Uma seqüência de erros.
Bebera durante o jantar. Fôra pouco, mas não deveria ter bebido para depois dirigir.
Uma ultrapassagem no momento errado.
Uma manobra imprudente.
Miguel estava discutindo com Helena por ela ter reclamado dele ter bebido e não deixá-la dirigir.
O pequeno desentendimento virara rapidamente uma acalorada discussão.
Movido pela irritação e, provavelmente, pelo álcool no sangue, ele passou a dirigir mais rápido. Quanto mais Helena reclamava, mais irritado ele ficava e mais rápido dirigia.
Até aquela fatídica ultrapassagem.
Um motorista ainda mais alcoolizado que ele. E a tragédia se fez presente pela segunda vez na vida de Miguel.
Isso não pode estar acontecendo de verdade!Zeca não podia acreditar no que seus olhos viam ao vislumbrar aquela foto que estava em suas mãos.Sua mente retrocedeu até o dia das mortes trágicas de Everaldo e do tio Izaque.Após se ver bruscamente proibido pelo pai de ter qualquer contato com seu irmão, e vendo todo o desespero da sua família perante tão trágico acontecimento, Zeca se via perdido, desamparado e sem ter com quem conversar.Ligou para a única pessoa que, com certeza, estava isenta e de cabeça fria naquele momento: Helena.Disse-lhe, quando ela atendeu, que sabia que eles mal se conheciam e que, ele não deveria incomodá-la com suas tragédias pessoais, mas que não tinha mais a quem recorrer.-Mas o que aconteceu?Zeca contou-lhe sobre os acontecimentos funestos daquela noite e, ao terminar, ouviu Helena soluçar histericamente do outro lado da linha.-Zeca – disse-lhe finalmente – Preciso te contar uma coisa...-O que?
- Então é isso? É assim que acaba? Eu morro sem me livrar da angústia de ter escondido segredos de meu irmão? Morro sem poder avisá-lo do perigo iminente que ele corre?-Não tenho essa resposta pra te dar.-Isso não é justiça! Eu me recuso a aceitar tal destino. Meu irmão precisa saber o que está acontecendo!-Não depende de você. Essa não é uma decisão sua.-Não vou deixar uma voz que nem existe de verdade me aconselhar sobre minha vida e meu destino!Então a escuridão começou a se dissipar e a sala de cirurgia se fez clara e presente.Pôde, por um breve momento, abrir os olhos e balbuciar algumas palavras para o médico.Palavras importantes e pesadas.-Diga a meu irmão! É meu último desejo.Em seguida a dor diminuiu e a sala sumiu.Em seu lugar a escuridão que se fazia doce e reconfortante.Agora podia descansar.Morreu com um pequeno sorriso nos lábios.
"Tudo está começando a se encaixar de forma assustadora.”Era o pensamento de Miguel enquanto saía da delegacia.Mas ainda havia algumas pontas soltas.O que o delegado Aníbal fazia por entre os arbustos no dia de seu regresso a Folhagem?Quem, na verdade, tinha tentado lhe matar? Com que motivo?Será que algo que Zeca iria lhe contar motivou o ataque?Seria uma revelação que prejudicaria alguém da cidade?Até onde Miguel sabia apenas o delegado andava armado na cidade. Seria o velho Aníbal o autor dos disparos? Se assim fosse, a pergunta permaneceria: por quê?Chegou à casa dos seus pais e estranhou a quietude. A residência estava vazia. Pegou a chave que estava guardada num vaso de plantas e entrou.“Deixam a chave no mesmo lugar desde que eu era criança” – pensou divertido.Em cima da mesa havia um envelope com seu nome.Abriu e leu. As letras estavam tremidas e traziam a pior noticia possível. Seu irmão Zeca havia
Dizem que, quando estamos morrendo, nossa vida passa em flashes em nossa mente.Helena lembrava apenas dos últimos meses entrecortados por lembranças de sua doce adolescência.E ambas as recordações remetiam aos homens de sua vida.Desde os últimos segundos quando discutia fervorosamente com Miguel por causa de sua mania de dirigir alcoolizado até um passado mais distante quando foi passar um final de semana numa pequena cidade chamada Folhagem.Quando Miguel fez aquela ultrapassagem equivocada motivada pela irritação e pela bebedeira e aquele caminhão de cerveja surgiu do nada e, de repente, ela viu o mundo ficar de cabeça pra baixo, essas recordações vieram a sua mente.Tudo numa fração de segundos.Chegara naquele pedaço de fim de mundo meio a contragosto a fim de fazer uma visita a uma pessoa muito especial que ali resi-dia e se encontrava enferma.Para Helena não importava o fato de elas duas não serem filhas da mesma mãe. Ela era sua q
