Era justamente por causa de seu talento excepcional e sua origem nobre que Jean, tão jovem, já ocupava o cargo mais alto na liderança da fábrica militar.Depois de tanta conversa, nós dois ficamos imersos em pensamentos. O silêncio se estendeu por alguns momentos. Apoiei as mãos na grade do terraço, olhando para a escuridão tranquila da noite. Na minha mente, as lembranças do passado começaram a se reorganizar, trazendo uma sensação estranha de arrependimento."Se nós não tivéssemos nos desencontrado na época da universidade, será que hoje as coisas seriam diferentes?"Não, provavelmente não seriam.Naquela época, eu era jovem e imatura, disposta a sacrificar tudo por amor. Não sei que tipo de encanto Davi tinha sobre mim, mas eu era completamente apaixonada e cega por ele.Nos tornamos oficialmente um casal no mesmo período em que descobri que ele estava doente. Qualquer garota sensata, com um pouco mais de racionalidade, teria se afastado ao calcular os prós e contras. Mas eu, com to
— Não é à toa que você sabe cozinhar, fazer sopa contra ressaca e tudo mais. — Comentei, lembrando da vez em que fiquei bêbada e ele, literalmente, "colocou a mão na massa" para cuidar de mim.— Isso não é nada. — Jean respondeu com um tom leve, como se fosse algo trivial.Depois de toda a conversa, minhas dúvidas finalmente estavam esclarecidas. Senti uma leveza tomar conta de mim, como se um grande peso tivesse sido retirado dos meus ombros. Meu humor estava muito melhor.Jean percebeu a mudança e, sorrindo, brincou:— Agora você já não acha mais que minha família está te tratando bem só para tirar seu sangue, né?Fiquei tão sem graça com a piada que senti meu rosto esquentar:— Me desculpe. Fui muito mesquinha ao pensar isso.— O importante é que agora está tudo explicado. Antes, eu não falei nada porque percebi que você não se lembrava dessas coisas e achei que não seria apropriado tocar no assunto. Além disso, você ia se casar. Se minha família fosse excessivamente atenciosa sem m
— Ai, eu também não gosto desse tipo de lugar barulhento, parece que minha cabeça vai explodir. — Amélia balançou a mão com impaciência e deu ordens ao garçom que a acompanhava. — Deixa aqui mesmo.O garçom colocou na mesinha da varanda uma variedade de petiscos, pratos e uma garrafa de vinho tinto, preenchendo todo o espaço disponível.— Kiara, senta aí, vai. Você mal comeu à noite, né? Come alguma coisa. — Amélia disse, acomodando-se e acenando para que eu fizesse o mesmo.Sem ter como recusar, acabei me sentando.— Amélia, você me enganou bonito, viu? Me ajudou várias vezes e eu nem sabia quem você era. — Resmunguei de maneira teatral, fingindo estar chateada.Amélia riu e respondeu:— "Fazer o bem sem olhar a quem", não foi isso que você me ensinou? Olha só você, salvando a vida do meu irmão várias vezes, e sempre saindo de fininho, sem esperar nenhum agradecimento.Não consegui segurar o riso. Do jeito que ela colocou, parecia mesmo que era assim.— Naquele dia, na porta do hospit
— Srta. Kiara, suas mãos são realmente mágicas! Ouvi dizer que você tem um ateliê próprio, onde fica? — Uma das damas me perguntou, com olhos brilhando de curiosidade.— Srta. Kiara, você tem algum tempo nos próximos dias? Minha filha vai para a Alemanha participar de um concurso internacional de piano, e eu gostaria que você fizesse um vestido de gala sob medida para ela. — Outra interrompeu, ansiosa.— Srta. Kiara, você já pensou em fazer parcerias? Estou interessada em representar sua marca. Quando poderia conversar comigo sobre isso? — Disse uma terceira, cheia de entusiasmo.Eu estava completamente cercada por um grupo de senhoras e jovens herdeiras, todas falando ao mesmo tempo, quase me sufocando com tantos pedidos e elogios.Não imaginei que as palavras de Jean naquele dia seriam tão certeiras. Na festa de aniversário da Sra. Auth, fiz uma verdadeira colheita de clientes VIPs e, mais uma vez, alcancei um dos pontos altos da minha carreira.Quando finalmente consegui acalmar e a
