— Alô, Kiara... A voz baixa e suave de Jean soou do outro lado da linha, com um tom tão acolhedor que parecia aquelas locuções claras e tranquilas da época de escola, capazes de aquecer o coração e afastar qualquer frio.Eu segurava o celular, mas minha mente deu um branco completo. Quando tentei falar, as palavras simplesmente travaram, e tudo o que consegui dizer foi:— Então... você já comeu?Do outro lado, ouvi um riso contido:— Já comi. E você?— Eu? — A pergunta dele me pegou de surpresa e, de repente, minha mente voltou ao normal. — Você não sabe se eu comi ou não?— Como assim? Eu deveria saber? — Jean perguntou, visivelmente confuso.Eu fiquei paralisada por um momento até perceber a verdade: O Pablo não tinha ligado para ele! Meu plano mental estava todo errado.Coloquei a mão na testa, suspirei e soltei um gemido de frustração:— Eu pensei demais... Fui vítima de uma armadilha do Mestre Pablo.— Que armadilha? — Jean parecia ainda mais perdido. — O que o Pablo tem a ver co
Compatibilidade de ideias.Aquela frase soava estranha, como se ele estivesse com ciúmes. Percebi que havia algo diferente no tom, mas, por sorte, estávamos conversando pelo celular, o que me permitia esconder minha expressão.Depois de alguns segundos de silêncio desconfortável, eu pigarreei e tentei mudar de assunto:— Então… já está tarde. Eu preciso dirigir de volta para casa. Não esqueça de agradecer ao Mestre Pablo por mim.Assim que terminei de falar, me preparei para encerrar a chamada. No entanto, Jean me interrompeu:— Kiara.Meu corpo ficou tenso, e levei o celular de volta ao ouvido:— Sim?— Você acabou de elogiar outro homem na minha frente. Eu fico com ciúmes, sabia? Não se esqueça de que fui eu quem deixou claro os meus sentimentos primeiro. Quero que você seja justa, imparcial... e equilibrada. Caso contrário…A voz baixa e envolvente de Jean, com aquele tom calmo e hipnotizante, parecia ter um poder quase mágico. Ela invadia meus ouvidos e seguia direto para o coração
— Que nada. — Fiquei surpresa com a pergunta e, por reflexo, neguei imediatamente.Mas Bela me conhecia há muitos anos. Assim que viu minha reação, começou a rir de forma ainda mais maliciosa.— Fala a verdade... Você tá vivendo um segundo romance depois do divórcio com o Davi, né?Mordi os lábios, sem responder, mas senti meu rosto começar a esquentar. Não sabia se era por causa do calor da lareira ou pela vergonha que estava sentindo.— Ah, vai, conta logo! — Bela insistiu, se inclinando para mais perto. — Aqui somos só nós duas, ninguém mais. É com o Sr. Jean, não é? Eu já vi vocês juntos algumas vezes. Sempre achei que ele te olhava de um jeito diferente. Vocês devem estar rolando alguma coisa.Bela era terrivelmente curiosa. Cheguei a vir até o camping, enfrentando a neve, justamente porque precisava desabafar. Meu coração estava uma bagunça, cheio de sentimentos confusos e sufocantes que eu não conseguia mais conter.Com toda a insistência dela, não demorei a ceder. Ainda nem tin
— E aí? Você recusou, e qual foi a reação dele? Deve ter ficado super sem graça, né?Eu balancei a cabeça e resolvi contar o que aconteceu com mais detalhes:— Foi assim... Hoje, na hora do almoço, eu estava no Condomínio Florensa comendo. Ah, e adivinha só? A Lotus, sua chef, foi até lá preparar a comida.Bela arregalou os olhos, surpresa:— Ele já faz tudo isso por você, e mesmo assim você recusou o cara?Eu ignorei o comentário e continuei:— Durante o almoço, a dona Auth também deu umas indiretas sobre o assunto. Na hora, fui bem clara: disse que, por enquanto, não estou pensando em me envolver com ninguém, muito menos casar. Só quero focar no trabalho.Bela concordou, compreensiva:— É, faz sentido. Você acabou de sair de um casamento. Não pegaria bem começar um relacionamento agora. As pessoas poderiam até pensar que você já tinha outro homem na jogada.Eu sorri de leve, porque Bela sempre me entendia. Era bom ter alguém que realmente me compreendesse.— Pois é! Foi exatamente o
