Se eu não tivesse acabado de testemunhar o lado severo e imponente de Jean, jamais associaria aquele homem, que agora exibia um semblante calmo e acolhedor, ao mesmo presidente autoritário de instantes atrás.— Sr. Jean, não precisa ser tão formal. Quem está interrompendo o seu trabalho sou eu. — Respondi automaticamente, voltando a usar um tom respeitoso. Era impossível não perceber o abismo que nos separava.Leonardo entrou no escritório junto comigo e, com uma agilidade impressionante, começou a recolher os documentos espalhados pela mesa, organizando-os com precisão. Em seguida, fez uma leve reverência e saiu, deixando-nos a sós. Fingi não notar nada, mantendo os olhos fixos em Jean.— A Srta. Kiara já finalizou o design do meu traje? — Perguntou ele, quebrando o silêncio e trazendo-me de volta de meus devaneios.Fiquei momentaneamente atordoada. Aquela pergunta simples travou em minha garganta, incapaz de sair.Jean percebeu minha hesitação, mas manteve seu tom paciente e gentil:
Na noite anterior, depois de tomar a decisão, fiquei acordada planejando todos os detalhes. Para demonstrar minha sinceridade, decidi oferecer minha empresa como garantia. No entanto, assim que entreguei os documentos para Jean, ele nem sequer olhou. Com um gesto simples, devolveu-os:— Não precisa disso. Eu te empresto o dinheiro sem garantia, sem contrato e sem necessidade de cartório. Você paga quando puder.Fiquei boquiaberta, os olhos arregalados de pura incredulidade. Depois de alguns segundos, consegui perguntar:— Você confia tanto assim em mim? E se eu… não pagar?Ele sorriu com elegância, um sorriso que trazia um misto de humor e confiança absoluta:— Ainda não conheci alguém que tenha coragem de me dar calote. A Srta. Kiara quer inaugurar essa façanha?Fiquei paralisada, e depois de um instante, a ficha caiu. Como pude esquecer? Ele era Jean! Quem ousaria não pagar uma dívida com ele? Seria o mesmo que assinar uma sentença de exílio em Cidade Saurimo.— Não, não! Eu jamais f
Lembrei-me de algo que Davi tinha comentado alguns dias atrás: ele não tinha cento milhões. Isso me deu uma pontinha de esperança. Se eles realmente não tivessem dinheiro suficiente, minhas chances de vencer esse leilão ainda eram grandes.A sessão começou rapidamente.Essa casa de leilões era uma das mais renomadas do mundo, conhecida por organizar eventos beneficentes que atraíam bilionários de todos os cantos, tanto do país quanto do exterior. Meu olhar vagou pela sala e reconheci algumas faces familiares empresários influentes de Cidade Saurimo.As peças que abriram o evento já eram impressionantes: pinturas raras, porcelanas antigas… O item mais barato foi arrematado por uma quantia superior a alguns milhões. Os lances fluíam como água. Para a maioria ali, gastar pequenas fortunas parecia tão simples quanto comprar um café.Enquanto observava a cena, senti uma pontada de preocupação. E se o preço do Bracelete de Jade disparasse? Será que conseguiria competir?Davi e Clara estavam
Depois de ouvir a apresentação do leiloeiro, tive ainda mais certeza: aquele era o Bracelete de Jade da minha mãe. A peça tinha saído da cena de antiguidades de Cidade Saurimo e, no início, fora subestimada em seu valor. Só quando caiu nas mãos de um especialista foi devidamente reconhecida, o que a trouxe até este leilão.— Este bracelete começa com um lance inicial de vinte milhões. — Anunciou o leiloeiro.Assim que ele terminou de falar, um participante levantou a placa:— Vinte e cinco milhões.— Trinta milhões.— Trinta e dois milhões.Eu estava calma, observando de longe. Sabia que o momento certo para agir ainda não tinha chegado.Mas, para minha surpresa, Clara ergueu a placa de repente:— Cinquenta milhões!O salão ficou em alvoroço por um instante. Alguns olhares curiosos se voltaram para ela e Davi. Meu coração disparou. Estava claro que a vadia tinha decidido jogar pesado.— Cinquenta milhões pela primeira vez, pela segunda, pela… — O leiloeiro continuava.Mas antes que el