Quando minha avó soube da história, ficou visivelmente surpresa:— Isso já faz mais de dez anos! Eles ainda se lembram disso?Perguntei, curiosa:— A senhora sabia que as pessoas que vieram agradecer naquela época eram da família Auth? O pai do Jean, depois de se aposentar, foi morar na Serra Montanha.Minha avó ficou boquiaberta:— Como eu ia saber disso? Na época, só vi que o oficial tinha patente de general de divisão.— Depois ele se aposentou como general de exército. — Acrescentei.Tia Júlia arregalou os olhos, impressionada:— É uma família de peso… Ah, mas está longe do nosso alcance.— Tia Júlia, o que a senhora está pensando? Eles só estão retribuindo um favor, não é nada do que você está imaginando. — Falei, rindo, mas ao mesmo tempo reforçando mentalmente esse pensamento para mim mesma.— Ai, menina, estamos só conversando entre nós, não é como se estivéssemos falando isso para os outros. — Respondeu minha tia, casualmente.Minha avó suspirou, pensativa:— Se não fosse aque
Eu o encarei como se estivesse diante de um ser de outro planeta, completamente perplexa. Mais uma vez, Davi conseguiu superar os limites da minha compreensão:— É a primeira vez que ouço alguém transformar traição em um ato heroico, como se fosse um gesto altruísta e grandioso. Davi, suas escolhas são problema seu, eu não tenho nada a ver com isso. Mas as minhas escolhas também são problema meu, e você não tem o direito de interferir. E eu já te disse qual é minha decisão: divórcio. Não há volta.Davi manteve o mesmo tom firme de sempre:— Eu não aceito. Mesmo que você entre com uma ação no tribunal, enquanto eu não concordar, o juiz não vai decretar o divórcio.— É verdade, o tribunal tenta reconciliar as partes na primeira audiência. Mas na segunda, não tem conversa: o divórcio será decretado. É só uma questão de alguns meses. — Respondi, com a mesma firmeza.Ao perceber que eu não cederia, ele ficou em silêncio por alguns instantes. Depois de um breve intervalo, sua expressão mudou
— Ah, estive ocupada esses dias, fui adiando até agora. — Deixei o que estava fazendo de lado, peguei a fita métrica e olhei para Amélia. — Fique de pé, vou tirar suas medidas.Amélia deu um sorriso leve:— Você tão ocupada e ainda vai fazer isso pra mim?— É claro que sim! Fiz para toda a sua família, como poderia te deixar de fora? — Respondi com um sorriso.— Que maravilha!Enquanto eu media suas medidas, ela falava sem parar, alegre e descontraída. Primeiro reclamou que o irmão dela estava trabalhando como louco, fazendo horas extras, e que nos últimos dois dias tinha viajado a trabalho. Nem ela sabia para onde ele tinha ido.Depois começou a desabafar que a Sra. Auth estava insistindo em arrumar encontros para ela. "Uma fila de supostos bons partidos", como ela mesma descreveu, mas nenhum a agradava.Por dentro, eu pensava: "Então é por isso que não ouvi falar do Jean esses dias. Parece que está atolado no trabalho e ainda viajando."De repente, Amélia mudou de assunto:— Ei, Kiar
Davi sabia que minha especialidade era moda feminina. Ao longo dos anos, os prêmios que recebi foram, em sua maioria, relacionados a peças femininas. A única exceção foi meu projeto de conclusão de curso, que destacou-se no design de roupas masculinas.Aliás, essa peça ainda está exposta na vitrine da Faculdade de Design de Moda da Universidade Nexoto. Além disso, o terno que Davi usou no nosso casamento foi feito por mim, com todo o cuidado, e ficou absolutamente perfeito.Portanto, não era que eu não soubesse projetar roupas masculinas, mas sim que, por conta do foco da minha marca e do tempo limitado, acabei investindo mais na moda feminina.Quando ele me perguntou, não respondi. Não queria conversar com ele. Mas, no momento seguinte, ele acertou em cheio:— É para o Jean que você está fazendo.Ele nem usou uma pergunta, falou com certeza, como se soubesse a resposta.Continuei sem responder, endireitei a postura e, mais uma vez, tentei mandá-lo embora:— Você já pode ir. Aqui não é
