Alguém iria morrer? O efeito do remédio para dormir ainda deixava minha cabeça pesada. Abri a porta e encarei Davi com um sorriso cínico:— Clara vai morrer?Aquela provocação foi o suficiente para acender sua fúria.— Kiara! Não seja tão cruel! — Davi exclamou, a expressão sombria em seu rosto era algo que eu nunca tinha visto antes.Franzi o cenho, sem paciência para discutir, e tentei empurrá-lo para fora enquanto fechava a porta. Mas Davi foi mais rápido. Com um gesto brusco, ele chutou a porta, forçando-a a abrir novamente, e segurou meu braço com força.— Davi, o que você pensa que está fazendo? Invadir minha casa? Eu vou chamar a polícia! — Gritei, lutando para me soltar. A raiva me dominou, e acabei dando-lhe um tapa no rosto.Ele ignorou o golpe. Sem dizer uma palavra, me arrastou para fora e me empurrou para dentro do carro dele de forma firme e decidida.— Você está louco? Me deixa sair agora! — Protestei, tentando abrir a porta, mas era inútil.— Clara está entre a vida e a
— Então você acabou de descobrir? — Perguntei, olhando para Davi com um sorriso sarcástico. — Clara e Tiago são meus irmãos por parte de pai.Davi arregalou os olhos, ainda mais surpreso:— Irmãos por parte de pai? Mas eles só são dois anos mais novos que você...— Exatamente. Meu querido pai, que não vale nem o chão que pisa, começou a trair minha mãe quando eu tinha só um ano. Talvez antes. Ele fez de tudo para forçá-la a pedir o divórcio, só para poder trazer Isabela e a família dela para dentro de casa.O olhar de Davi oscilava entre Carlos e Isabela, o choque evidente em seu rosto.— Você nunca me contou isso... — Murmurou ele, quase para si mesmo, a voz carregada de um peso que eu não conseguia decifrar. Era como se ele percebesse, naquele instante, o quanto havia errado comigo.— Por que eu contaria? — Retruquei, fria. — Você acha que eu sairia espalhando o lixo da minha família por aí? Além disso, você não é “tão inteligente”? Como nunca percebeu?Continuei, com uma risada amar
— Você tomou remédio para dormir? — Perguntou a enfermeira, franzindo o cenho.— Sim, tomei duas pílulas antes de dormir. Até agora... — Olhei para o relógio eletrônico na porta da sala de emergência. — Deve fazer umas quatro horas.A enfermeira balançou a cabeça imediatamente:— Assim não dá. O exame de sangue vai reprovar.Dei de ombros, abrindo as mãos num gesto despreocupado, e olhei para eles, que estavam com os olhos arregalados de choque. Disse, devagar:— Desculpa, mas não é que eu não queira ajudar. É que realmente não posso.Carlos quase explodiu, sua voz ecoando pelo corredor:— Kiara, você está nos enganando! Sabia que não podia doar sangue e ficou quieta?— Isso não é justo. — Fingi inocência, piscando os olhos. — Foi o Davi que me arrastou à força de casa. Eu não sabia de nada.Passei os olhos por cada um deles, como se estivesse me divertindo com a situação.— Kiara, você... — Davi me encarou com os dentes cerrados, a frustração evidente em cada palavra. Mas, no fim, ele
— Desculpa, eu tô sem celular, não consigo pedir pelo aplicativo. — Expliquei, um pouco constrangida.A garota sorriu, tranquila:— Nem esquenta. Eu ainda nem ativei o sistema de corridas. Quando você chegar em casa, paga o que achar justo.Fiquei ainda mais surpresa, sem palavras por alguns instantes.Passei o endereço da minha casa, e a jovem digitou o destino no GPS. Com um leve movimento no volante, ela saiu do estacionamento.Não havíamos rodado muito quando o celular dela tocou. Ela colocou um fone de ouvido Bluetooth e atendeu:— Oi, mano... Eu já tô saindo, tá? Pede pro motorista te buscar... Ah, foi tudo de última hora, nem deu tempo de te avisar. Depois eu explico... Relaxa, quando eu te contar, você vai concordar que fiz a coisa certa! Tá, tá, tô dirigindo, depois a gente fala.Enquanto ela falava, olhei automaticamente para o retrovisor. Algo chamou minha atenção. Na calçada em frente ao hospital, uma figura masculina alta e elegante. O sol da manhã iluminava suavemente seu
