— Domício, vamos começar de novo? Finge que você nunca foi casado... e eu finjo que nunca te deixei. Eu te amo de verdade...Anabela percebeu que o semblante de Domício tinha ficado sombrio, então suavizou o tom, com aquela voz mansa que ela sempre usava pra dobrá-lo.Em consolar o Domício, Anabela era uma artista. E ele... sempre caía direitinho.Já eu, mesmo quando fazia de tudo pra agradá-lo nos momentos de raiva, nunca ganhava nem um sorriso em troca.Amar e não amar... é tão óbvio. E o pior? Eu só enxerguei isso depois que morri.Aquele homem que pra mim só tinha frieza, se derretia por outra. E todos os limites que ele me impunha, com ela se tornavam flexíveis, maleáveis, descartáveis.A dor se espalhou no meu peito como agulhas finas, incessantes. Mas agora... agora tanto fazia. Já não me importava com as mentiras da Anabela, nem com o desprezo do Domício.— Você acabou de sair do hospital, é melhor descansar. — Domício respondeu, desviando do assunto. Se afastou do abraço e sai
A enfermeira, depois de soltar aquelas palavras como uma bomba, virou as costas e foi embora sem esperar resposta.Domício ficou parado, como uma estátua. O celular ainda na mão, os olhos vidrados, sem piscar.Talvez… talvez naquele momento ele tenha se lembrado do meu último telefonema, eu chorando de dor naquela mesa cirúrgica. Talvez tenha revivido a imagem do Leo, cruzando com ele no corredor, com meu corpo coberto por um lençol branco.Mas ao invés de ir até o necrotério, ou ao menos confirmar o que ouviu… Domício correu feito um louco — direto para o apartamento da Anabela.E eu… só consegui rir. Rir de mim mesma.Achei que a notícia da minha morte ao menos causaria culpa. Remorso. Um traço de dor. Mas nem morta eu fui capaz de competir com Anabela. Nem morta.Só que, ao chegar no prédio, a porta do apartamento estava entreaberta. Domício parou. E foi aí que ouviu.— Já deu, né? O dinheiro já foi pago! Se continuarem, eu chamo a polícia!Era a voz da Anabela. Firme, impaciente. D
Após a morte de Anabela, Domício mal reagiu. Apenas olhou para a pessoa que lhe deu a notícia e murmurou:— Tá... entendi.Afinal, o que realmente o movia naquele momento era encontrar o corpo da Graciela. Mas... mesmo que achasse, ia mudar alguma coisa?Em casa, começou a revirar tudo, desesperado, até encontrar o número do Leo.Ligou de imediato, a voz tensa, quase suplicante:— Onde está a Graciela?Do outro lado, Leo manteve a calma. Não gritou, não xingou, nem jogou mágoas. Apenas soltou uma risada cansada, cheia de ironia.— E eu achei que você passaria a vida inteira sem lembrar da Graciela. Tava ocupado demais cuidando da sua "musa eterna", né? Mas olha só... parece que a morte dela mexeu com sua consciência, afinal.Domício ignorou o tom. Como se nem tivesse escutado. Apenas repetiu a pergunta, mais uma vez:— Onde está a Graciela?Leo suspirou, a voz agora mais fria:— Se quiser saber, procura você mesmo. Mas te aviso... acho que ela não quer te ver.E ele tava certo. Eu real
Domício passou os dois meses seguintes num torpor. Ia e vinha de casa exausto, com olheiras fundas e passos pesados.Eu já não conseguia seguir seus passos durante o dia — meu espírito estava cada vez mais fraco, mal conseguia suportar a luz do sol。Foi numa madrugada que decidi segui-lo. Ele saiu em silêncio, e eu fui atrás.A trilha terminou num cemitério.Ali, diante de uma lápide recém-instalada, eu vi minha própria foto esculpida na pedra. As palavras gravadas nela fizeram meu peito doer:"Graciela Alencar, esposa de Leo Mendes."Foi ali que entendi o que Domício vinha fazendo nessas saídas — ele estava procurando meu túmulo. Mas ao finalmente encontrá-lo, ele ficou em choque. Assim como eu.Ele, de raiva.Eu, de amargura.A verdade é que... entre mim e Leo, nunca houve nada de concreto. Ele sabia que não tínhamos futuro, e preferimos guardar aquele sentimento quieto, escondido no fundo do coração。Foi só com a chegada do Domício que eu realmente tentei esquecer o que senti por Le