— Tantas modelos paradas assim… parece que entrei em outra dimensão. — Jean comentou, com um tom de curiosidade e admiração.Eu sorri:— Sim, à noite fica ainda mais interessante.A escolha do prédio onde fica minha empresa foi algo que Davi e eu fizemos com muito cuidado no passado. Alugamos quatro andares inteiros. As três primeiras são dedicadas às áreas de trabalho, com escritórios, academia e espaço de suporte. O ambiente geral é muito agradável.Já o quarto andar, com mais de 200 metros quadrados, é exclusivamente meu. É o meu estúdio privado, meu santuário de criação.A Lustre & Gala trabalha com alta-costura, e muitas peças exigem sigilo absoluto. Meu closet contém uma coleção de peças exclusivas e acessórios valiosíssimos. Por isso, a entrada no meu espaço é extremamente restrita. Além de mim, apenas Tatiana tem acesso livre. Ninguém mais pode entrar sem minha autorização, e, mesmo que subam, não conseguem passar da porta sem permissão.— Essas são peças de alta-costura. Muito
Depois de alguns instantes em silêncio, ele finalmente falou, com o tom mais leve:— Tudo bem, vamos comer.Ao terminar a frase, Jean se levantou e voltou para o seu lugar.Eu mantive a cabeça baixa, soltando um suspiro de alívio. No entanto, uma sensação de culpa e tristeza começou a pesar no meu peito.Não tive coragem de levantar os olhos para encará-lo. Depois de um momento de silêncio, falei baixinho, com a voz abafada:— Desculpa. Eu sei que você está tentando me ajudar, mas agora eu…Eu não consegui terminar a frase. A verdade era que, nesse momento, eu não me sentia capaz de aceitar o apoio dele, nem achava que merecia. Mas essas palavras simplesmente não saíam.Por sorte, Jean parecia entender o que se passava na minha cabeça. Ele respondeu com um tom gentil e calmo:— Quem deve pedir desculpas sou eu. Fui um pouco impulsivo e ultrapassei os limites.Jean… pedindo desculpas para mim?Fiquei surpresa. Levantei a cabeça às pressas e balbuciei:— Não, não, não foi culpa sua. Você
Aquela aura imponente e inquestionável de Jean fez com que minha mão, escondida debaixo da mesa, se retraísse automaticamente.— Não foi nada sério, só me machuquei fechando a porta ontem à noite. — Ainda tentei disfarçar, forçando um sorriso tranquilizador.Mas ele não se convenceu. Sem dizer nada, ele levantou-se, contornou a pequena mesa quadrada entre nós e sentou-se ao meu lado.Fiquei tão surpresa que instintivamente me movi para o lado, tentando manter alguma distância, mas foi inútil. Jean simplesmente segurou minha mão e a puxou para examinar. Ao ver os hematomas, ele franziu o cenho, e o brilho em seus olhos escureceu.— E a outra mão? — Ele perguntou, olhando diretamente para mim.Engoli em seco. Não tinha como evitar. Relutante, estendi a outra mão. Ele a segurou, e, no instante em que nossas peles se tocaram, meu coração começou a bater descompassadamente.— Fechar uma porta pode machucar as duas mãos ao mesmo tempo? — Jean perguntou, sua voz baixa e carregada de desconfia
Os policiais começaram a perguntar sobre o ocorrido, e eu colaborei, contando em detalhes tudo o que havia acontecido, incluindo o escândalo de traição de Davi durante o casamento.Um dos policiais, de repente, perguntou:— Aquele vídeo que viralizou recentemente, no qual o noivo troca a noiva no altar... eram vocês?Eu não hesitei. Afinal, a vergonha não era minha, e sim dele. Assenti com a cabeça:— Sim, fomos nós. Agora ele quer reatar, mas eu não quero. Estou insistindo no divórcio, então ele me agrediu e ainda tentou me estuprar.Ao dizer isso, algo clareou na minha mente. O que aconteceu hoje à noite poderia ser usado como prova no tribunal. Davi agora teria um registro policial por violência doméstica, algo que jogaria a meu favor durante o processo de divórcio.O policial assentiu, compreendendo:— Certo. Entendemos a situação. Já está tarde, pode ir para casa.— Obrigada, senhor policial. — Agradeci, me levantando, mas não consegui evitar perguntar: — E ele? O que vai acontece
Minha mente disparou em alerta. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo, encarando Davi como se ele fosse um completo estranho. Nunca imaginei que ele pudesse ser tão nojento e perturbador.— Davi! Isso é crime! É melhor você sair agora, ou eu… Ah!Antes que eu pudesse terminar minha ameaça, ele tentou me puxar para dentro do apartamento.O instinto de sobrevivência tomou conta de mim. Agarrando o batente da porta com todas as forças, eu me recusei a entrar. Eu sabia que, se ele conseguisse fechar a porta, seria o meu fim.— Socorro! Socorro! — Gritei o mais alto que pude, mas, no instante seguinte, ele abaixou a cabeça e tentou me beijar à força.Eu me recusei a ceder. Virei o rosto e lutei com toda a minha força para afastá-lo. Minhas mãos tatearam desesperadamente o móvel ao lado da porta, e eu agarrei o que quer que estivesse ali. Sem pensar, golpeei Davi com o objeto que peguei.— Au! Au! — Foi quando Higger, meu cachorro, saiu correndo de dentro do apartamento e come
