.Ela sabia.Sabia que minhas pernas estavam boas há muito tempo.Mas nunca me confrontou.Nunca me expôs.Apenas desistiu de mim em silêncio.E agora entendo aquele olhar dela, naquela manhã em que a Evelina me amarrou o cachecol no pescoço.Ela não chorou.Não reclamou.Só me olhou com uma calma estranha.Como quem já viu tudo.Ela sabia que eu tinha dado o cachecol que ela tricotou pra
Enrico partiu pra cima, e os socos caíam em Dário como chuva pesada.O olhar dele transbordava uma raiva que há muito tempo estava contida:— Quem te deu o direito de machucar a Lívia?! Ela sempre foi preciosa pra mim! E você só fez ela chorar?Levei a mão ao rosto. Só então percebi, meu rosto estava encharcado de lágrimas.Dário enfim reagiu e começou a revidar. Os dois se embolaram ali mesmo, numa briga sem trégua, cercados de curiosos.Corri pra separá-los com todas as forças que tinha. Puxei Enrico pra trás e lancei um olhar furioso pra Dário.Depois, peguei um lenço da bolsa e comecei a limpar, com cuidado, o rosto machucado do Enrico.Dário observava em silêncio, os olhos apagados, a voz embargada:— Lívia… por que você nem olha mais pra mim?Não respondi.Apenas continuei cuidando do Enrico.Ele me olhava com uma mistura de carinho, desejo contido… e medo de perder.Senti um leve arrepio na espinha.Fomos ao hospital. Mesmo com Enrico insistindo pra ir sozinho, fiz questão de ac
— Olá, eu sou o Enrico Amaral. — Disse ele com um sorriso gentil.Esse nome, por que me soava tão familiar?Percebendo minha confusão, ele deu uma risadinha leve e comentou:— Já esqueceu? A gente brincava junto quando era criança.— Você é... aquele gordinho da casa ao lado?! — Olhei pra ele, chocada.Ele assentiu, sorrindo.Fiquei atônita. O homem à minha frente, elegante, bonito, de fala calma e segura… era o mesmo menino que vivia com o nariz escorrendo, correndo atrás de mim dizendo que ia me proteger?Espantei os pensamentos e voltei à conversa. Enrico era agradável, atencioso, e a conversa fluiu tão bem que nem vi o tempo passar.Na hora de ir embora, ele insistiu em me levar. No carro, rindo, soltou:— Você sabia que, quando era pequena, dizia que ia casar comigo?Sorri sem graça, desviando o olhar.Ele então parou o carro na frente do meu prédio, e antes de me despedir, me encarou com seriedade:— Lívia, eu gostava de você naquela época... e ainda gosto. Não precisa responder
Depois que eu fui embora, só então Dário percebeu que algo estava errado.Uma angústia estranha tomou conta dele, apertando o peito, sufocando a respiração.Um pressentimento ruim. Muito ruim.Pisou fundo no acelerador até o carro tremer, voando de volta pra casa.Assim que chegou, escancarou a porta — e deu de cara com o vazio.Tudo meu… tinha sumido.Cada canto da casa tinha sido esvaziado da minha presença.Sobre a escrivaninha, a única foto que tínhamos juntos.Mas minha metade já tinha sido cuidadosamente cortada.Restava só ele, sorrindo pro nada, encarando um vazio onde antes estava eu.Com as mãos trêmulas, abriu a porta do quarto.Nada.Nenhum vestígio.Parecia que eu nunca tinha existido ali.A respiração dele ficou pesada, descompassada. Pegou o celular com mãos ainda trêmulas, destravou e abriu nossa conversa.Foi então que percebeu:Eu estava silenciada.Colocada em “não perturbe”.Na tela, só duas mensagens minhas:“Vamos terminar.”“Eu detesto traição e mentira.”Ao ler