A confusão no casamento me colocou nos trending topics. Quando acordei e peguei o celular, uma avalanche de notificações e chamadas de números desconhecidos quase fez o aparelho explodir. Suspirei, sabendo que o verdadeiro problema estava só começando.Em menos de dois dias, meus dados pessoais e informações da empresa foram divulgados na internet. A situação ficou cada vez mais difícil de controlar.Naquela manhã, ao chegar na empresa, mal saí do carro e já fui cercada por uma multidão de jornalistas que estavam de plantão na porta. Felizmente, Tatiana já estava preparada e, com a ajuda dos seguranças, conseguiu me tirar daquela emboscada.O mais revoltante era que, mesmo Clara sendo a culpada por tudo, ela virou um símbolo de piedade por causa da doença. Os internautas começaram a me atacar em massa. Não só fui alvo de ofensas pessoais, como a loja oficial da empresa também foi invadida por críticas e boicotes, prejudicando as vendas e quase paralisando as operações.O setor de relaç
Eu não disse nada. Apenas dei a volta na mesa e saí, tentando evitar qualquer confronto.Davi veio atrás de mim, insistindo:— Kiara, eu sei que, por enquanto, você não vai conseguir me perdoar, mas nós temos uma história de seis anos. Não dá pra simplesmente apagar isso, nem pra você, nem pra mim. A pessoa que eu amo é você, isso nunca vai mudar. Mas a Clara... Eu a vi crescer, ela sempre foi sensível, frágil, e agora, com essa doença terminal, está ainda mais vulnerável. Sempre a tratei como uma irmã. Como posso simplesmente deixá-la de lado?Ele bloqueou meu caminho, e minha paciência se esgotou de vez.— Davi, você tá maluco? — Explodi. — Eu nunca te proibi de ser bom com ela! Mas por que você acha que pode vir aqui com esse papo absurdo? O que você quer com isso? Me fazer sentir ainda pior?Davi segurou meu braço, tentando me acalmar com a voz baixa:— Kiara, eu sei que você tem passado por muita coisa. Eu só quero ajudar.— Ajudar? — Soltei uma risada sarcástica, empurrando-o e d
Bela ajeitou a postura, ficando um pouco mais séria:— Clara pode até gostar um pouco de você, Davi, mas não é esse amor todo que você acredita. Ela quer casar com você por pura provocação, só pra machucar a Kiara.Davi deu um sorriso enigmático, como se não se importasse, e respondeu com desdém:— Essas ideias foram a Kiara que colocou na sua cabeça, não é? Clara não é assim. Ela é inocente, doce. Tá, às vezes é um pouco mimada, mas nunca teria essa maldade que você tá insinuando.A expressão de Bela era de puro desprezo, como se estivesse olhando para o maior dos tolos:— Você... Parece ser um cara inteligente, mas quando cai nas garras de uma mentirosa, sua cabeça vira um ovo cozido.Eu não me segurei e dei uma risadinha.Davi nos encarou com o rosto carregado, claramente ofendido. Ele parecia sem graça, e então, virou-se para ir embora.Mas Bela não ia deixá-lo sair tão fácil.— Clara sempre teve inveja da Kiara. — Disparou Bela, sua voz carregada de convicção. — Ela não suporta ve
Bela soltou um riso irônico:— Aposto que, no começo, ela só queria roubar seu homem. Mas foi se metendo tanto no papel que acabou acreditando na própria encenação.Fiquei de boca aberta, sem saber o que responder.— O Davi diz que não acredita, mas duvido que ele não tenha suas dúvidas. Pode esperar, logo-logo eles vão começar a brigar. Minha tia-avó sempre diz que o tratamento de câncer é uma barra. Parece que a Clara faz um escândalo todos os dias no hospital, dá trabalho pra todo mundo. Os médicos e enfermeiros já foram trocados várias vezes porque ninguém consegue lidar com ela. Agora me diz: até onde vai o amor de um homem por uma mulher? Quanto tempo ele aguenta antes de se desgastar? E olha que nem sabemos se o que eles têm é amor de verdade. — Continuou Bela.Assenti com a cabeça e comentei:— Com isso que você falou, faz todo sentido o Davi ter vindo me procurar hoje com aquele jeitinho todo simpático.Provavelmente, ele já não aguenta mais as "crises" da Clara. Deve estar l
Eu admirava Jean do fundo do coração. Respeitava-o, apreciava-o, e desejava sinceramente que ele fosse cada vez melhor. Não queria que nada estragasse isso, que ninguém manchasse a sua imagem nem mesmo eu. Por isso, preferia não dizer nada, deixar as coisas como estavam, nesse limbo de ambiguidade, e me consolar com a ideia:"Nós somos apenas amigos."— E aí, conseguiu resolver os problemas da sua família? — Enquanto eu me perdia nesses pensamentos, Jean e Amélia já haviam começado a comer, conversando casualmente e demonstrando preocupação comigo.Assenti com a cabeça:— Digamos que sim. Meu pai foi preso, as provas contra ele são incontestáveis. Consultei um advogado e é certo que ele terá que responder pelos crimes. Agora, só falta saber quantos anos de condenação ele vai pegar. Mas, de qualquer forma, voltar à miséria é inevitável.Por dentro, eu pensava:“Se o fisco decidir pesar a mão, talvez ele ainda saia dessa com dívidas. E aí, recomeçar seria impossível.”Jean me ouviu com a