Com a celebração do aniversário da escola se aproximando, eu havia levado no dia anterior todas as roupas que as modelos usariam durante o desfile. Depois, dirigi até o aeroporto para buscar minha colega de faculdade, Nina. O que eu não esperava era encontrar Jean por lá!Quando o vi saindo elegantemente pelo portão de desembarque, impecável como sempre, meu olhar ficou preso nele. Algumas jovens que estavam por perto também não conseguiram disfarçar, lançando olhares cheios de admiração. Eu mesma não conseguia parar de olhar.Cheguei até a piscar algumas vezes, achando que minha visão estava me pregando uma peça. Mas não estava. Jean também me viu. No início, ele parecia surpreso, mas logo seu semblante sério e imponente suavizou, como uma brisa de primavera.Leonardo, que vinha logo atrás empurrando uma mala, foi o primeiro a falar quando se aproximaram:— Srta. Kiara, que coincidência! A senhora veio ao aeroporto sabendo que o Sr. Jean estava voltando de viagem? Veio buscá-lo?Minha
— Sua colega demora quanto tempo pra chegar? — Jean perguntou, com o tom sempre calmo.Eu peguei o celular para conferir o horário e respondi:— Uns trinta minutos, mais ou menos.Assim que ouviu isso, Jean, sem hesitar, tirou o sobretudo preto que estava sobre seus ombros e o colocou em mim.— A temperatura está abaixo de zero hoje. Vocês mulheres realmente aguentam o frio só para ficarem bonitas.— Não precisa, não precisa! — Fiquei surpresa com o gesto e tentei recusar, balançando as mãos. — Não estou com frio, e se você me der sua roupa, vai acabar pegando um resfriado quando sair.— Meu carro está logo ali fora. É só eu sair daqui e entrar no carro. Você é quem vai ficar aqui esperando por meia hora. Não quero que congele.Jean, teimoso como sempre, não me deu chance de recusar. Ele colocou o casaco em mim de qualquer jeito e, para garantir que eu não tirasse, cruzou as mangas na minha frente e as amarrou.— Pronto, agora está quentinha. — Ele avaliou, satisfeito, enquanto olhava
Eu perguntei, curiosa:— Está pensando em mudar de emprego?— Acho que já cheguei no limite onde estou. Quero um ambiente novo, um desafio diferente.— Entendo. Você ficar tantos anos na mesma empresa já é algo raro hoje em dia.Levei Nina para jantar no Bom Sabor. Durante a refeição, acabamos conversando sobre tudo o que tinha acontecido comigo nos últimos meses.Enquanto eu contava, Nina franziu a testa várias vezes. Sua expressão mudava a cada detalhe, como se não acreditasse no que ouvia:— O Davi? Aquele Davi? Não acredito que ele é esse tipo de pessoa! Sempre achei vocês dois o casal perfeito na faculdade, sabe? O par ideal, todo mundo comentava!As palavras de Nina me fizeram lembrar de como as coisas eram antigamente. Por um momento, fui transportada de volta àqueles tempos.— E agora que vocês se divorciaram, quais são seus planos? Aposto que já tem homem atrás de você. Aliás, essa capa de prova tá aqui. — Nina apontou com o queixo para o sobretudo masculino que eu havia deixa
Eu não disse nada. Talvez Nina tivesse razão. Também achava que entre o Davi e a Clara não poderia haver algo tão inocente assim.Mas, para ser honesta, isso já não me importava mais.— Vamos comer, senão a comida esfria.Não queria continuar falando sobre o Davi, então mudei de assunto.Nina pegou os talheres e começou a comer, mas nem tivemos tempo de dar mais do que algumas garfadas quando duas pessoas passaram ao nosso lado. Uma voz exageradamente afetada exclamou:— Nossa! Não é a Srta. Kiara? E olha só, Nina! Você também voltou pra Saurimo? Parece que todo mundo resolveu aparecer para o evento da escola.Eu e Nina nos viramos ao mesmo tempo para ver quem era. Diante de nós estava uma jovem com um visual extravagante, coberta de joias e maquiagem impecável. Por um momento, nós duas ficamos sem reação.Depois de alguns segundos, finalmente reconheci quem era. Um tanto incerta, perguntei:— Emilia Serra?Nina, no entanto, foi mais direta e respondeu com naturalidade:— O que você fe