Fiquei surpresa. Era a primeira vez que Dário fazia café da manhã pra mim.Depois de me arrumar, fui até a sala de jantar. Ao olhar pra cozinha, vi Evelina lá dentro, ocupada, como se fosse a dona da casa.Movia-se com intimidade, mexendo nas panelas, arrumando os pratos, como se aquele lugar fosse dela.E eu?Eu parecia só mais uma visita.Logo ela saiu da cozinha, animada, e colocou os pratos na mesa com um sorriso exageradamente simpático:— Lívia, experimenta o que eu fiz!A voz dela trazia uma empolgação ensaiada, quase infantil.Se ao menos o olhar que ela lançou pra mim não estivesse cheio de veneno, talvez eu realmente comesse com gosto.Mas, com aquele olhar... não dava.Comi só umas colheradas, sem vontade.Dário percebeu meu desânimo e, numa tentativa meio desajeitada, sugeriu:— Que tal a gente sair pra comprar umas roupas novas pra você?Quase ri.Quatro anos juntos.Quatro anos nos quais ele nunca teve tempo pra me acompanhar numa loja.Sempre a mesma desculpa:“Não dá,
Dário me lançou um olhar carregado de raiva contida.Afinal, eu, que sempre fui submissa, hoje tinha desafiado seus limites uma, duas, três vezes — sem piscar.Mas eu já não me importava. Nem com ele, nem com o que ele pensava.No silêncio da casa, o toque do celular dele rompeu o ar.Nem precisava olhar pra saber: era Evelina.— Alô, Dário? Você tá em casa? Tem alguém batendo na minha porta sem parar… tô com medo…A voz dela, do outro lado da linha, soava manhosa, trêmula, perfeita na encenação.Dário franziu a testa, preocupado, como se o coração dele tivesse sido apertado.Disse que em dez minutos estaria lá e murmurou algumas palavras de consolo antes de desligar.Vendo meu olhar sobre ele, tentou disfarçar:— Uma funcionária da empresa tá com um problema em casa... vou lá ver o que tá acontecendo.Ele realmente achava que eu era surda? Que eu não tinha ouvido a conversa inteira?Mas eu nem quis discutir. Soltei um “ah” desinteressado e voltei a guardar minhas coisas.— Lívia, me l
A voz impaciente do Dário me puxou de volta pra realidade:— Lívia, ficou surda? Não me ouviu pedir um café pra Evelina?Respirei fundo.Calma. Só mais três dias. Três dias e eu me livro dos dois.Mas, curiosamente, quem falou foi a própria Evelina, como se estivesse me defendendo:— Não fala assim com a Lívia, Dário. Vai ver ela só tá cansada... tem se desdobrado pra cuidar de você esses dias.O olhar dela caiu, sutil e provocativo, direto nas pernas do Dário.E ele odiava qualquer menção à sua condição. Ficou tenso na hora. Me encarou com raiva contida, a voz baixa, mas carregada de veneno:— Lívia, até quando esse drama? Cuidar de mim é o mínimo. Ou esqueceu que eu sou seu namorado?— Não por muito tempo. — Respondi, de forma seca.Foi a primeira vez que o enfrentei sem rodeios. Sem medo. Sem recuar.Dário ficou parado, sem reação. Acostumado com minha submissão, ele não entendeu o que estava acontecendo. Me lançou um olhar duro e mandou Evelina empurrá-lo pra fora.Assim que saíram
Naquele instante, recebi um áudio da minha mãe. A voz dela vinha cheia de surpresa, mas também de alegria contida:— Lívia, você finalmente tomou juízo! Eu sempre disse que aquele Dário não era homem pra você! Espera só um pouquinho que eu já te mando o contato do rapaz do encontro às cegas.Respondi dizendo que voltaria pra casa em três dias.Assim que terminei a ligação, a maçaneta girou. E lá veio um dos protagonistas do vídeo: Dário, empurrando a cadeira de rodas.Quando me viu sentada no sofá, franziu a testa e me lançou aquele tom autoritário de sempre:— Não era pra ser minha comemoração? Por que tá aí parada?No lixo, descansava o bolo que eu mesma tinha feito, com tanto cuidado.Fiquei encarando o Dário. Depois, baixei o olhar pras pernas dele.Talvez por vergonha, ele desviou os olhos na hora, fugindo do meu olhar. Com a voz impaciente, como se fosse ele a vítima da situação, disse:— Esquece. Sabia que não dava pra contar com você mesmo. Nem esperava que fizesse algo decente