Com os Dias Contados, a Sra. Lívia Tomou o Lugar da Inesquecível

— Desculpe, Srta. Lívia, você perdeu o melhor momento para a cirurgia.

Lívia ficou parada por um longo tempo, com o laudo do câncer de útero em mãos, até finalmente ligar para o secretário de Gilson Luz, Zeca Costa.

O telefone tocou por um bom tempo até que alguém atendesse. A voz, como sempre, era lenta e indiferente:

— Srta. Lívia, em que posso ajudá-la?

Lívia apertou os dedos rígidos e, com a voz tensa, perguntou:

— Onde está o Gilson? Preciso falar com ele.

Zeca respondeu:

— O Sr. Luz está ocupado no momento e não pode atender.

— Você pode pedir para ele atender a ligação?

Antes que Zeca tivesse tempo de responder, Lívia ouviu uma voz suave do outro lado da linha:

— Gilson, o que é esse mistério todo? Qual a surpresa?

— Olhe para cima.

Lívia reconheceu imediatamente a voz profunda e familiar, mas também soubera que esse tom de suavidade jamais seria dirigido a ela.

No instante seguinte, Zeca desligou o telefone sem hesitar.

Ao mesmo tempo, uma explosão ecoou do outro lado do porto. Lívia olhou para cima, pálida.

Do outro lado, os fogos de artifício subiam ao céu, iluminando a noite azul-escura com cores deslumbrantes, entrelaçando-se como nas lendas, tão bonitos quanto sempre imaginaram.

Na frente do hospital, uma multidão estava agitada.

— Você soube? Foi o Gilson Luz da Grupo Azulbrasil que organizou esse show de fogos de artifício para o aniversário da namorada dele. Ele gastou dois milhões de reais só nessa noite!

— Ela é a Sônia Nunes! Doutora pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia, uma das melhores profissionais do país, disputada pelas maiores empresas. Ela é incrível, linda e com uma família de peso, e o namorado é lindo e super capaz!

— Não é à toa que o Gilson é tão apaixonado por ela. Uma namorada dessas realmente dá prestígio!

Lívia ficou observando os fogos de artifício com um olhar distante, até que, finalmente, a mão que segurava o laudo médico relaxou lentamente, deixando o papel leve cair no chão.

Ela se virou e foi embora.

De madrugada, quando Gilson chegou em casa, percebeu que Lívia estava na sala de estar, sem nenhuma luz acesa.

O homem levantou a mão e ligou a luz, franzindo a testa:

— Por que ainda está acordada?

Lívia levantou os olhos para ele, que estava com o casaco jogado sobre o braço, os olhos negros e profundos fixados nela, com a mesma expressão fria de sempre.

Ela sempre achou que ele fosse indiferente por natureza, mas hoje ela entendeu que a "frieza" ao seu lado era, na verdade, o "fogo" no coração de outra pessoa.

— Não consigo dormir. — Ela disse suavemente.

— Fui ao hospital hoje.

Gilson jogou o casaco no sofá, parecendo não se importar muito:

— O que o médico disse?

Lívia havia reclamado nos últimos tempos de dores no abdômen, e ele havia prometido acompanhá-la ao hospital para os exames, mas sempre adiava.

Ou era um contrato de bilhões de reais, ou um projeto com problemas difíceis de resolver.

Na verdade, ele havia prometido ir ao hospital com Lívia, mas como Sônia conseguiu esconder o aniversário dela?

Ele correu da empresa para lá, mas só teve tempo de lançar os fogos de artifício.

Realmente, ele não teve tempo para Lívia.

— Não é nada, é só esperar mais um pouco. — Lívia abaixou os olhos: — Por que você voltou pra casa hoje?

Gilson ficou em silêncio por alguns segundos antes de se aproximar.

Ele a puxou para seus braços, a respiração quente tocando o pescoço dela, e a voz saiu rouca:

— Esses dias são o seu período fértil.

— Pra dar um herdeiro à família Luz, a gente combinou que nesses dias do mês dormiríamos juntos. Esqueceu?

O cheiro intenso de perfume feminino na roupa dele era como uma bala atravessando o último fio de dignidade que Lívia ainda segurava.

Gilson não estava errado. Estavam casados há três anos, e ele sempre foi frio com ela. Só cedia quando a avó de Gilson tocava no assunto de “dar continuidade ao sangue da família”, e mesmo assim, com total relutância.

Ela ficou um pouco zonza. Ter um filho? Agora parecia impossível.

Lívia sempre foi uma mulher doce e obediente. Mas naquela noite, algo dentro dela simplesmente... quebrou.

— Gilson, dormir comigo, não tem medo da sua namorada ficar com ciúmes?

Seus olhos brilhavam na escuridão como os de um animalzinho acuado que, finalmente, mostrou os dentes.

Gilson a encarou e viu que ela falava sério. Seus olhos escureceram.

Por alguns segundos, ficou em silêncio. Depois soltou uma risada — curta, sem nenhum traço de afeto.

— Medo do quê? Nosso casamento é escondido. Você é quem não pode ser tornada pública.

— Se escolheu ser coadjuvante... então por que ainda quer tratamento de protagonista?