Capítulo 0003

O coração de Evandra doeu levemente, mas sua resposta foi firme e indiferente:

— Eu avisei a Srta. Mirabel sobre os procedimentos de entrega. O escritório da empresa tem câmeras de segurança, Sr. Valério. Se não acredita, podemos verificar as gravações.

A expressão de Mirabel empalideceu instantaneamente.

Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela falou, parecendo ainda mais vulnerável:

— Evandra... Ta-talvez eu tenha me distraído por um momento e não ouvi direito. Foi por isso que cometi esse erro.

— Trata-se de uma carga valiosa, valendo milhões. Não podemos simplesmente deixar a Maré Alta distorcer os fatos. Vou resolver isso, mas a empresa tem regras claras. Mirabel não será isentada de responsabilidade. — Evandra franziu a testa e declarou, antes de sair para cuidar do assunto.

Uma vez assinada a entrega da carga, legalmente, não havia mais volta.

O prejuízo teria que ser engolido.

Mas o chefe da Maré Alta era o Sr. Anselmo Souto. E, além dele, havia outro membro da família com bastante influência: o mimado Sr. Jorandir Souto.

Onde há interesse, há brechas para se explorar.

Às oito da noite, Evandra marcou um encontro com o tal bom vivant.

Na área VIP, o olhar do homem recaiu sobre ela, carregado de divertimento.

— Acho que você procurou a pessoa errada. Eu não mando na Maré Alta. E, pra ser sincero, mulheres como você não fazem meu tipo.

Evandra era, sem dúvida, linda. Mas cabeça dura demais.

Mulheres deveriam ser mais dóceis, mais maleáveis. Mais... encantadoras.

Ela ignorou a provocação e deslizou um arquivo até ele.

— Sr. Jorandir, aqui estão alguns movimentos do seu irmão nos últimos anos. Falando francamente, não acredito que você não tenha interesse na Maré Alta. Se ele cair, o contrato com o Grupo Linhares será seu.

O olhar despretensioso de Jorandir mudou. Ele estreitou os olhos, avaliando-a com mais atenção.

Sua mãe não era a esposa oficial de Teobaldo Souto. O patriarca sempre favoreceu o terceiro filho, Anselmo.

Mas, no fundo, quem na família Souto não queria o controle da Maré Alta?

— Mesmo que eu te ajude, o que você ganha com isso? — Após um longo silêncio, ele perguntou com calma.

— Preciso substituir a mercadoria de baixa qualidade que a Maré Alta enviou para o Grupo Linhares. Além disso, trabalhar com alguém tão íntegro quanto o Sr. Jorandir já é um grande benefício para mim.

Evandra não se importava em jogar conforme as regras do mercado, mas as táticas de Anselmo eram grosseiras demais.

Ela desprezava esse tipo de jogada.

Jorandir pousou o olhar sobre ela.

Depois de um momento de reflexão, ergueu a taça e declarou, com um sorriso enigmático:

— Como desejar.

Algumas mesas adiante, um assistente do Valério notou a presença de Evandra e se aproximou discretamente de Valério, que acabara de sair de um compromisso.

— Sr. Valério, Srta. Evandra também está aqui.

Ele seguiu o olhar do assistente e franziu levemente as sobrancelhas.

Jorandir era um notório playboy.

O que ela fazia ali com ele?

Evandra não percebeu Valério por perto. Pouco depois, concluiu sua conversa com Jorandir e se levantou para sair.

O assistente foi ao seu encontro, falando em tom educado:

— Srta. Evandra, o Sr. Valério a aguarda.

Jorandir lançou um olhar casual ao assistente antes de voltar-se para Evandra, com um sorriso de quem se divertia:

— Srta. Evandra, se algum dia o Grupo Linhares não for mais confortável para você, considere a Maré Alta. Sempre tivemos um bom olho para reconhecer talentos.

Uma mulher apenas bonita acabava se tornando monótona.

Mas uma mulher bonita e inteligente? Isso, sim, era um recurso raro e valioso.

Evandra não respondeu, apenas se despediu com polidez.

Seguiu o assistente e entrou no carro de Valério.

Já passava das onze da noite. A brisa noturna estava fria.

Ao entrar no carro, seus lábios pareciam pálidos. Mantinha o olhar baixo, e, sob o blazer, apenas um pequeno trecho de seu pulso branco como jade estava exposto, transmitindo uma fragilidade inesperada.

