Capítulo 0005

Seu olhar encontrou o dele, sereno.

— Nunca devo nada a Mirabel. E muito menos ao Sr. Valério.

A voz soou calma, mas carregava um fio de gelo.

— No trabalho, sou apenas uma veterana para ela. Na vida pessoal, minha mãe nunca lhe devia nada.

Seu tom permaneceu firme, sem hesitação.

— A mãe dela se casou novamente. Mirabel apareceu anos depois, esperando ser aceita como se fosse parte da família. Minha mãe, sim, a mandou para o interior, mas também garantiu que nunca lhe faltasse nada.

Pousou os olhos sobre ele, sem desviar.

— Ela era a bastarda que todos desprezavam. Em que momento eu deveria me sentir em dívida?

O carro mergulhou em um silêncio opressivo.

Valério a observou.

O vestido simples realçava sua silhueta esguia. Os traços delicados e frios, os olhos límpidos e impenetráveis.

Havia algo de cortante nela. Uma inteligência afiada, uma presença que ofuscava.

Tão intensa que, às vezes, até sua beleza deslumbrante passava despercebida.

O olhar dele percorreu seus traços.

Depois de um longo tempo, sua voz soou, suave, mas sincera:

— Me desculpe. Eu errei nisso.

Evandra não respondeu.

— Eu não deveria ter pedido que você cedesse por causa da Mirabel.

Valério a observou por um longo momento antes de falar, em um tom mais suave.

Fez uma pausa, então acrescentou, baixo:

— Evandra, você é uma mulher incrível. Mesmo divorciados, você ainda tem sua própria vida.

Os dedos dela se fecharam ao redor da saia.

As lágrimas ameaçavam escapar.

Ela gostava dele. Sempre gostou, muito mais do que deveria.

Mas havia coisas que simplesmente não podiam ser forçadas.

...

Evandra voltou para casa.

Assim que chegou, começou a investigar o médico que Valério havia escolhido para seu exame.

Clarissa, no entanto, continuava preocupada.

— Você não pode contar para o Valério? Ele pode não ser tão cruel quanto você pensa… Afinal, foram três anos de casamento.

— Não.

Instintivamente, Evandra pousou a mão sobre o abdômen.

Ficou em silêncio por um longo tempo antes de murmurar:

— Clarissa, se esse filho não pode ser tirado, então não há motivo para ele saber.

Seu olhar endureceu.

— Já estamos divorciados. Esse bebê faz parte da minha vida, não da dele.

Ela levantou os olhos, determinada:

— Cuide do médico para mim.

De qualquer forma, Valério jamais poderia descobrir.

Clarissa não insistiu.

Mas, como se lembrasse de algo, comentou:

— Mirabel fez um estágio na Brilence. Não sei se foi coincidência ou se ela descobriu alguma coisa.

Evandra congelou.

Mirabel esteve na Brilence?

Ela sabia que a empresa era dela ou…?

Por um instante, a dúvida passou por sua mente.

Mas logo descartou o pensamento.

— Deve ter sido coincidência. Ela se formou na Universidade Alpha Nova, e a Brilence tem um programa de recrutamento por lá.

Clarissa apenas mencionou de passagem, depois sorriu:

— Sr. Souto e Joel Carlos devem estar voltando em breve, não? Com eles por perto, você pode respirar um pouco mais aliviada.

A Brilence, ao longo dos anos, esteve sob os cuidados da família Souto.

Desde a morte de sua mãe, os Souto se tornaram, de certa forma, a família mais próxima que Evandra tinha.

Ela sorriu, e um raro traço de tranquilidade brilhou em seus olhos.

No dia seguinte, a notícia da queda de Anselmo estourou.

Jorandir podia ter ares de dândi, mas quando se tratava de jogo sujo, era um mestre.

Manipulou a mídia para expor os podres do irmão, e, como se não bastasse, veio à tona que, semanas antes, Anselmo, bêbado, havia atropelado e matado uma pessoa, pagando terceiros para assumirem a culpa.

A pilha de escândalos foi rápida demais para ser contida. Não demorou para que a polícia o levasse.

Jorandir, por sua vez, cumpriu o prometido e providenciou a substituição da mercadoria defeituosa.

Evandra foi pessoalmente acompanhar a troca. Enquanto conferia os produtos, sentiu o olhar atento de Jorandir sobre si.

— A senhorita não confia nem em mim?

Ele arqueou a sobrancelha, notando a fina camada de suor em sua têmpora, um brilho divertido nos olhos.

Ela piscou para ele, sorrindo de canto.