No segundo seguinte, porém, o olhar da Sra. Serra se voltou para mim. Com uma expressão nada amigável, ela disse:— Essa Srta. Kiara é amiga do Mestre Jean? Uma garota dessas, de família tão insignificante e sem muita educação, está a anos-luz da família Auth. Mestre Auth sempre foi conhecido por…— Sra. Serra, Kiara é minha namorada. E, como ela não tem nenhum vínculo com a senhora, não cabe a você dar lições a ela. — Jean interrompeu, mantendo o tom calmo, mas com firmeza suficiente para cortar as palavras dela.Levantei as sobrancelhas, surpresa. Nunca imaginei que ele seria tão direto, chegando a interromper uma pessoa mais velha.O rosto da Sra. Serra ficou imediatamente sombrio.— Jean, minha mãe só está tentando ajudar. Você viu o quão arrogante Kiara é? Ela chutou minha perna e me deixou com um hematoma! — Emilia tentou defender a mãe, levantando a saia para mostrar o machucado na perna.Eu estava prestes a explicar, mas Jean foi mais rápido:— Kiara não machucaria alguém sem m
Eu ainda estava na concessionária quando o celular tocou. Era Tatiana.— Kiara, a Sra. Isabela está aqui procurando por você.Respondi, sem me abalar:— Não se preocupe com ela. Diga que eu tenho compromissos hoje, não vou voltar para a empresa, e peça para ela ir embora.— Mas ela se recusa a sair. Está sentada no seu escritório. Posso pedir para os seguranças tirarem ela de lá?— Não precisa, deixe ela sentada lá.Sabia que, se Isabela causasse confusão, até os seguranças poderiam não dar conta da situação, e isso acabaria prejudicando a operação normal da empresa.— Tudo bem... — Tatiana suspirou e desligou.Não dei muita importância ao assunto. Isabela só sabia aparecer para pedir dinheiro, nada mais. E eu estava decidida: não daria um centavo. Se cedesse uma vez, seria um ciclo sem fim.Guardei o celular no bolso e me virei para voltar ao salão de exibição. Mas, ao levantar o olhar, dei de cara com uma figura familiar. Não, mais do que familiar: uma inimiga.Emilia vinha andando,
— Não precisa se apressar com a transferência da casa. Vamos falar sobre a situação da Tânia. Você disse no tribunal que, se ela te pedisse desculpas, aceitaria um acordo extrajudicial. Isso ainda vale? — Davi perguntou, direto.Eu franzi as sobrancelhas e o encarei:— Você está nesse estado, saindo no frio dessa noite, só para perguntar isso?— E por que não? Você bloqueou meu número e, mesmo depois de trocar o seu, continua ignorando minhas ligações. — Ele rebateu, com um tom de leve acusação e sarcasmo. — Parece até que atender minhas chamadas é uma sentença de morte para você.Fiquei surpresa. Agora que ele mencionou, lembrei que, de fato, tinha recebido duas ligações de números desconhecidos durante o dia e as rejeitei automaticamente.— Ainda vale? — Ele repetiu a pergunta, insistente.Eu respirei fundo. Para ser sincera, não queria que valesse. A atitude de Tânia no tribunal tinha me irritado profundamente.Mas, com Carlos prestes a sair da prisão e sem saber que tipo de problem
Eu fiquei sem palavras. Ainda bem que ele não fez isso, porque, se tivesse feito, eu nunca mais teria cara para encarar Lucas na empresa. A menos que eu trocasse de gerente imediatamente.Pensando nisso, murmurei arrependida:— Se eu soubesse, nem teria te contado. Você não ia me encontrar por acaso, e nem sequer saberia...— O que você disse?— Eu disse que finalmente descobri um defeito seu: ciumento e infantil! — Virei-me para ele, articulando cada palavra de propósito, só para provocá-lo.Mas, em vez de se irritar, ele riu e respondeu com naturalidade:— Tenho muitos defeitos. Com o tempo, você vai descobrindo todos.— Então, por que você não me conta logo? Assim, eu evito te irritar.— Prefiro não.Nossos comentários eram tão infantis que, no final, nem nós mesmos conseguimos levar a conversa a sério.— Chega disso. Vou te levar para casa. Amanhã de manhã, vamos direto ver o carro, e depois te deixo no trabalho. — Jean mudou de assunto, enquanto já organizava minha agenda do dia s
Mas era um sorriso de felicidade.— Tudo bem, se você insiste em vir, não tem como eu te impedir. — Respondi, resignada. Depois de desligar o telefone, voltei para a mesa. Lucas já tinha começado a comer. — Come logo, os ingredientes aqui são bem frescos, está uma delícia. — Assim que me sentei, ele colocou um taco com pimenta no meu prato. Eu rapidamente recusei: — Obrigada, mas pode comer você. Eu me sirvo sozinha. Ele apenas sorriu, como se não tivesse escutado o que eu disse, e continuou colocando comida no meu prato. Naquele momento, lembrei das palavras de Tatiana, que havia comentado que Lucas parecia ter interesse em mim. De repente, achei que a ideia de Jean vir me buscar fazia muito sentido. Pelo menos ficaria claro para Lucas que eu já tinha namorado e que ele não deveria investir mais energia nisso. Terminamos o jantar por volta das nove da noite. Eu estava pensando se Jean já teria terminado seus compromissos, quando o telefone tocou. Era ele, dizendo que já
