Não apenas frustrado. Miguel se sentia traído pela omissão de informações por parte de seu irmão.
Afinal, todos tinham direito a guardar seus segredos, mas uma coisa boba como contar-lhe quem era aquela menina com a qual Zeca tinha saído durante a festa de aniversário do vereador, era algo que um irmão podia contar ao outro.
Afinal, eram gêmeos!
Deveria haver uma dose extra de confiança entre eles.
E essa de levar a menina na rodoviária sem que ele, ao menos a conhecesse, havia chateado Miguel.
Remoeu isso por boa parte da noite. O relógio já apontava onze da noite e ele não conseguia dormir.
O irmão já dormira há algum tempo.
Levantou-se, trocou de roupa e saiu.
Caminhou pela rua até chegar à casa da tia Renata.
De longe, vislumbrou o vulto de uma determinada figura que também aparentava estar sem vontade de dormir.
Era o primo Everaldo.
Sujeito esquisito, solitário e tido como ovelha negra por boa parte da família p
Aquela falha foi imperdoável. Sabia que os dois irmãos se amavam, mas não imaginava que um fosse se sacrificar daquela forma pelo outro.Sua vingança fôra adiada. Mas, com certeza, criaria outra situação para consumar o ato de matar aquela pessoa que era fruto de seu ódio e desprezo.Porém, seu problema agora era outro.Uma pessoa que seria muito mais difícil, para não dizer quase impossível de eliminar, parecia de alguma forma ter descoberto seu estratagema.Ali estavam frente a frente na velha cabana.-Estou armado – começou seu interlocutor – Então não tente nenhuma gracinha. Garanto que não sou como aqueles dois moleques idiotas.-Não entendo o porquê desta sua observação. Que gracinha eu tentaria? E esse papo de estar armado? Não sei o que você está pensando de mim, mas garanto que...-Chega dessa baboseira! Não me trate como criança e não nos faça perder um tempo que não temos!-Não sei do que você está falando.-Então vou
- O que tem o primo Everaldo?-Não sabia que você tinha Alzheimer, Miguel.-O que eu não tenho é tempo e disposição para ironias, delegado.-Não vou me desculpar por fazer um comentário irônico sobre uma pergunta de resposta tão óbvia.-Se o senhor puder ser mais direito, nos poupará tempo. Temos outros assuntos a tratar.-Falo sobre seu primo e sobre o motivo do senhor ter ido embo-ra dessa cidade tempos atrás. Sei que uma coisa está relacionada à outra.-O que insinua?-Olha aqui Miguel, eu te vi de fraldas então não me desrespeite sendo cínico comigo. Não fui uma testemunha ocular, mas sou amigo de longa data de seu pai e sei com detalhes o que aconteceu no dia do incêndio.-Todos na cidade sabem.-Que seu primo estava bêbado e invadiu a igreja, acendeu as velas, caiu sobre a mesa, causou o maior incêndio que essa cidade já viu e que você, heroicamente entrou lá para tentar salvá-lo e não conseguiu?-Como consta nos auto
- O que você está fazendo?Miguel continuava a dar passos pra trás até ser obrigado a encostar-se à parede.-Não se faça de bobo Miguel.O véu da inocência estava caindo naquele momento.Realmente agora tudo se fazia óbvio.-Eu quero – falou Everaldo aproximando-se ainda mais – E se você não quisesse não teria me acompanhado até um lugar escuro, reservado e deserto a essa hora sabendo de minha opção sexual.-Você está misturando as coisas primo – falou Miguel enquanto tentava se esquivar do avanço do primo.Everaldo tomava-lhe o caminho.-Não estou não.-Está sim! – gritou Miguel empurrando-o.A expressão facial de Everaldo modificou-se repentinamente.O olhar de desejo transformou-se em olhar de ódio.-Isso já não importa mais. Aqui estamos e vamos fazer o que eu desejo senão...-Senão o quê?-Toda a cidade vai saber o que você fez mesmo sem ter feito nada. Imagine o que titia e titio com todo seu p
