O dia havia sido maravilhoso.
Existia ali uma empatia sem igual e Zeca estava maravilhado.
A moça tímida e prendada era uma simpatia de pessoa.
-Você está de mudança para Folhagem?
-Não. Vou ficar aqui alguns dias apenas.
Não demorou para que Zeca a pedisse em namoro e, demorou ainda menos para ela aceitar.
Estava tudo acontecendo muito rápido.
Mas era muito bom.
Beijaram-se e combinaram de se encontrar no final de semana na festa mais badalada da cidade.
-Mas eu queria te pedir um favor.
-Que seria?
-Não comente sobre nós com ninguém. Não quero ser mal falada na cidade. Não quero ser aquela menina que nem desarrumou a mala e já saiu pra caçar namorado. Não é essa fama que quero pra mim.
-Tudo bem.
-E mesmo lá na festa, gostaria que nos encontrássemos de forma discreta.
E assim combinaram.
Depois da festa, ele a levou para a rodoviária onde ela embarcou de volta para sua cidade natal.
Des
Uma seqüência de erros.Bebera durante o jantar. Fôra pouco, mas não deveria ter bebido para depois dirigir.Uma ultrapassagem no momento errado.Uma manobra imprudente.Miguel estava discutindo com Helena por ela ter reclamado dele ter bebido e não deixá-la dirigir.O pequeno desentendimento virara rapidamente uma acalorada discussão.Movido pela irritação e, provavelmente, pelo álcool no sangue, ele passou a dirigir mais rápido. Quanto mais Helena reclamava, mais irritado ele ficava e mais rápido dirigia.Até aquela fatídica ultrapassagem.Um motorista ainda mais alcoolizado que ele. E a tragédia se fez presente pela segunda vez na vida de Miguel.
Isso não pode estar acontecendo de verdade!Zeca não podia acreditar no que seus olhos viam ao vislumbrar aquela foto que estava em suas mãos.Sua mente retrocedeu até o dia das mortes trágicas de Everaldo e do tio Izaque.Após se ver bruscamente proibido pelo pai de ter qualquer contato com seu irmão, e vendo todo o desespero da sua família perante tão trágico acontecimento, Zeca se via perdido, desamparado e sem ter com quem conversar.Ligou para a única pessoa que, com certeza, estava isenta e de cabeça fria naquele momento: Helena.Disse-lhe, quando ela atendeu, que sabia que eles mal se conheciam e que, ele não deveria incomodá-la com suas tragédias pessoais, mas que não tinha mais a quem recorrer.-Mas o que aconteceu?Zeca contou-lhe sobre os acontecimentos funestos daquela noite e, ao terminar, ouviu Helena soluçar histericamente do outro lado da linha.-Zeca – disse-lhe finalmente – Preciso te contar uma coisa...-O que?
- Então é isso? É assim que acaba? Eu morro sem me livrar da angústia de ter escondido segredos de meu irmão? Morro sem poder avisá-lo do perigo iminente que ele corre?-Não tenho essa resposta pra te dar.-Isso não é justiça! Eu me recuso a aceitar tal destino. Meu irmão precisa saber o que está acontecendo!-Não depende de você. Essa não é uma decisão sua.-Não vou deixar uma voz que nem existe de verdade me aconselhar sobre minha vida e meu destino!Então a escuridão começou a se dissipar e a sala de cirurgia se fez clara e presente.Pôde, por um breve momento, abrir os olhos e balbuciar algumas palavras para o médico.Palavras importantes e pesadas.-Diga a meu irmão! É meu último desejo.Em seguida a dor diminuiu e a sala sumiu.Em seu lugar a escuridão que se fazia doce e reconfortante.Agora podia descansar.Morreu com um pequeno sorriso nos lábios.