— Só consegui fazer um reparo provisório. Amanhã você deve levar o carro na concessionária para trocarem a fiação. Assim, evita que o problema volte e te deixe na mão de novo. — Lucas explicou.Eu fiquei muito agradecida e agradeci várias vezes. Como as mãos dele estavam sujas, fui até o carro e peguei uma garrafa d’água para ajudá-lo a lavar as mãos.Depois que Lucas terminou de lavar e secar as mãos, ele olhou para mim e comentou:— Está frio hoje. Me fez lembrar da última vez que a Srta. Kiara me convidou para comer comida mexicana.O recado era claro. Ele queria repetir o convite. Não tive como ignorar e respondi com um sorriso:— Então, que tal eu convidar o Sr. Lucas para jantar comida mexicana hoje? Assim aproveito para agradecer a ajuda com o carro.Se não fosse por Lucas, eu provavelmente teria que esperar no frio por uma ou duas horas até o pessoal da concessionária chegar para fazer o reparo.Lucas riu, satisfeito:— Combinado. E não me ache cara de pau, viu, Srta. Kiara?Co
Eu sabia que minha tia era extremamente supersticiosa. Ela vivia consultando diferentes médiuns e curandeiros, então usei essa frase de propósito, só para assustá-la. Afinal, eu não acreditava nessa bobagem, e não tinha medo de que ela usasse isso contra mim. Como esperado, assim que falei, Camila ficou tão irritada que começou a gaguejar: — Kiara, você... você realmente é... — Ela respirou fundo antes de continuar. — Não é à toa que a Isabela diz que você não tem laços familiares e tem um coração tão cruel quanto o de uma serpente. — Hum, então ótimo. Já que vocês têm corações tão bondosos, cuidem dele bem direitinho. Considerem isso como uma forma de acumular boas ações. Eu segui o raciocínio dela sem me importar, jogando suas palavras de volta. Isso a deixou sem reação por completo. Desliguei o telefone. O advogado, que ainda estava no meu escritório, acabou ouvindo parte da conversa, e, mesmo sendo um estranho, parecia cheio de pena de mim. — Srta. Kiara, parece que ma
— Ouvi dizer que a família dele é muito bem de vida. Eles não se importam com o fato de você já ter sido casada? — Camila perguntou, em tom provocador.Eu não consegui segurar e soltei uma risada seca antes de responder:— E daí que eu fui casada? Não matei ninguém, nem cometi nenhum crime.Camila suspirou com impaciência:— Você é impossível, Kiara. Eu só estava tentando mostrar preocupação, e você responde assim, sem educação.— Obrigada pela sua preocupação, então. Mas estou ocupada, se não for nada urgente, vou desligar.Eu já estava prestes a encerrar a ligação quando ela, apressadamente, me chamou:— Kiara, espera! Ainda preciso falar com você!Suspirei, sentindo que já sabia onde aquilo iria parar, mas voltei o telefone ao ouvido.— Fala logo.— Então… você sabe que seu pai está doente, não sabe? A situação dele é bem grave.Ah, claro. Depois de todo aquele rodeio, ela finalmente chegou ao ponto. O verdadeiro assunto era Carlos.— Que doença? Ele vai morrer quando? — Perguntei,
Eu me encostei no peito dele, sentindo as vibrações de sua respiração, enquanto um profundo sentimento de culpa tomava conta de mim. Pensar que ele era tão bom comigo, enquanto eu ainda insistia em manter uma distância, fazia com que eu me sentisse ainda pior. Mas, por mais que eu quisesse, simplesmente não conseguia abrir meu coração para ele por completo.— Jean… — Chamei com a voz rouca, encostando no peito dele.— Hum? — Ele abaixou a cabeça, e sua respiração quente roçou meu ouvido.Eu o empurrei levemente, criando um pequeno espaço entre nós. Respirei fundo para controlar as emoções e, com uma insegurança evidente, perguntei:— Você realmente não está nem um pouco bravo comigo?Ele ergueu a mão e, com delicadeza, enxugou as lágrimas que haviam escapado pelos meus olhos. Com uma calma impressionante, ele respondeu:— Você já está passando por algo suficientemente difícil e doloroso. Se eu ainda ficasse bravo, só faria você se sentir pior.Eu o encarei, incapaz de conter a profunda