— Gabi, você tá bem? E a Bia? Como ela tá? — Do lado de fora do banheiro, Vitória olhava para ele com um ar preocupado, quase dramático, observando o homem todo molhado e desarrumado.— Estou bem. Vou trocar de roupa. — Respondeu Gabriel, ainda fervendo de raiva.Vitória fingiu que ia abrir a porta do banheiro, mas sua mão foi imediatamente agarrada por Gabriel.Ele a puxou para trás, encarando a porta de vidro com fúria.— Não entra. Aquela louca vai jogar água em você também. Eu juro, essa mulher devia estar internada num hospício! — A Bia com certeza não fez por mal... não fica bravo com ela…Vitória tentou acalmá-lo, assumindo o papel de mediadora, com aquela voz doce e compreensiva que ela sabia usar tão bem.Mas isso só alimentou ainda mais a raiva de Gabriel. Ele soltou uma nova enxurrada de insultos, palavras cruéis e venenosas, carregadas de desprezo.No banheiro.As vozes dos dois atravessavam a porta, cada sílaba batendo como marteladas no peito de Beatriz.Sentada no chão
No hospital, o médico examinou o pé ferido de Beatriz e não conseguiu evitar um tom de repreensão:— Você não está cuidando do seu corpo... Todas essas bolhas estouradas... Se isso infeccionar, não vai ser brincadeira.Beatriz apenas baixou a cabeça, sem dizer nada.Ficou olhando para o próprio pé, vermelho, inchado, machucado de cima a baixo.Não era que ela não cuidava de si.É que...Alguém simplesmente não lhe dava escolha.O médico examinou novamente e percebeu que a parte inferior das costas da garotinha, perto do cóccix, estava muito roxa, marcada por hematomas profundos. No braço, havia arranhões e machucados. Os olhos estavam inchados, vermelhos de tanto chorar, e durante todo o atendimento, ela não disse uma única palavra.Ninguém a acompanhava.Naquele momento, o médico praticamente teve certeza do que estava acontecendo. Respirou fundo e falou com suavidade, mas firmeza:— Vamos fazer um raio-X da sua coluna e te internar para observação. Você não deveria voltar para casa a
Ele bateu a porta com força, virou-se e foi direto para a cozinha. Olhou para as refeições que havia levado para casa e, de repente, tudo lhe pareceu ridículo. Uma raiva silenciosa tomou conta dele. Sem pensar duas vezes, jogou tudo no lixo.Pegou o celular e discou o número dela. Chamou três vezes, mas ninguém atendeu. Prestes a explodir novamente, lembrou-se de que o celular da Beatriz estava quebrado.Gabriel suspirou fundo, engoliu a irritação e decidiu não ligar de novo. Com o rosto fechado e o olhar frio, voltou para a suíte, tomou um banho e se preparou para dormir.“Que vá para onde quiser. Se quiser morrer, que morra. Não é problema meu.”Duas da manhã.Na cama, Gabriel acordou com o estômago revirando, um desconforto crescente que o deixava cada vez mais irritado. Sem perceber, murmurou:— Beatriz... A sopa pra ressaca...Olhou para a porta do quarto, ainda entreaberta, do mesmo jeito que havia deixado horas antes. Cerrando os punhos, frustrado, levantou-se para procurar algu
— O que foi, Gabi? — Vitória sentou-se na cama e abraçou a cintura dele.Gabriel afastou suavemente os braços dela. Sua voz saiu rouca, baixa, carregada de culpa:— Me desculpa. Eu passei dos limites. Descansa bem, tá?Levantou-se às pressas, os passos apressados e desajeitados, como se fugisse do próprio pecado.— Gabi! Gabi! — Vitória chamou, correndo até a porta. Mas, quando abriu, o corredor já estava vazio.Ela ficou parada, mordendo o lábio até quase sangrar, as unhas cravadas no batente da porta. No olhar, um ódio frio, amargo e crescente.No estacionamento subterrâneo, Gabriel entrou no carro e permaneceu imóvel, o olhar perdido, o peito arfando. Levou a mão à testa, sentindo o arrependimento esmagar seu orgulho.No banco do passageiro, algo chamou sua atenção: o brilho do celular novo que havia comprado. Desviou o olhar imediatamente, o desconforto e a culpa pesando ainda mais.No quarto do hotel, Vitória fechou a porta devagar e foi até o banheiro. Encarou o próprio reflexo n