Leo se sentou de repente, com uma risada carregada de sarcasmo.— Pois é… por que não foi você quem morreu?Na hora de ir embora, ele se virou e lançou um aviso seco a Domício:— Conserta o túmulo da Graciela. Ou eu juro, com tudo que tenho, que vou destruir a família Negrão até sobrar só o nome.Eu não sabia o que se passava na cabeça do Domício.Ele ficou deitado ali por um longo tempo. O vento da madrugada bagunçava os fios soltos do seu cabelo. Aquela cena me lembrou da vez em que acampamos juntos — uma noite em que as estrelas estavam ainda mais bonitas que hoje.Naquela mesma noite, ele me olhou do nada e disse:— Graciela, você quer ser minha esposa?Do amor ao ódio, do carinho à mágoa, cinco anos pareceram passar em um piscar de olhos.De repente, Domício se levantou. Mordeu o próprio dedo, até o sangue escorrer, e com ele rabiscou na pedra tombada:“Túmulo do Sr. e da Sra. Negrão”Sem hesitar, deitou-se dentro do buraco que ele mesmo havia cavado. Com um sorriso triste, puxou
— Enquanto Domício esperava do lado de fora do quarto da Anabela Monteiro, eu, Graciela Alencar, estava deitada numa mesa cirúrgica gelada, desesperada, esperando a morte.Tubos por todo meu corpo, e os bipes das máquinas soavam como o chamado da própria morte, lembrando que minha hora tinha chegado.Meu monitor cardíaco virou uma linha reta no mesmo instante em que chegou a notícia: a cirurgia da Anabela tinha sido um sucesso. A luz vermelha da sala de cirurgia se apagou. E meus olhos também.Talvez eu tenha morrido com mágoa demais... porque minha alma, por alguma razão, foi parar ao lado de Domício.Ele apertava nos braços a Anabela, que escapou da morte por um triz, com os olhos marejados de emoção. E o meu coração, mesmo morto, despencou.Queria perguntar pra ele... Naquele momento em que nós dois fomos levados juntos para o centro cirúrgico, ele se preocupou comigo? Nem que fosse por um segundo?A resposta era óbvia: não.Afinal, foi por causa da doença da Anabela que Domício me
Depois que Domício e Anabela entraram no quarto, Leo Mendes apareceu, ofegante, correndo do lado de fora. Passou por Domício no corredor, sem nem olhar.Tremendo, ele segurou minha mão fria. A voz falhava. Tentou tocar meu cabelo, mas assim que os dedos encostaram na minha testa gelada, desabou num choro que rasgava o peito.— Sua boba... Se tivesse se casado comigo, nada disso teria acontecido. Não ia acabar assim, sozinha até na morte...Ver o Leo tão exausto, abatido e cheio de dor fez meu peito apertar. Meus olhos se encheram de lágrimas.Ele tinha acabado de voltar de outro estado. Desde o dia do meu casamento, Leo deixou a cidade. Disse que Domício nunca gostou da presença dele e que, pra não me causar problemas, o melhor era sumir.Fui criada como órfã. A família Mendes me acolheu quando eu tinha sete anos. Leo era meu irmão adotivo. No começo, ele não gostava muito de mim. Mas com o tempo... foi cuidando, protegendo, até não esconder mais o que sentia.Rompi com meus pais adoti
Leo se sentou de repente, com uma risada carregada de sarcasmo.— Pois é… por que não foi você quem morreu?Na hora de ir embora, ele se virou e lançou um aviso seco a Domício:— Conserta o túmulo da Graciela. Ou eu juro, com tudo que tenho, que vou destruir a família Negrão até sobrar só o nome.Eu não sabia o que se passava na cabeça do Domício.Ele ficou deitado ali por um longo tempo. O vento da madrugada bagunçava os fios soltos do seu cabelo. Aquela cena me lembrou da vez em que acampamos juntos — uma noite em que as estrelas estavam ainda mais bonitas que hoje.Naquela mesma noite, ele me olhou do nada e disse:— Graciela, você quer ser minha esposa?Do amor ao ódio, do carinho à mágoa, cinco anos pareceram passar em um piscar de olhos.De repente, Domício se levantou. Mordeu o próprio dedo, até o sangue escorrer, e com ele rabiscou na pedra tombada:“Túmulo do Sr. e da Sra. Negrão”Sem hesitar, deitou-se dentro do buraco que ele mesmo havia cavado. Com um sorriso triste, puxou
