- O que você está fazendo?
Miguel continuava a dar passos pra trás até ser obrigado a encostar-se à parede.
-Não se faça de bobo Miguel.
O véu da inocência estava caindo naquele momento.
Realmente agora tudo se fazia óbvio.
-Eu quero – falou Everaldo aproximando-se ainda mais – E se você não quisesse não teria me acompanhado até um lugar escuro, reservado e deserto a essa hora sabendo de minha opção sexual.
-Você está misturando as coisas primo – falou Miguel enquanto tentava se esquivar do avanço do primo.
Everaldo tomava-lhe o caminho.
-Não estou não.
-Está sim! – gritou Miguel empurrando-o.
A expressão facial de Everaldo modificou-se repentinamente.
O olhar de desejo transformou-se em olhar de ódio.
-Isso já não importa mais. Aqui estamos e vamos fazer o que eu desejo senão...
-Senão o quê?
-Toda a cidade vai saber o que você fez mesmo sem ter feito nada. Imagine o que titia e titio com todo seu p
Miguel sentiu-se um pouco acuado com a atitude agressiva do delegado.-A verdade Miguel. Aquela que seu pai ocultou de todo mundo.A verdade.Seu pai realmente tentou ocultar de todos uma verdade que nem ele conhecia.Sua mente voltou àquela fatídica noite onde tudo deu errado.-Muito bem delegado, vou contar o que aconteceu realmente.-Sou todo ouvidos.Miguel não era cara de andar brigando. Provavelmente nunca tinha brigado na vida.E era com isso que Everaldo contava naquele mo-mento, pois fisicamente era inferior ao primo.Mas depois de sofrer tanta chacota, tinha que aprender a se defender. E foi com esse pensamento que achou levar vantagem sobre um primo quando este reagiu ao seu assédio.Mas não era bem assim. A falta de prática em brigas de Miguel era compensada pela maior força física.Os dois rapazes se atracaram no salão mal iluminado pelas velas.Apesar de ter mais massa muscular, Miguel n
- Então foi isso que aconteceu?-Sim. Foi exatamente isso, delegado. Agora me diga o que isso tem a ver com o fato de terem tentado me matar.-Ainda não sei. Mas sinto que tem uma ligação.-Há quanto tempo está investigando isso?-Eu sempre soube da maioria dos detalhes. Apenas encontrava algumas pontas soltas e, em consideração a amizade que tenho por seu pai, nunca me dediquei a investigar a fundo.-Então, o que fazia no meio dos arbustos no dia da festa de minha chegada?-Do que você está falando?-Eu fui usado como alvo por algum maluco e meu irmão está entre a vida e a morte num hospital agora! Então é minha vez de falar, não me faça perder tempo!-Respeite-me que não sou um qualquer, sou uma autoridade!-Uma autoridade que ainda não respondeu a uma pergunta simples.-E nem vou responder! Estava em missão policial e não tenho que te dar detalhes de nada!-Muito bem, delegado – falou levantando-se – Mas saiba que
- Não posso morrer ainda. Tenho que avisar Miguel.-E quem lhe deu essa certeza que você vai morrer?-Não vou?-Quem me daria essa certeza?-Todos esses enigmas estão me cansando. Já sei quem é você e sei quem atirou em Miguel. Só não entendo muito bem o motivo.-Isso eu não posso revelar.-Por que não?-Sou apenas um fragmento de recordação de sua mente. Não sou real e não possuo respostas que estão fora de seu cérebro.-Então você é apenas um estado de consciência?-Por assim dizer.-Tenho dificuldades pra respirar. O que está acontecendo?-Temo que você esteja morrendo.-A idéia agora não parece tão aterrorizante. Ia acontecer de qualquer jeito. Só lamento por não poder avisar Miguel do que está por vir.-É só o que resta mesmo: lamentar.