— Confio, sim. Mas é como dizem: cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

O sorriso dela tinha um toque travesso, uma vivacidade rara que realçava ainda mais sua beleza.

Jorandir deixou escapar um sorriso enviesado.

Boatos eram só boatos.

Evandra, ao contrário das bonequinhas frágeis que viviam ao redor deles, era de longe muito mais interessante.

A cena não passou despercebida.

A poucos metros dali, Valério e Mirabel observavam tudo.

Mirabel se aproximou primeiro, sorrindo enquanto se inseria na conversa.

— O Sr. Jorandir e Srta. Evandra parecem se dar muito bem. No fim das contas, essa situação toda acabou sendo uma bênção disfarçada.

O tom era leve, inocente, quase pueril.

Mas havia algo subentendido, um convite sutil à especulação.

Valério manteve o olhar em Evandra por um instante a mais do que o necessário.

Seu semblante se fechou levemente antes de finalmente responder, com frieza:

— Agradecemos sua colaboração, Sr. Jorandir.

Jorandir sorriu, vagamente divertido.

— Não há de quê. Com uma beleza como a Srta. Evandra me fazendo companhia, como isso poderia ser um incômodo?

— A Srta. Evandra sempre separa o pessoal do profissional. Deve ter havido um mal-entendido.

A voz de Valério soou firme, seus olhos passando rapidamente por Evandra antes de se afastar.

Jorandir, no entanto, apenas sorriu:

— Separar trabalho da vida pessoal não significa não ter sentimentos. E se gosto de alguém, vou correr atrás, simples assim. Ou será que o Sr. Valério também regula a vida privada dos funcionários?

Valério fez uma breve pausa antes de responder, seco:

— Fique à vontade.

Sem mais nada a dizer, virou-se e saiu, levando Mirabel consigo.

Evandra observou-os partir, a expressão inalterada.

Mas Jorandir era perspicaz.

Percebeu a decepção discreta em seu olhar e, sem perder a oportunidade, provocou:

— Seu Sr. Valério não tem nada de especial. Que tal considerar mudar de chefe, Srta. Evandra?

O tom era brincalhão, mas carregava uma sugestão sutilmente insinuante.

Evandra piscou, como se voltasse à realidade, e riu suavemente.

— Pensei que você tivesse dito que eu não fazia o seu tipo. Vai voltar atrás agora?

Jorandir a fitou por um momento.

Para ser sincero, Evandra era teimosa e rígida demais para o gosto dele.

Definitivamente, não se encaixava em seu "tipo ideal".

Mas… também era bonita demais. E inteligente demais.

O suficiente para ofuscar qualquer traço de rigidez.

Ele sorriu, inclinando-se levemente para mais perto.

— Não mudei de ideia. Mas você pode ser a exceção. Pensa com carinho na proposta, hm?

Evandra não deu importância.

O essencial era que o problema da mercadoria havia sido resolvido e a empresa evitou um prejuízo colossal.

Valério puniu Mirabel com três meses sem salário e bônus, enquanto Evandra recebeu um pagamento extra.

Quando voltou ao escritório, o clima era outro.

Os colegas estavam visivelmente animados.

— Eu já sabia que esse nepotismo não ia dar certo. Se fosse qualquer outra pessoa, já teria sido demitida.

— Pois é. Universitária da Alpha Nova e já começa ferrando tudo no cargo de secretária. Bonita, bonita, mas não chega aos pés da Srta. Evandra. Não sei o que o Sr. Valério viu nela.

O Grupo Linhares era um império corporativo.

E, para novatos sem competência, o ambiente era implacável.

Evandra não queria alimentar a conversa, mas também não achava justo deixar que humilhassem uma garota daquele jeito.

— Chega.

A voz dela cortou os cochichos, um toque de cansaço na entonação.

— É só uma menina. Cada um cuide do seu trabalho. No fim da semana, eu pago um jantar para vocês.

Os comentários cessaram de imediato.

Logo depois, ao terminar um relatório, ela pegou o contrato atualizado e seguiu para o escritório de Valério.

Estava prestes a bater na porta quando ouviu a voz de Mirabel lá dentro, embargada:

— Val, eu sou tão inútil assim? Todo mundo diz que nunca vou ser como a Evandra…

Houve um instante de silêncio.

Então, a voz grave de Valério soou, levemente impaciente:

— Não precisa se comparar com ela. Você e ela… são diferentes.

Evandra parou por um momento, a mão ainda sobre a maçaneta.

Depois de alguns segundos, empurrou a porta e entrou.