— Continue procurando. Não acredito que ela tenha evaporado. — Gabriel falou entre os dentes, a voz carregada de frustração.Rafael já havia tentado de tudo. Ligou incontáveis vezes, mas Beatriz não atendia.Quando já estava quase desistindo, sem mais esperanças… Finalmente, a ligação completou. E do outro lado da linha, alguém atendeu.— Sra. Beatriz! Onde a senhora está? — Ele perguntou, a voz tremendo de tanta ansiedade.— Por que está me procurando? — a voz de Beatriz soou fria, distante, cortante como gelo.— É o Sr. Gabriel... — Rafael respondeu no impulso, mas logo percebeu o perigo e inventou na hora uma desculpa. — O Sr. Gabriel me pediu pra encontrar uns documentos… Mas não achei, e são urgentes. Pensei em perguntar à senhora, mas... A senhora sumiu...Beatriz revirou os olhos, completamente sem paciência. “Perde as próprias coisas e vem perguntar para mim? Patético.”— Que ele procure sozinho. — Respondeu, seca, quase indiferente.— Sra. Beatriz … O Sr. Gabriel passou o dia
Depois que expulsaram todos do quarto, o médico finalmente chegou. Beatriz mordeu os lábios com força, tentando conter a dor, mas era impossível… As lágrimas simplesmente transbordaram, silenciosas e incontroláveis.O quarto voltou a ficar em silêncio, interrompido apenas pelos soluços abafados dela. As outras pacientes olhavam-na com compaixão nos olhos; todas sabiam exatamente o que tinham acabado de presenciar.— Violência doméstica é crime. Eu vou chamar a polícia agora. — A enfermeira declarou, indignada, pegando o celular.Gabriel, como se despertasse de um transe, arrancou o telefone das mãos dela com brutalidade.— Não foi por minha causa! Que violência doméstica, o quê! Falar besteira assim… Posso acabar com o seu emprego! — Rosnou, cruel.— E essa fratura no cóccix dela? Não foi você que causou? — A enfermeira rebateu, encarando-o com desprezo.Cóccix...Gabriel ficou paralisado. Seus olhos caíram lentamente sobre a região machucada de Beatriz.Primeira vez… Ele a jogou no ch
— Foi você quem esbarrou a faca nela naquela hora. Eu vi com meus próprios olhos. — Gabriel disse, tentando se justificar.— Ah, é? E ela se machucou? — Beatriz rebateu, fria e afiada.Gabriel ficou em silêncio.O tal ferimento da Vi… Não passava de uma marquinha menor que um arranhão de unha. Nem curativo precisava.— Você me acusa de manipular a situação… Mas, no fundo, é você quem distorce tudo. — Beatriz continuou, o sarcasmo escorrendo em cada palavra, enquanto observava o silêncio dele.Ela respirou fundo e prosseguiu, cada frase cortante como uma lâmina:— E agora fica me perguntando se eu voltei pra casa ontem. Por quê? Tá com medo que eu tenha te flagrado se divertindo com aquela mulher? Traição dentro do casamento… E você ainda age como se tivesse razão?Ao ouvir isso, Gabriel enrijeceu, a coluna reta como um soldado em posição de sentido.— Eu não traí! — Retrucou, quase gritando.— Não? E essa marca no seu pescoço, foi o quê? Mordida de cachorro? — Ela rebateu, o olhar chei
Por que ele estava tão irritado?Sim… Era porque…— Ela não podia falar comigo diretamente? — Gabriel explodiu, indignado. — Por que precisou falar através de você?!Por que usar um assistente? Será que era tão difícil o ligar ou mandar uma mensagem?Rafael encarava o vazio à frente, o rosto impassível, enquanto o silêncio pesado preenchia o ambiente.Será que a forma de avisar importava tanto assim? Será que justificava toda aquela fúria do Sr. Gabriel?Ele já não sabia o que pensar.Se dissesse que o Sr. Gabriel não amava a Sra. Beatriz, não faria sentido vê-lo tão desesperado, correndo atrás dela. Mas, se dissesse que amava… Como explicar o fato de ter ido para a cama com outra mulher e feri-la daquela forma?No quarto do hospital, Beatriz recusara a preocupação das outras pacientes. Só queria ficar em paz.A mensagem que enviara a Rafael tinha sido sincera. Ela não pretendia, de forma alguma, expor o que aconteceu entre Gabriel e Vitória. Só queria poupar o Sr. Henrique daquele con