Zeca já estava ficando impaciente.Tudo que ele queria era encontrar sua musa á sós.Mas, por algum incompreensível motivo, Miguel não saíra do seu pé durante toda a festa.A moça era muito tímida e estava de passagem pela cidade.Os dois se afeiçoaram assim que tiveram o primeiro contato na rodoviária.Ele passara lá apenas para fazer um lanche num daqueles dias enfadonhos e comuns em Folhagem.Enquanto bebia um refrigerante, olhava as pessoas que subiam e desciam dos ônibus que chegavam de outras cidades.De um desses ônibus, ela desceu.Com uma pequena mala e toda a timidez do mundo.Fôra um momento mágico para Zeca.Ao avistar tamanha formosura, o rapaz sentiu-se extasiado.Caminhou até ela.-Precisa de ajuda com a bagagem?-Obrigada. É pequenininha, mas um tanto quanto pesada.-Então me permita ajudá-la.-Isso é cavalheirismo ou você trabalha aqui na rodoviária? Porque vou logo lhe avisand
Se existe uma coisa mais odiosa que atrasos, nunca mostraram a ele.Já passara da hora de resolver essa questão e, apesar do assunto ser de uma urgência e seriedade desmedida, a pessoa mais interessada, ainda assim se atrasava.Ele sentia-se insultado com esse atraso, afinal tratava-se se um homicídio.Só o fato de ele ter deixado claro saber da culpa da outra pessoa, já era motivo para que esta mostrasse um interesse maior.Quanto mais demorava menos culpado ele se sentia por estar fazendo aquela chantagem.Sua idade não permitia mais certos caprichos emocionais, porém ele tinha que admitir de si para si mesmo que estava ansioso.Se suas ameaças surtissem efeito, ele finalmente teria o que sonhara nos últimos anos.Olhou para o relógio de forma impaciente.Aquela cabana não era nem de longe o lugar mais confortável do mundo.Nem energia elétrica tinha e o sinal de celular era praticamente inexistente.Não havia muito que f
E assim foi feito: o pai dera-lhe um endereço e, tudo que Zeca podia fazer era escrever para o irmão.E foi o que ele fez.Escreveu e, posteriormente quando Miguel se estabeleceu e adquiriu uma linha telefônica, ele telefonou e assim mantiveram um distante contato durante alguns anos.Visitar o irmão era muito difícil, pois o pai não permitia.Certamente não queria que Zeca soubesse pela boca de Miguel o que realmente havia ocorrido naquela trágica noite.Sempre que tentara tocar no assunto por telefone, o irmão dizia que ainda não estava pronto pra falar.Por isso, em respeito aos sentimentos do irmão, Zeca resolveu enterrar aquele assunto.Até por que, os anos foram passando e a tragédia juntamente com todo mistério que a cercava, foi perdendo o interesse.Para Zeca, os anos passaram sem tantas novidades.Mas, quando elas aconteceram, vieram em cascata.Primeiro, um inesperado e repentino telefonema de seu irmão comunican
Era realmente um dia especial.Miguel retornara para Folhagem. A óbvia alegria que Zeca sentia pelo reencontro com seu irmão gêmeo era abalada pelo momento. Pelo péssimo momento.Como contar para o irmão tudo que ele escondera por todos es-ses anos?A descoberta da sua doença, que já seria muito difícil de compartilhar com o irmão, se apequenava ante a revelação que teria que fazer sobre Helena.No fundo era uma bobagem que se agigantou por não ter sido revelada antes.Em respeito à memória da falecida esposa de Miguel, Zeca ainda não se decidira se devia ou não lhe contar.Mas, eles tinham um acordo silencioso de nunca esconder nada importante um do outro. E aquilo havia se tornado importante.Teve uma profunda dificuldade para rever o irmão por causa do câncer terminal que sofria.Não queria que Miguel o visse daquele jeito.Já sem cabelos devido ao tratamento e visivelmente abatido e magro.Sofreu muito quando abraçou o
O dia havia sido maravilhoso.Existia ali uma empatia sem igual e Zeca estava maravilhado.A moça tímida e prendada era uma simpatia de pessoa.-Você está de mudança para Folhagem?-Não. Vou ficar aqui alguns dias apenas.Não demorou para que Zeca a pedisse em namoro e, demorou ainda menos para ela aceitar.Estava tudo acontecendo muito rápido.Mas era muito bom.Beijaram-se e combinaram de se encontrar no final de semana na festa mais badalada da cidade.-Mas eu queria te pedir um favor.-Que seria?-Não comente sobre nós com ninguém. Não quero ser mal falada na cidade. Não quero ser aquela menina que nem desarrumou a mala e já saiu pra caçar namorado. Não é essa fama que quero pra mim.-Tudo bem.-E mesmo lá na festa, gostaria que nos encontrássemos de forma discreta.E assim combinaram.Depois da festa, ele a levou para a rodoviária onde ela embarcou de volta para sua cidade natal.Des