Eu usei todas as minhas forças para segurar as lágrimas. Não podia deixar que elas caíssem. A dor mais profunda vem sempre de quem já foi o mais amado. O desespero e o ódio tomaram conta do meu peito, e minhas mãos tremiam de raiva.Depois de alguns segundos, soltei um suspiro, resignada. Virei-me para Davi e perguntei com um sorriso calmo:— Se eu aumentar o lance, você vai continuar me superando, não vai?Os olhos dele brilharam com algo que parecia dor, e, em um tom baixo, ele murmurou:— Kiara, para com isso.Ignorei completamente. Continuei olhando para ele, com um sorriso nos lábios, e levantei minha placa:— Cento e cinquenta milhões!Se fosse para ser ridicularizada, que fosse em grande estilo. Se eu precisasse vender minha empresa, pagar multas exorbitantes e acabar na miséria para recomeçar do zero, tudo bem. Mas, e se eu ganhasse? Não seria a melhor forma de fazê-lo sangrar financeiramente e sentir um pouco da dor que ele me causou?— Kiara! — Davi finalmente perdeu a calma
Jean, lá de cima, olhou para mim e fez um leve aceno de cabeça. Um simples gesto, mas foi como se me lançasse uma corda enquanto eu afundava em um abismo. Em questão de segundos, o desespero deu lugar a uma onda de alívio e felicidade. Senti um calor intenso no peito, e, com um sorriso discreto, retribuí o gesto à distância.Por mais que o Bracelete de Jade não estivesse mais ao meu alcance, vê-lo nas mãos de Jean era, sem dúvida, o melhor desfecho possível.— Trezentos milhões! Alguém mais? — Insistiu o leiloeiro, a voz quase falhando de tanta empolgação. — Trezentos milhões pela primeira vez, pela segunda vez, pela terceira vez! Vendido! O novo proprietário do bracelete de jade branco é o Sr. Jean!Um aplauso estrondoso tomou conta do salão. Era como se todos quisessem demonstrar admiração pelo lance histórico. Os olhos se voltaram para o segundo andar, onde Jean permanecia sentado, impassível, com a aura de alguém que já estava acostumado a ser reverenciado. Ele parecia um imperador
Eu não ousava imaginar como essa situação se desenrolaria, nem os rumores que surgiriam. Não sabia se isso seria uma bênção ou uma maldição para mim. Mas, naquele momento, eu havia recuperado toda a minha dignidade e dado um tapa na cara de Davi e Clara. Por Jean, nesse instante, eu até morreria, sem arrependimentos.— Kiara, quando você conheceu o Sr. Jean? — Clara já não conseguia mais manter ares de superioridade e, com os olhos arregalados, perguntou diretamente o que martelava em sua mente.Segurei a caixa de joias com cuidado, olhei para ela e dei um sorriso provocador:— O que isso te interessa?— Você...Sem paciência para prolongar aquela cena, já tendo conseguido o que queria, decidi ir embora.Clara, que claramente havia perdido a disputa, virou-se para Davi e começou a despejar sua frustração:— Vamos embora! Ficar aqui pra quê? Não tem mais nada que eu queira!Davi, por sua vez, parecia atordoado, como se tivesse levado um golpe que ainda não conseguia processar.Sem me im
Davi me lançou um olhar de puro ódio antes de sair correndo com Clara nos braços, sem dizer uma única palavra.Fiquei parada no lugar, confusa. O que significava aquele olhar? Ele parecia me odiar profundamente. Será que ele ainda me culpava por eu não ter deixado ele gastar os duzentos milhões?Quanto a Clara, nunca soube o que aconteceu com ela depois disso.Com o Bracelete de Jade da minha mãe finalmente em mãos, voltei para Cidade Saurimo com o coração leve. No mesmo dia, fui ao cemitério visitá-la. Queria contar a ela a boa notícia.Já era noite quando, sozinha em casa, finalmente pude me acalmar. Olhei para o bracelete e, de repente, uma preocupação começou a me consumir. Como eu poderia retribuir uma dívida tão imensa quanto os trezentos milhões que Jean havia gasto?Decidi que no dia seguinte procuraria Jean para conversar. Não importava o que fosse preciso, eu tinha que pagar essa dívida. Do contrário, jamais teria paz. Mas, para minha surpresa, antes mesmo que eu pudesse ir a