Depois daquele infeliz telefonema onde soube que Everaldo tinha falecido juntamente com o pai e o subseqüente rompimento com José Carlos que a acusou de culpa no infeliz acidente, a vida de Helena, em principio, desmoronou. Mas, feridas são cicatrizadas e a vida continua, pois o tempo segue sua marcha e não nos dá espaço para lamentações eternas.As coisas seguiram seu curso natural e, Helena se não conseguiu esquecer José Carlos e de todas aquelas acusações, ao menos tentou continuar vivendo sem remorsos.Sua irmã, que posteriormente saiu de Folhagem e foi morar com ela, foi importantíssima nesse processo de recomeço.Mas a vida é um eterno carrossel que está sempre girando e nos trazendo de volta as mesmas paisagens sempre.Eis que, anos depois numa festa de casamento onde Helena compareceu muito a contragosto, aquela ao mesmo tempo do-ce e amarga visão voltou a acometê-la.Sentado solitário num sofá a bebericar algo que, no momento não fazia diferenç
O resto é história.Helena e Miguel conversaram, saíram, engataram posteriormente um namoro, noivaram, casaram, se amaram e do fruto desse amor, surgiu uma gravidez.Talvez por medo de perder mais uma vez o homem amado, talvez por medo de ser novamente acusada de, indiretamente ter causado a morte de Everaldo ou simplesmente por não querer revirar o passado...Independente dos motivos, Helena jamais contou a Miguel sobre seu passado em Folhagem, embora soubesse que por mais que adiasse, um dia teria que visitar a família do marido e que, nesse dia, reencontraria José Carlos.Temia as conseqüências desse encontro, pois desde que Miguel enviara uma foto dela para a família, José Carlos emudecera sobre o assunto.Era uma situação deveras angustiante. Acordar todos os dias na expectativa de ter sua vida arrasada pelo rancor do passado.No íntimo, Helena torcia por já ter sido perdoada por Zeca e que este não considerasse uma afronta seu relacionamento
Miguel correu do hospital, entrou no carro e acelerou até a casa dos pais. Lá chegando, entrou e a passos largos dirigiu-se ao quarto do irmão.“Cuidado com Joelma” – foram as últimas palavras de Zeca.Será que aquelas idéias tresloucadas que corriam por sua men-te, realmente tinham algum fundamento?Entrou no quarto, abriu o guarda-roupa e atirou as camisas pen-duradas uma a uma sobre a cama até achar a jaqueta que pro-curava. Quando finalmente a encontrou, meteu a mão no bolso e achou finalmente o pequeno diário de capa marrom.Abriu-o e constatou que não havia muitas páginas.Sentou-se no chão e começou a ler.Quanto mais lia as conclusões do irmão, mais fantástica achava aquela história toda.Ao terminar a leitura seus olhos faiscavam de ódio perante tão inescrupulosa traição.Saiu da casa e entrou no carro.Aproveitaria a forçada escolta policial que sempre lhe acompa-nhava quando chegasse ao seu destino.Tinha um luga
Felicidade.Essa era a emoção que a moça sentia ao sair da periferia de Folhagem rumo aquela cidade de Minas Gerais.Não iria para a capital era verdade. Mas, com certeza seria para um lugar maior e melhor que Folhagem.E já não era sem tempo. Morar na periferia de um fim de mundo daquele era o cúmulo.Pena que as circunstâncias não eram as melhores.Recentemente havia recebido a visita de sua meia-irmã em sua casa devido a uma doença que havia contraído.Nada de muito grave, mas, algo que merecia cuidado.Helena se disponibilizou a passar, ao menos, um final de semna em Folhagem para auxiliá-la no que precisasse.Ela prontamente aceitou.Amava a irmã com todas as forças e a tinha como a única pessoa querida e confiável no mundo. Por isso estar com ela era sem-pre uma situação agradável.No dia marcado para a chegada de Helena, esta demorou bem mais de chegar que o previsto e, quando chegou, surgiu radian-te de felicidade.A