As refeições estavam encomendadas, mas Rafael teve o cuidado de dizer que vinham da família Pereira, não diretamente do Sr. Gabriel.Temia que, se Beatriz soubesse a verdadeira origem, jogasse tudo no lixo sem pensar duas vezes.No hospital, Beatriz terminou a refeição com calma.Nutritiva, equilibrada... Claramente algo escolhido pela família Pereira. Provavelmente ideia do Sr. Henrique.Mas algo a incomodava.Será que Gabriel havia comentado com o avô sobre sua internação?Olhou o celular. Nenhuma mensagem de Henrique.Ela também não havia contado nada diretamente, para evitar que descobrissem a gravidade do ferimento.Na verdade, aqueles dias estavam sendo surpreendentemente tranquilos.Durante o dia, assistia vídeos de treinamento, lia materiais e praticava escrita, queria garantir que, ao sair dali, estaria pronta para enfrentar o mercado de trabalho.Sem precisar ver Gabriel, seu humor havia melhorado visivelmente.O efeito das refeições saudáveis também começava a aparecer em su
Vitória então começou a comandar a mudança.Não conseguiu ficar na suíte principal, mas... Conseguir tirar a Beatriz do próprio quarto já era, pra ela, uma vitória e tanto.Enquanto elas movimentavam as coisas da Beatriz, Gabriel franziu a testa. Algo dentro dele incomodava.Entrou no quarto e viu a assistente tentando abrir um armário trancado.Sem dizer nada, aproximou-se e, com a força de um homem impaciente, arrebentou o fecho em poucos segundos. A tranca interna ficou torta, inutilizada.Lá dentro, quase nada: apenas um pequeno caderno azul-claro.Gabriel pegou o caderno e, ao abrir a primeira página, entendeu na hora o que era.— Quem é que ainda escreve diário hoje em dia... — Murmurou, com um leve sorriso de desprezo nos lábios.Mesmo assim, não resistiu. Os dedos começaram a virar as páginas, curioso.Antes que pudesse ler, uma mão apareceu por cima do ombro e puxou o caderno de suas mãos:— Não é certo espiar o diário de uma garota, Gabi. — Vitória disse, com um sorriso doce,
— E aí... Gostou da sopa? Tá boa? — Vitória perguntou, com os olhos cheios de expectativa.Ela sabia muito bem o que estava servindo, tinha pedido delivery de um restaurante famoso, escolhendo o cardápio cuidadosamente para agradar a Gabriel, tentando conquistar o estômago dele.— Tá boa, Vi. Você cozinha muito bem. — Gabriel respondeu, depois de provar uma colherada.Mas, na verdade, a sopa era pesada, gordurosa... E tinha aquele sabor artificial típico de cozinha industrial.Ele sentia falta da leveza dos pratos que Beatriz preparava. Um gosto caseiro, limpo, cheio de carinho, completamente diferente de qualquer coisa que viesse de fora.— Que bom que gostou! Então vou preparar para você todos os dias! — Vitória sorriu, animada.Mas, ao ouvir aquele “todos os dias”, Gabriel engoliu a sopa com certo esforço, apoiou a colher na tigela e falou num tom calmo, mas firme:— Amanhã vou buscar seus documentos. Depois disso, você pode ficar hospedada em um dos hotéis da minha empresa. Nenhum
Embora o assunto tivesse saído rapidamente dos trending topics, do lado da família Pereira, o Sr. Henrique acabou descobrindo. Logo cedo, ligou furioso, exigindo explicações.Naquele momento, Gabriel estava a caminho do trabalho e, do outro lado da linha, levou uma bronca daquelas, sem chance de defesa.— A Bia é uma menina tão boa! Você acha mesmo que está sendo justo com ela? — O avô ralhou, a voz carregada de decepção. — Dois anos de dedicação, Gabriel! Dois anos... E você nem enxerga?Gabriel apertou os lábios. "Dedicação?" Cozinhar de vez em quando? Lavar roupa na máquina? A casa limpa por um robô? No fundo, era ele quem sustentava tudo, há dois anos.E além disso... Cadê a gratidão? Ontem mesmo ela deu a ele um tapa na cara.— Se você não souber valorizar... Depois não venha se arrepender! — O velho continuava, o tom pesado. — E agora, só falta pouco mais de duas semanas...Gabriel perdeu a paciência. Cortou a conversa, impaciente:— Estou dirigindo, vô. Melhor a gente não f
Gabriel a segurou firme, mas, naquele momento, a alça da blusa dela escorregou suavemente.Do ângulo em que estava, ele viu a curva delicada do busto, o tecido moldando suavemente os contornos. No centro daquele vale tentador, ainda havia marcas suaves, traços de desejo deixados por ele na noite anterior. E o pior... Aquela roupa era da Beatriz.De repente, um sentimento estranho tomou conta dele, como se estivesse traindo Beatriz bem na frente dela. Um arrepio subiu pela palma da mão e, desconcertado, ele virou o rosto rapidamente.— Gabi, segura minha mão esquerda... Quero lavar o rosto — Pediu Vitória, levantando os olhos para ele.Gabriel apenas torceu a toalha e a entregou, sem dizer uma palavra.Vitória enxugou o rosto, apoiando-se na pia, tentando ficar de pé sozinha.— Já estou melhor... Obrigada. Você pode ir... — Começou a dizer, mas antes de terminar, cambaleou outra vez.Dessa vez, Gabriel já esperava. Num movimento rápido, quase instintivo, a envolveu pela cintura, seguran