Eu balancei a cabeça em concordância:— Isso é certo! Com seu sucesso e suas conquistas, com certeza os líderes da universidade vão te acompanhar pessoalmente.Ele sorriu, humilde:— Lidar com isso também é cansativo. Preferiria algo mais tranquilo.Eu não resisti e brinquei:— Esse é o tipo de problema que só os bem-sucedidos têm. Para nós, pessoas comuns, basta sentar entre os espectadores e aproveitar.Jean ficou visivelmente sem graça com o elogio. Ele abaixou a cabeça e sorriu de leve, mas logo mudou de assunto:— No dia da celebração, podemos ir juntos para a universidade.— O quê? Eu estava pensando em ir de metrô. Você vai mesmo comigo?Eu imaginei como seria o centenário da universidade: certamente um evento grandioso, com a área ao redor completamente congestionada. Sabendo disso, a escola provavelmente não permitiria a entrada de tantos carros, o que tornava o metrô a opção mais prática.Jean arqueou uma sobrancelha, com um leve tom de provocação.— Você vai toda arrumada e
O silêncio tomou conta do carro. Minhas mãos, que antes estavam segurando o casaco, caíram devagar. As abas abertas do casaco também se soltaram, deixando meu corpo mais exposto.Talvez por causa do assunto anterior, minha atenção ficou presa em algo que não deveria: o cinto de segurança que passava bem no meio do meu peito, fazendo com que ele parecesse ainda mais… evidente.Eu queria puxar o casaco e me cobrir novamente, mas não tinha coragem de fazer esse movimento. No meio desse silêncio desconfortável, arrisquei lançar um olhar de canto para Jean.Ele estava encostado na porta do carro, com o cotovelo apoiado na janela, segurando levemente o queixo com a mão. Conforme os postes de luz passavam, as sombras brincavam no rosto dele, criando um contraste que destacava ainda mais seus traços marcantes.Meus olhos pararam em seu pescoço, onde o pomo de Adão se movia levemente para cima e para baixo. Era um detalhe simples, mas que me pareceu incrivelmente atraente, quase hipnotizante. E
Por esse motivo, fui “recusada”. Disseram, de forma muito educada, que eu seria mais adequada como modelo de lingerie e sugeriram que eu considerasse essa possibilidade. Apesar de gostar de ganhar dinheiro, eu ainda tinha meu orgulho e não estava desesperada a ponto de usar meu corpo para subir na vida.Além disso, toda vez que eu fazia desfiles, sempre apareciam alguns homens inconvenientes me importunando. Quando Davi descobriu, ele foi categórico: proibiu-me de continuar.Hoje, tantos anos depois, ao pensar nisso, percebo como era bom ser jovem. Apesar de toda a correria, ainda havia entusiasmo e energia. Agora… mesmo sendo dona do meu próprio negócio, vivo tão exausta quanto um cachorro.Momentos como o de hoje, em que me reúno com amigos, saboreio boa comida, bom vinho e desfruto de uma leveza descontraída, tornaram-se um verdadeiro luxo.Enquanto eu refletia, perdida em memórias e nostalgia, Jean permaneceu cismado com o que eu havia dito. Ele franziu levemente a testa, visivelme
Mas eu sabia que Amélia não estava dormindo. Na verdade, ela provavelmente estava de ouvidos atentos, escutando tudo.Entre mim e Jean, o silêncio se instalou por algum tempo. A atmosfera na cabine do carro ficou cada vez mais tensa e desconfortável.Eu comecei a sentir calor. Não sabia se era porque estava nervosa demais ou se o vinho finalmente estava fazendo efeito. Depois de um bom tempo tentando me controlar, senti um leve suor se formando nas costas e não aguentei mais ficar calada:— Está ligado o ar-condicionado? Está um pouco quente…O motorista de Jean, um rapaz jovem que eu já tinha visto algumas vezes, respondeu rapidamente. Ele tinha a pele bronzeada, era alto, com uma postura impecável que denunciava seu passado provavelmente era um ex-militar, agora trabalhando como motorista e segurança.Ele olhou rapidamente pelo retrovisor, claramente surpreso com a pergunta, e respondeu:— Srta. Kiara, a temperatura está em 22°C.Era a temperatura mais confortável para o corpo humano
— Então você senta no meio. Daqui a pouco eu vou descer, é melhor ficar perto da porta. — Dei um giro rápido e empurrei Amélia para a minha frente.Mas Amélia, ágil como sempre, torceu o corpo e voltou para trás de mim:— Eu não vou sentar perto do meu irmão! Ele vai começar a me dar sermão! Prefiro ficar no canto, quietinha.O carro já estava parado na beira da rua havia alguns minutos, e nós continuávamos nesse vai e vem, empurrando e puxando. Era uma cena completamente desnecessária. Por fim, não tive escolha a não ser ceder. Subi no carro e me sentei no meio.O aroma de Jean imediatamente tomou conta do meu espaço. Era uma mistura fresca, intensa e ao mesmo tempo sofisticada. Sem perceber, engoli em seco. O lado do meu corpo que estava encostado nele parecia diferente, como se tivesse ganhado vida própria.— Bela, estamos indo. Obrigada por hoje à noite! — Amélia foi a última a entrar no carro e se despediu de Bela.— Tudo bem, tchau! — Bela acenou para nós enquanto o carro arranca