A razão de eu ter usado "de novo" era porque, da última vez que ele apareceu no meu estúdio, também estava bêbado.Naquela ocasião, as coisas saíram do controle. Ele acabou com um corte profundo no joelho, feito por uma tesoura, e eu também não saí ilesa, com um ferimento no braço. Agora, parecia que ele tinha se esquecido da lição e, mais uma vez, vinha me procurar depois de encher a cara.— É… estou com o coração pesado. Beber ajuda a anestesiar um pouco. — Ele admitiu, balançando a cabeça, com um tom carregado de tristeza.Eu não senti nem um pingo de compaixão. Apenas comentei, sem emoção:— Você acabou de sair do hospital. Nem sabe se está completamente recuperado. Se quer morrer, pelo menos morra longe de mim.Enquanto falava, eu já havia destrancado a porta e estava prestes a entrar.— Kiara! — Davi avançou de repente, segurando a porta com força. Sua voz saiu carregada de emoção. — Kiara… você ainda se importa comigo, não é?Ele me encarou intensamente, os olhos fundos e marcad
— Tudo bem, pode ser. — Eu disse, já me preparando para desligar, mas, de repente, me veio uma ideia. — Então, amanhã no almoço… que tal comermos juntos?— Pode ser.Meu coração deu um salto de alegria, mas forcei a mim mesma a manter a calma:— Então, até amanhã.— Até amanhã.Assim que desliguei, não consegui conter um sorriso bobo no rosto. Fiquei assim por um bom tempo, até que o celular tocou novamente. Peguei para ver, e era uma mensagem do Jean, com os dados bancários. Respondi com um simples "ok" e, sem perder tempo, entrei no app do banco para fazer a transferência.Aquela sensação de euforia me acompanhou até o fim do expediente. Planejava trabalhar até mais tarde, mas o celular voltou a tocar justo quando eu me levantei para esticar as pernas. Olhei o visor: era o Davi. Depois de dias sem dar notícias, ele aparecia. Certamente era sobre o divórcio.— Alô.Davi, com um tom sério e pesado, perguntou:— Kiara, já saiu do trabalho?— O que foi? — Respondi friamente. Entre nós, n
— Ah? — Eu fiquei surpresa e, mesmo pelo telefone, não consegui evitar que meu rosto ficasse vermelho de vergonha. Era impossível não imaginar a cena. Será que eu tinha atrapalhado ele no meio de algo tão… íntimo? Meu Deus! Pressionei uma mão contra o rosto, tentando parar as imagens que vinham à mente.— Você precisava de algo? — Jean, provavelmente também achando a situação constrangedora, mudou rapidamente de assunto.— Ah, sim! Preciso, sim. — Voltei à realidade, abaixei a mão e tentei soar o mais natural possível. — Eu queria pedir os dados da sua conta bancária. Quero te devolver parte do dinheiro. Setenta milhões.Jean pareceu surpreso:— De onde você tirou tanto dinheiro assim?— Eu vendi todas as minhas ações da empresa do meu pai. Consegui sessenta milhões com isso, e juntei com algumas economias minhas para chegar aos setenta milhões. — Expliquei.— Você não perdeu tempo.Eu ri, meio sem jeito:— Aquela empresa era um problema ambulante. Enquanto eu tivesse ações, sempre ter
— Kiara, Camila! Quem deu permissão para vocês transferirem essas ações? Essa empresa é o trabalho de uma vida inteira do Carlos! Vocês ficam passando de mão em mão até não sobrar nada. Isso é um absurdo! Quer ser presidente da empresa? Sonha! — Isabela entrou de repente, berrando como uma louca.Todos ficaram chocados.Tia Camila também ficou surpresa, mas logo se adiantou para tentar explicar:— Cunhada, meu irmão está preso. Como ele vai administrar a empresa? Eu já estou aqui há mais de dez anos. Ninguém conhece essa empresa melhor do que eu.— Que besteira! Camila, acha que eu não sei o que você está fazendo? Você está aproveitando a situação para roubar o que é do seu irmão!— Cunhada, isso não é justo. Eu paguei com dinheiro de verdade pelas ações! Como pode chamar isso de roubo?— Dinheiro de verdade? O Carlos trabalhou por essa empresa a vida inteira, e agora ele deve quase um bilhão só de multas fiscais. Ele está afundado em dívidas, e vocês aproveitaram para pegar tudo de gr