De qualquer forma, eu mesma me convenci:“Somos apenas amigos. Amigos que, de vez em quando, se encontram para almoçar. Nada mais normal do que isso.”Meia hora depois, cheguei ao Bom Sabor. O gerente do restaurante me reconheceu e, assim que me viu, disse:— Srta. Kiara, seu convidado já chegou. Está na sala privativa número um.— Ah, obrigada.Meu coração deu um salto, e, enquanto caminhava, acabei acelerando o passo, quase correndo.O garçom abriu a porta da sala para mim, e meu rosto já trazia um sorriso iluminado:— Sr. Jean…Mal terminei de falar, vi uma garota sentada ao lado dele. Meu rosto passou de surpresa a alegria em questão de segundos:— Ué? Amélia, você também veio?Amélia sorriu docemente:— Ué, não posso vir? Vai me dizer que tô atrapalhando o momento de vocês dois?Minhas bochechas ficaram quentes. Automaticamente, olhei para Jean, nervosa e sem saber onde enfiar a cara:— Claro que eu queria que você viesse.Quanto ao comentário sobre "o momento de vocês dois", fing
Cheguei ao estacionamento, abri a porta do carro e me sentei. Depois de colocar o celular no suporte com o viva-voz ativado, virei-me para colocar o cinto de segurança.— Denunciei meu próprio pai. Ele com certeza vai para a cadeia. Vim contar isso para a minha mãe, para que ela possa ficar feliz lá no outro mundo. — Falei, sem o menor peso na consciência.Jean riu levemente do outro lado da linha:— Você é rápida mesmo.Meu tom de voz era puro alívio e satisfação:— Claro, né? Se eu não fosse, ia acabar pagando o pato por ele. Gastar dinheiro ainda vai, mas correr o risco de ir parar na prisão? Nem pensar!— Direta e eficiente. Estou impressionado de novo.— Obrigada pelo elogio, Mestre Jean. — Brinquei, ligando o carro. Depois voltei ao assunto. — Mas e aí, por que você me ligou?— Nada demais. Só queria saber se o ferimento no seu braço já melhorou.Ao ouvir isso, foi que me lembrei do corte no meu braço direito. Eu estava tão ocupada que tinha esquecido completamente. Levantei o br
O policial, sem paciência para continuar ouvindo Carlos, virou-se para mim e perguntou:— Srta. Kiara, poderia nos acompanhar até a delegacia? De acordo com o protocolo, precisamos registrar seu depoimento.— Claro. — Respondi.Afinal, fui eu quem fez a denúncia. Era minha obrigação colaborar com a investigação.Carlos foi levado algemado. Os funcionários de sua nova empresa assistiram à cena sem saber o que dizer, completamente atônitos. Pobres coitados... Mal haviam começado a trabalhar e já teriam que procurar outro emprego, porque a empresa estava fadada a fechar as portas.Fui até a delegacia com os policiais e, após colaborar com todo o procedimento e terminar o depoimento, já era sete da noite. Quando saí, olhei para as luzes da cidade que brilhavam por toda parte e senti uma saudade profunda da minha avó. Resolvi então dirigir até a casa dela para jantar.Contei-lhe toda a história, desde o início até o desfecho. Ela ficou visivelmente contente:— Finalmente eles estão pagando
Levantei-me, apontando para Carlos, aquele arrogante que se achava intocável:— Policial, boa tarde. Fui eu quem chamou. Meu nome é Kiara, e venho denunciar formalmente esse homem Carlos, pelos crimes de fraude contratual, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Aqui estão algumas das provas... E, senhores da Receita Federal, sobre o caso de sonegação envolvendo a LongVoyage Comércio Ltda., que vocês estão investigando, Carlos é o verdadeiro responsável. Tenho provas suficientes para demonstrar que ele agiu de má-fé, tentando enganar e fugir das responsabilidades. Por favor, investiguem com atenção.Antes de vir, trouxe comigo o acordo de transferência de ações que assinei recentemente, além das evidências financeiras fornecidas pela Hana. Entreguei todos os documentos tanto à polícia quanto aos fiscais. Essas provas eram mais que suficientes para demonstrar que me tornei sócia majoritária da empresa há pouco tempo e que não tinha conhecimento nem envolvimento com as irregularidades an