Nós três dividimos uma garrafa de vinho. Ninguém ficou bêbado, mas o clima estava descontraído e agradável. Quando o jantar já estava quase no fim, eu mandei uma mensagem para Jean pelo Line.Ele respondeu:[Chego em mais ou menos meia hora.]Fizemos as contas e, calculando o tempo, resolvemos nos levantar e sair quando imaginamos que ele já estaria próximo. Bela insistiu em nos acompanhar até a saída. Quando chegamos à porta do restaurante, o carro de Jean chegou exatamente naquele momento.Bela, parada ao meu lado, inclinou-se discretamente para cochichar:— Vai, confessa. Desde quando vocês dois estão juntos, hein?Fingi que não entendi:— Do que você está falando? Você deve estar bêbada.— Não se faça de desentendida!— Não tem nada disso! Você está confundindo as coisas... — Respondi, tentando parecer séria, e complementei. — Não se esqueça de que eu nem me divorciei ainda. Como seria possível? Além disso, mesmo que eu estivesse divorciada, sou uma mulher divorciada, com um pai qu
— Ah, eu não posso beber, mas vocês duas podem. — Amélia disse com um sorriso.— Como assim? Não tem graça se não forem as três juntas! — Eu estava de bom humor e não resisti a insistir. — Bebe só um pouquinho, não vai ter problema.— De jeito nenhum! Só se você pedir autorização ao meu irmão. — Amélia fez um biquinho e jogou a responsabilidade para cima de mim.Eu fiquei surpresa:— Eu? Falar com o seu irmão? Não seria melhor você mesma ligar e resolver isso?— Nem pensar! Se eu pedir, ele vai dizer não. — Amélia empurrou meu braço, fazendo um gesto manhoso. — Kiara, eu também quero beber um pouquinho... Vai, fala com ele por mim!— Isso... — Eu fiquei visivelmente desconfortável.Mas Bela, é claro, decidiu se juntar ao time de Amélia:— Liga para o Sr. Jean, fala que estamos no Bom Sabor. Não tem problema nenhum! Assim que terminarmos o jantar, eu mando alguém levar Amélia em casa com toda a segurança.Eu olhei para as duas com um rosto cheio de preocupação, mas Amélia já tinha pegad
Assim que terminei de falar, houve um instante de silêncio do outro lado da linha. Logo em seguida, ouvi a voz de tia Camila, cheia de empolgação e esperança:— Kiara, você está falando sério?— Claro que estou. Ficar com essas ações só me traz dor de cabeça. Todo mundo vem me importunar. Melhor vender logo, garantir o dinheiro no bolso e me livrar disso.Usei um tom levemente sarcástico, mas tia Camila ignorou completamente a provocação. Ela riu e foi direto ao ponto:— E por quanto você venderia para mim?Pensei por um momento antes de responder:— Eu já fiz as contas… Todas as minhas ações valem cerca de oitenta milhões. Mas, como você é da família, faço por sessenta milhões.— Sessenta milhões? Isso é muito dinheiro! Eu não tenho como levantar tudo isso de uma vez. Não dá para diminuir um pouco? Somos da mesma família, afinal… — Tia Camila começou a tentar barganhar, aproveitando-se da relação familiar.Eu, no entanto, conhecia bem as finanças da família. Eles tinham condições de c
Eu achava que, depois de Isabela passar vergonha na minha frente, o assunto estava encerrado. Mas não. Ela não aceitou o golpe e resolveu trazer reforços.No dia seguinte, um sábado, eu já tinha combinado um encontro com Bela e Amélia no restaurante Bom Sabor. Bela tinha insistido em nos convidar.Passei o dia trabalhando no estúdio e, ao fim da tarde, fui direto para o restaurante. Assim que cheguei e as vi, mal cumprimentei as duas, meu celular começou a tocar.Olhei para a tela: era tia Camila.— Bela, Amélia, conversem aí. Eu preciso atender.— Você não para um segundo, hein? — Bela comentou com um tom de brincadeira.Eu sorri, um pouco sem graça, e saí do reservado para atender a ligação:— Alô, tia Camila, tudo bem? Aconteceu alguma coisa?Do outro lado da linha, tia Camila respondeu com uma voz mansa e simpática:— Kiara, como você está? Tudo bem por aí?Assim que ouvi aquele tom, já percebi que vinha coisa. Sorri levemente e fui direta:— Tia Camila, estou no meio de um comprom