Miguel sentiu-se um pouco acuado com a atitude agressiva do delegado.-A verdade Miguel. Aquela que seu pai ocultou de todo mundo.A verdade.Seu pai realmente tentou ocultar de todos uma verdade que nem ele conhecia.Sua mente voltou àquela fatídica noite onde tudo deu errado.-Muito bem delegado, vou contar o que aconteceu realmente.-Sou todo ouvidos.Miguel não era cara de andar brigando. Provavelmente nunca tinha brigado na vida.E era com isso que Everaldo contava naquele mo-mento, pois fisicamente era inferior ao primo.Mas depois de sofrer tanta chacota, tinha que aprender a se defender. E foi com esse pensamento que achou levar vantagem sobre um primo quando este reagiu ao seu assédio.Mas não era bem assim. A falta de prática em brigas de Miguel era compensada pela maior força física.Os dois rapazes se atracaram no salão mal iluminado pelas velas.Apesar de ter mais massa muscular, Miguel n
- Então foi isso que aconteceu?-Sim. Foi exatamente isso, delegado. Agora me diga o que isso tem a ver com o fato de terem tentado me matar.-Ainda não sei. Mas sinto que tem uma ligação.-Há quanto tempo está investigando isso?-Eu sempre soube da maioria dos detalhes. Apenas encontrava algumas pontas soltas e, em consideração a amizade que tenho por seu pai, nunca me dediquei a investigar a fundo.-Então, o que fazia no meio dos arbustos no dia da festa de minha chegada?-Do que você está falando?-Eu fui usado como alvo por algum maluco e meu irmão está entre a vida e a morte num hospital agora! Então é minha vez de falar, não me faça perder tempo!-Respeite-me que não sou um qualquer, sou uma autoridade!-Uma autoridade que ainda não respondeu a uma pergunta simples.-E nem vou responder! Estava em missão policial e não tenho que te dar detalhes de nada!-Muito bem, delegado – falou levantando-se – Mas saiba que
- Não posso morrer ainda. Tenho que avisar Miguel.-E quem lhe deu essa certeza que você vai morrer?-Não vou?-Quem me daria essa certeza?-Todos esses enigmas estão me cansando. Já sei quem é você e sei quem atirou em Miguel. Só não entendo muito bem o motivo.-Isso eu não posso revelar.-Por que não?-Sou apenas um fragmento de recordação de sua mente. Não sou real e não possuo respostas que estão fora de seu cérebro.-Então você é apenas um estado de consciência?-Por assim dizer.-Tenho dificuldades pra respirar. O que está acontecendo?-Temo que você esteja morrendo.-A idéia agora não parece tão aterrorizante. Ia acontecer de qualquer jeito. Só lamento por não poder avisar Miguel do que está por vir.-É só o que resta mesmo: lamentar.
Zeca já estava ficando impaciente.Tudo que ele queria era encontrar sua musa á sós.Mas, por algum incompreensível motivo, Miguel não saíra do seu pé durante toda a festa.A moça era muito tímida e estava de passagem pela cidade.Os dois se afeiçoaram assim que tiveram o primeiro contato na rodoviária.Ele passara lá apenas para fazer um lanche num daqueles dias enfadonhos e comuns em Folhagem.Enquanto bebia um refrigerante, olhava as pessoas que subiam e desciam dos ônibus que chegavam de outras cidades.De um desses ônibus, ela desceu.Com uma pequena mala e toda a timidez do mundo.Fôra um momento mágico para Zeca.Ao avistar tamanha formosura, o rapaz sentiu-se extasiado.Caminhou até ela.-Precisa de ajuda com a bagagem?-Obrigada. É pequenininha, mas um tanto quanto pesada.-Então me permita ajudá-la.-Isso é cavalheirismo ou você trabalha aqui na rodoviária? Porque vou logo lhe avisand
Se existe uma coisa mais odiosa que atrasos, nunca mostraram a ele.Já passara da hora de resolver essa questão e, apesar do assunto ser de uma urgência e seriedade desmedida, a pessoa mais interessada, ainda assim se atrasava.Ele sentia-se insultado com esse atraso, afinal tratava-se se um homicídio.Só o fato de ele ter deixado claro saber da culpa da outra pessoa, já era motivo para que esta mostrasse um interesse maior.Quanto mais demorava menos culpado ele se sentia por estar fazendo aquela chantagem.Sua idade não permitia mais certos caprichos emocionais, porém ele tinha que admitir de si para si mesmo que estava ansioso.Se suas ameaças surtissem efeito, ele finalmente teria o que sonhara nos últimos anos.Olhou para o relógio de forma impaciente.Aquela cabana não era nem de longe o lugar mais confortável do mundo.Nem energia elétrica tinha e o sinal de celular era praticamente inexistente.Não havia muito que f