Eu assenti, peguei os documentos de volta e me virei para a multidão:— Certo, pessoal, vamos nos acalmar. — Levantei a voz para interromper a confusão, caminhando até o centro da sala com os papéis em mãos. — Meu querido pai, você não queria provas? Aqui estão elas.Carlos, que tinha acabado de sair de uma discussão acalorada e estava vermelho de raiva, olhou para os documentos na minha mão. Sem sequer tentar ler, avançou rapidamente e os arrancou de mim.Não resisti, deixei que ele pegasse.Ele, tomado pela fúria, rasgou tudo no mesmo instante, os pedaços voando pelo chão enquanto ele esbravejava:— Não sei o que é isso, mas tenho a consciência limpa!Dei de ombros, impassível:— Sem problema. Eu tenho outras cópias. Pode continuar rasgando. Quando se cansar, conversamos sobre como resolver isso.Peguei outra cópia das mãos de Hana e a entreguei diretamente a ele.Carlos me encarou com olhos cheios de ódio, enquanto os músculos de seu rosto tremiam de raiva:— Kiara! Você é cruel! So
— Não vou embora! Quero ver ela no chão, acabada, humilhada! Antes, por causa da Clara, eu me ajoelhei para pedir ajuda a ela, e ela nem sequer piscou! Hoje, quero que ela se ajoelhe e bata a cabeça no chão pedindo perdão, ou vou mandá-la direto para a cadeia! — Isabela gritou, com a voz cheia de ódio.De repente, a porta foi escancarada com um estrondo. Eu entrei rindo friamente e disse em alto e bom som:— Ajoelhar e bater a cabeça no chão? Isso é coisa de ritual para os mortos. Você decidiu morrer hoje, madrasta? Vai fazer companhia para sua filha querida no além?A porta bateu na parede com força, ecoando pelo escritório, e os dois se viraram assustados. Quando me viram, a expressão de Isabela mudou do medo para uma raiva grotesca:— Kiara! Quem você pensa que está amaldiçoando?!— Quem me mandar ajoelhar, eu amaldiçoo.— Sua...! — Isabela ficou tão furiosa que não conseguiu terminar a frase. Avançou em minha direção, levantando a mão para me dar um tapa.Antes que ela conseguisse,
Assim que entrei no carro, peguei o celular e liguei diretamente para Carlos. Na primeira vez, ele não atendeu. Tentei novamente. Nada. Só na terceira tentativa ele finalmente atendeu, e sua voz veio carregada de irritação:— O que foi? Estou ocupado!— Ocupado com o quê? Não me diga que você também foi levado pela Receita para prestar depoimento? — Fui direto ao ponto, sem rodeios.Do outro lado, ele ficou em silêncio por um instante, como se estivesse surpreso, mas logo tentou disfarçar:— Do que você está falando?Eu soltei uma risada fria. Não acreditava nem por um segundo que ele não soubesse sobre o que tinha acontecido comigo naquela manhã:— Carlos, você me jogou no meio de uma armadilha. Agora vai ter que acertar as contas comigo.— Que absurdo! Desde quando uma filha se refere ao próprio pai pelo nome? — Ele tentou usar o tom autoritário de sempre, mas dessa vez eu não estava disposta a ceder.— Pai? Você acha que merece esse título? Até chamar você de animal seria um insulto
Eu mal tinha conseguido me firmar no chão quando ouvi, às minhas costas, aquela voz suave e firme, que parecia sempre encontrar uma brecha para me desarmar:— Kiara...Meu coração disparou, e os pelos da nuca se arrepiaram. Virei-me rapidamente:— Hã?Jean ainda estava no carro, ligeiramente inclinado em minha direção. Seus olhos, brilhantes como estrelas numa noite calma, traziam um calor inesperado, enquanto um sorriso discreto suavizava sua expressão séria:— Não se preocupe, estou muito bem de saúde. Obrigado pela preocupação.Seu tom era tão sincero que, sem querer, meus nervos tensos relaxaram de imediato. Acabei sorrindo suavemente:— Que bom.— Até mais. — Ele fez um leve gesto com a mão.— Até mais. — Respondi, retribuindo o gesto.Minha intenção inicial era fugir dali o mais rápido possível, mas a sua resposta gentil, carregada de uma tranquilidade que parecia me envolver, me fez mudar de ideia. Eu permaneci parada na calçada, observando o carro dele partir. Por algum motivo,