Domício passou os dois meses seguintes num torpor. Ia e vinha de casa exausto, com olheiras fundas e passos pesados.Eu já não conseguia seguir seus passos durante o dia — meu espírito estava cada vez mais fraco, mal conseguia suportar a luz do sol。Foi numa madrugada que decidi segui-lo. Ele saiu em silêncio, e eu fui atrás.A trilha terminou num cemitério.Ali, diante de uma lápide recém-instalada, eu vi minha própria foto esculpida na pedra. As palavras gravadas nela fizeram meu peito doer:"Graciela Alencar, esposa de Leo Mendes."Foi ali que entendi o que Domício vinha fazendo nessas saídas — ele estava procurando meu túmulo. Mas ao finalmente encontrá-lo, ele ficou em choque. Assim como eu.Ele, de raiva.Eu, de amargura.A verdade é que... entre mim e Leo, nunca houve nada de concreto. Ele sabia que não tínhamos futuro, e preferimos guardar aquele sentimento quieto, escondido no fundo do coração。Foi só com a chegada do Domício que eu realmente tentei esquecer o que senti por Le
Após a morte de Anabela, Domício mal reagiu. Apenas olhou para a pessoa que lhe deu a notícia e murmurou:— Tá... entendi.Afinal, o que realmente o movia naquele momento era encontrar o corpo da Graciela. Mas... mesmo que achasse, ia mudar alguma coisa?Em casa, começou a revirar tudo, desesperado, até encontrar o número do Leo.Ligou de imediato, a voz tensa, quase suplicante:— Onde está a Graciela?Do outro lado, Leo manteve a calma. Não gritou, não xingou, nem jogou mágoas. Apenas soltou uma risada cansada, cheia de ironia.— E eu achei que você passaria a vida inteira sem lembrar da Graciela. Tava ocupado demais cuidando da sua "musa eterna", né? Mas olha só... parece que a morte dela mexeu com sua consciência, afinal.Domício ignorou o tom. Como se nem tivesse escutado. Apenas repetiu a pergunta, mais uma vez:— Onde está a Graciela?Leo suspirou, a voz agora mais fria:— Se quiser saber, procura você mesmo. Mas te aviso... acho que ela não quer te ver.E ele tava certo. Eu real
A enfermeira, depois de soltar aquelas palavras como uma bomba, virou as costas e foi embora sem esperar resposta.Domício ficou parado, como uma estátua. O celular ainda na mão, os olhos vidrados, sem piscar.Talvez… talvez naquele momento ele tenha se lembrado do meu último telefonema, eu chorando de dor naquela mesa cirúrgica. Talvez tenha revivido a imagem do Leo, cruzando com ele no corredor, com meu corpo coberto por um lençol branco.Mas ao invés de ir até o necrotério, ou ao menos confirmar o que ouviu… Domício correu feito um louco — direto para o apartamento da Anabela.E eu… só consegui rir. Rir de mim mesma.Achei que a notícia da minha morte ao menos causaria culpa. Remorso. Um traço de dor. Mas nem morta eu fui capaz de competir com Anabela. Nem morta.Só que, ao chegar no prédio, a porta do apartamento estava entreaberta. Domício parou. E foi aí que ouviu.— Já deu, né? O dinheiro já foi pago! Se continuarem, eu chamo a polícia!Era a voz da Anabela. Firme, impaciente. D