"Tudo está começando a se encaixar de forma assustadora.”Era o pensamento de Miguel enquanto saía da delegacia.Mas ainda havia algumas pontas soltas.O que o delegado Aníbal fazia por entre os arbustos no dia de seu regresso a Folhagem?Quem, na verdade, tinha tentado lhe matar? Com que motivo?Será que algo que Zeca iria lhe contar motivou o ataque?Seria uma revelação que prejudicaria alguém da cidade?Até onde Miguel sabia apenas o delegado andava armado na cidade. Seria o velho Aníbal o autor dos disparos? Se assim fosse, a pergunta permaneceria: por quê?Chegou à casa dos seus pais e estranhou a quietude. A residência estava vazia. Pegou a chave que estava guardada num vaso de plantas e entrou.“Deixam a chave no mesmo lugar desde que eu era criança” – pensou divertido.Em cima da mesa havia um envelope com seu nome.Abriu e leu. As letras estavam tremidas e traziam a pior noticia possível. Seu irmão Zeca havia
Dizem que, quando estamos morrendo, nossa vida passa em flashes em nossa mente.Helena lembrava apenas dos últimos meses entrecortados por lembranças de sua doce adolescência.E ambas as recordações remetiam aos homens de sua vida.Desde os últimos segundos quando discutia fervorosamente com Miguel por causa de sua mania de dirigir alcoolizado até um passado mais distante quando foi passar um final de semana numa pequena cidade chamada Folhagem.Quando Miguel fez aquela ultrapassagem equivocada motivada pela irritação e pela bebedeira e aquele caminhão de cerveja surgiu do nada e, de repente, ela viu o mundo ficar de cabeça pra baixo, essas recordações vieram a sua mente.Tudo numa fração de segundos.Chegara naquele pedaço de fim de mundo meio a contragosto a fim de fazer uma visita a uma pessoa muito especial que ali resi-dia e se encontrava enferma.Para Helena não importava o fato de elas duas não serem filhas da mesma mãe. Ela era sua q
Depois daquele infeliz telefonema onde soube que Everaldo tinha falecido juntamente com o pai e o subseqüente rompimento com José Carlos que a acusou de culpa no infeliz acidente, a vida de Helena, em principio, desmoronou. Mas, feridas são cicatrizadas e a vida continua, pois o tempo segue sua marcha e não nos dá espaço para lamentações eternas.As coisas seguiram seu curso natural e, Helena se não conseguiu esquecer José Carlos e de todas aquelas acusações, ao menos tentou continuar vivendo sem remorsos.Sua irmã, que posteriormente saiu de Folhagem e foi morar com ela, foi importantíssima nesse processo de recomeço.Mas a vida é um eterno carrossel que está sempre girando e nos trazendo de volta as mesmas paisagens sempre.Eis que, anos depois numa festa de casamento onde Helena compareceu muito a contragosto, aquela ao mesmo tempo do-ce e amarga visão voltou a acometê-la.Sentado solitário num sofá a bebericar algo que, no momento não fazia diferenç
O resto é história.Helena e Miguel conversaram, saíram, engataram posteriormente um namoro, noivaram, casaram, se amaram e do fruto desse amor, surgiu uma gravidez.Talvez por medo de perder mais uma vez o homem amado, talvez por medo de ser novamente acusada de, indiretamente ter causado a morte de Everaldo ou simplesmente por não querer revirar o passado...Independente dos motivos, Helena jamais contou a Miguel sobre seu passado em Folhagem, embora soubesse que por mais que adiasse, um dia teria que visitar a família do marido e que, nesse dia, reencontraria José Carlos.Temia as conseqüências desse encontro, pois desde que Miguel enviara uma foto dela para a família, José Carlos emudecera sobre o assunto.Era uma situação deveras angustiante. Acordar todos os dias na expectativa de ter sua vida arrasada pelo rancor do passado.No íntimo, Helena torcia por já ter sido perdoada por Zeca e que este não considerasse uma afronta seu relacionamento
Miguel correu do hospital, entrou no carro e acelerou até a casa dos pais. Lá chegando, entrou e a passos largos dirigiu-se ao quarto do irmão.“Cuidado com Joelma” – foram as últimas palavras de Zeca.Será que aquelas idéias tresloucadas que corriam por sua men-te, realmente tinham algum fundamento?Entrou no quarto, abriu o guarda-roupa e atirou as camisas pen-duradas uma a uma sobre a cama até achar a jaqueta que pro-curava. Quando finalmente a encontrou, meteu a mão no bolso e achou finalmente o pequeno diário de capa marrom.Abriu-o e constatou que não havia muitas páginas.Sentou-se no chão e começou a ler.Quanto mais lia as conclusões do irmão, mais fantástica achava aquela história toda.Ao terminar a leitura seus olhos faiscavam de ódio perante tão inescrupulosa traição.Saiu da casa e entrou no carro.Aproveitaria a forçada escolta policial que sempre lhe acompa-nhava quando chegasse ao seu destino.Tinha um luga