Ao pensar nisso, Beatriz mordeu o lábio com força.Se culpava por não ter rasgado e queimado aquele diário antes…Mas, por sorte, lembrava-se de tê-lo trancado na gaveta. Vitória não conseguiria abrir.Respirou fundo, forçando-se a manter a calma.Quando estava prestes a desligar o celular, uma notificação apareceu na tela.O título gritava:[O herdeiro da família Pereira aparece em desfile e sobe na passarela por sua musa!]Beatriz ficou olhando para a tela por alguns segundos.O herdeiro da família Pereira… Quem mais poderia ser, senão o Gabriel?Seus olhos deslizaram automaticamente até a palavra “musa”.Sem perceber, já tinha clicado na notícia.A primeira imagem era nítida: Gabriel, segurando uma mulher nos braços, num clássico colo de princesa.Ela estava aninhada contra o peito dele, como se aquele fosse o lugar mais seguro do mundo.Beatriz reconheceu o rosto de lado na hora, era Vitória.Continuou rolando a tela.Mais fotos. Close no olhar protetor de Gabriel, o rosto tenso de
— E agora? — A voz de Vitória saiu embargada. — Meus documentos estão todos na bolsa… Não posso ir para outro hotel sem eles.Gabriel ficou em silêncio por alguns segundos, depois respondeu com firmeza:— Vamos para minha casa.Vitória hesitou por um momento. Baixou a cabeça, assumindo um ar humilde e contido:— Não sei se é o certo… Não quero ser o motivo de mais brigas entre você e a Bia.Gabriel soltou um suspiro impaciente:— Ela não tem do que reclamar. A casa é minha. Quem entra ou fica lá, decido eu.As palavras dele foram frias, cortantes.Vitória ainda tinha o rosto molhado pelas lágrimas, mas diante da atitude decidida de Gabriel, não insistiu. Fingiu uma última resistência tímida, que ele ignorou por completo, conduzindo-a diretamente ao condomínio.No elevador, Vitória caminhava atrás dele. Quando chegaram ao andar, ela discretamente passou o dedo pelo pescoço, esfregando com força a base da maquiagem até deixar à mostra, de propósito, a marca de uma chupada.A porta do apa
Os olhos do diretor do evento brilharam na hora. Ele adorava lidar com gente objetiva e generosa. Sorriu, todo simpático:— Sem nenhum prejuízo. Situações inesperadas acontecem… Quando a Srta. Vitória estiver recuperada, a passarela vai estar sempre aberta pra ela.Gabriel se levantou e, com elegância, entregou o cartão do seu assistente. Em seguida, foi até Vitória para ajudá-la.Quando percebeu que ela mancava e quase caiu de novo, não pensou duas vezes, tomou-a nos braços mais uma vez, carregando-a como uma princesa.Vitória, corada, aninhou-se contra o peito dele, passando os braços em volta do seu pescoço com um ar de fragilidade encantadora.Do lado de fora...Os fotógrafos mais rápidos já estavam estrategicamente posicionados. Assim que Gabriel saiu do prédio com Vitória nos braços, os flashes começaram a pipocar.Assustada, Vitória escondeu o rosto contra o peito dele, como se buscasse proteção.A voz de Gabriel soou fria e autoritária:— Apaguem essas fotos agora… Ou se prepar
A inveja crescia dentro dela, descontrolada, feroz. Vitória sabia, precisava agir rápido.No quarto do hospital.Beatriz franziu a testa. Não queria gastar energia pensando na última frase de Gabriel. Em vez disso, abriu o aplicativo de mensagens e viu a transferência que ele tinha feito.Sessenta mil reais. Na descrição: despesas da cirurgia.Sem hesitar, devolveu o dinheiro na mesma hora. Se não fizesse isso agora, tinha certeza de que ouviria cobranças depois, na hora do divórcio.Primeira fila do evento.Gabriel percebeu que Beatriz havia recusado o dinheiro. Mandou uma mensagem, perguntando o motivo. Ela respondeu, seca:[Não vou fazer cirurgia. Não preciso.][Mas você vai ficar internada. Pelo menos use para as despesas.]Beatriz leu a mensagem e respondeu, sem rodeios:[É pouco dinheiro. Eu posso pagar sozinha.]Depois disso, bloqueou a tela do celular, largou-o de lado e não olhou mais.Gabriel enviou mais mensagens. Primeiro, perguntando quanto era esse "pouco dinheiro". Depoi