— Domício, vamos começar de novo? Finge que você nunca foi casado... e eu finjo que nunca te deixei. Eu te amo de verdade...Anabela percebeu que o semblante de Domício tinha ficado sombrio, então suavizou o tom, com aquela voz mansa que ela sempre usava pra dobrá-lo.Em consolar o Domício, Anabela era uma artista. E ele... sempre caía direitinho.Já eu, mesmo quando fazia de tudo pra agradá-lo nos momentos de raiva, nunca ganhava nem um sorriso em troca.Amar e não amar... é tão óbvio. E o pior? Eu só enxerguei isso depois que morri.Aquele homem que pra mim só tinha frieza, se derretia por outra. E todos os limites que ele me impunha, com ela se tornavam flexíveis, maleáveis, descartáveis.A dor se espalhou no meu peito como agulhas finas, incessantes. Mas agora... agora tanto fazia. Já não me importava com as mentiras da Anabela, nem com o desprezo do Domício.— Você acabou de sair do hospital, é melhor descansar. — Domício respondeu, desviando do assunto. Se afastou do abraço e sai
Um mês depois da internação, Domício foi buscar Anabela no hospital.Diferente do meu quarto, onde só o Leo apareceu, o dela estava lotado. Amigos, parentes, gente entrando e saindo — uma verdadeira festa.E quando Domício apareceu, a sala quase veio abaixo.— Sr. Domício, quando é que o senhor vai casar com a Belinha, hein? Com esse cuidado todo, ela é uma mulher de sorte!Anabela abaixou a cabeça, toda envergonhada, a voz saindo baixinha como um sussurro de mosquito.— Não falem assim... O Domício já é casado. Eu não quero que a Graciela pense mal da gente... muito menos ser a outra. Já basta ela me colocar em situações difíceis.Uma das amigas, com o sorriso torto, soltou um comentário cheio de veneno:— Mulher ciumenta e rancorosa que nem ela não merece nada. O Domício ama você, Belinha. A verdadeira terceira pessoa é quem não tem o amor dele. Fora isso, o que ela fez foi te machucar. Se fosse comigo, já teria pedido o divórcio faz tempo!Engraçado... então no fim, eu era a terceir
Depois que Domício e Anabela entraram no quarto, Leo Mendes apareceu, ofegante, correndo do lado de fora. Passou por Domício no corredor, sem nem olhar.Tremendo, ele segurou minha mão fria. A voz falhava. Tentou tocar meu cabelo, mas assim que os dedos encostaram na minha testa gelada, desabou num choro que rasgava o peito.— Sua boba... Se tivesse se casado comigo, nada disso teria acontecido. Não ia acabar assim, sozinha até na morte...Ver o Leo tão exausto, abatido e cheio de dor fez meu peito apertar. Meus olhos se encheram de lágrimas.Ele tinha acabado de voltar de outro estado. Desde o dia do meu casamento, Leo deixou a cidade. Disse que Domício nunca gostou da presença dele e que, pra não me causar problemas, o melhor era sumir.Fui criada como órfã. A família Mendes me acolheu quando eu tinha sete anos. Leo era meu irmão adotivo. No começo, ele não gostava muito de mim. Mas com o tempo... foi cuidando, protegendo, até não esconder mais o que sentia.Rompi com meus pais adoti
— Enquanto Domício esperava do lado de fora do quarto da Anabela Monteiro, eu, Graciela Alencar, estava deitada numa mesa cirúrgica gelada, desesperada, esperando a morte.Tubos por todo meu corpo, e os bipes das máquinas soavam como o chamado da própria morte, lembrando que minha hora tinha chegado.Meu monitor cardíaco virou uma linha reta no mesmo instante em que chegou a notícia: a cirurgia da Anabela tinha sido um sucesso. A luz vermelha da sala de cirurgia se apagou. E meus olhos também.Talvez eu tenha morrido com mágoa demais... porque minha alma, por alguma razão, foi parar ao lado de Domício.Ele apertava nos braços a Anabela, que escapou da morte por um triz, com os olhos marejados de emoção. E o meu coração, mesmo morto, despencou.Queria perguntar pra ele... Naquele momento em que nós dois fomos levados juntos para o centro cirúrgico, ele se preocupou comigo? Nem que fosse por um segundo?A resposta era óbvia: não.Afinal, foi por causa da doença da Anabela que Domício me