Valério franziu o cenho.

Quando foi que ela ficou tão magra assim?

— O assunto com a Maré Alta foi resolvido? — Valério perguntou.

Evandra assentiu, os olhos carregados de cansaço.

— Sim. Jorandir é mais complicado que Anselmo, mas ele concordou em substituir a mercadoria defeituosa. Só precisamos mandar alguém para a troca.

Valério lançou um olhar breve para ela antes de comentar, num tom neutro:

— Mirabel é jovem, não entende bem as coisas. Não dá para colocar toda a culpa nela.

Evandra fez uma pausa e respondeu baixinho:

— Você é o presidente do Grupo Linhares. O que fazer, só depende da sua vontade.

Jovem?

Quando ela entrou para o Grupo Linhares, era ainda mais nova que Mirabel.

Mas Valério nunca misturou negócios e sentimentos.

— Ainda não falei com meu avô sobre o divórcio.

Valério cortou o silêncio.

Salviano Linhares estava doente há anos, frágil demais para receber um choque desses. Mesmo que o casamento entre eles sempre tenha sido frio, o velho Salviano dificilmente aceitaria a notícia.

Evandra abaixou os olhos.

— Eu sei. Quando for a hora certa, eu mesma falo com ele.

Valério não disse mais nada.

Ela havia bebido um pouco naquela noite, mas quase não comera nada. Logo, adormeceu no carro, encolhida, o rosto pálido.

Valério percebeu algo estranho em sua expressão. Franziu o cenho, prestes a desviar o caminho para o hospital.

Mas, antes que pudesse agir, Evandra despertou.

— Onde estamos? — A voz saiu rouca.

— Vou te levar para o hospital.

Por um instante, algo passou pela mente dela. O coração acelerou, mas seu tom permaneceu indiferente:

— Não precisa. Só estou com um desconforto no estômago. Em casa, descansando, já melhora.

Os olhos negros de Valério recaíram sobre ela, profundos e indecifráveis, como se enxergassem através das barreiras que ela tentava manter.

— Certo.

Após um longo silêncio, ele apenas soltou essa única palavra.

Evandra, finalmente, pôde respirar aliviada.

Ao chegar em casa, Evandra pegou o celular e ligou para Clarissa. Seu tom era sério:

— Compra um teste de gravidez para mim.

No dia seguinte, aconteceria o jantar de boas-vindas para Fidélio Ferraz.

Fidélio era um amigo em comum de Evandra e Valério. Antes de voltar, fez questão de ligar para ela, convidando-a para o evento.

Ele já tinha uma noção do conflito entre os dois e, no fundo, queria dar uma forcinha para que se acertassem.

Quando Evandra chegou, a sala privada já estava animada.

Antes de entrar, ouviu a voz descontraída de Fidélio:

— Então é verdade que você e a Evandra se divorciaram? E por causa daquela Mirabel?

Evandra parou. Sua mão, prestes a empurrar a porta, congelou no ar.

Houve um breve silêncio antes de Valério responder, num tom indiferente:

— Não tem nada a ver com ela. Eu e Evandra simplesmente não combinamos.

— Não combinam? — Fidélio soltou um riso carregado de significado. — A Evandra é linda, inteligente e, ao longo dos anos, conquistou o respeito de muita gente no Grupo Linhares. Como é que você ainda não percebeu? Sem contar que foi ela quem salvou sua vida naquela vez. Sabe o que é mais assustador? Não entender os próprios sentimentos.

Ele conhecia Mirabel.

Era só uma menina esperta, com seus joguinhos. Mas não chegava nem perto de Evandra.

Evandra, aquela que tirou Valério das mãos de sequestradores. Aquela que tinha uma força que menina nenhuma conseguiria igualar.

Se ele realmente se divorciasse, só lhe restaria o arrependimento.

Depois de um longo silêncio, Valério apenas respondeu:

— Sentimentos não podem ser forçados.

Evandra baixou os olhos. Seus dedos, ao lado do corpo, se apertaram devagar.

Fidélio não insistiu, apenas deixou um aviso:

— Só pensa bem nisso. Você pode não querer, mas tem muita gente de olho nela.

Evandra não permaneceu ali. Enviou uma mensagem rápida para Fidélio, dizendo que estava ocupada, e marcou um encontro com Clarissa para espairecer.

Clarissa lhe entregou o teste de gravidez, hesitante.

— Evinha… Acha mesmo que pode estar grávida?