Quando se está sozinho em um país estrangeiro, solidão é uma palavra de ordem. Não há com quem conversar sobre as coisas que sempre gostou, sobre as músicas que sempre escutou, sobre o que acontece no seu país. Inevitavelmente, quando você encontra um conterrâneo, acabam virando grandes amigos. Foi assim com Cruise e Cage. Cage era de Nova York mas há um ano dava aula no departamento de matemática de uma Universidade da cidade. Morava no bairro das Laranjeiras, viúvo, tinha pouco menos de 40 anos. Eles se conheceram no bar. Enquanto Cruise saboreava sua cerveja no bar próximo a sua casa, após um longo dia de trabalho, um senhor chegava ao seu lado e fazia um pedido um pouco estranho ao garçom:
— Boa noite, Pereira, me vê aquele leite e aquela água com gás. Bem gelados hein!
O Garçom não estranhou o pedido, afinal o client
Nicolas era o filho mais velho do George Cruise e Carolina. Nasceu no final de 1955. Ele ainda tinha mais dois irmãos, Pedro, 3 anos mais novo, e Érica, 5 anos mais nova.Nicolas foi uma criança feliz e amável. Passava o tempo brincando com os amigos no hall do seu prédio ou soltando pipa e jogando bola no aterro do Flamengo. Adorava futebol e por influência da sua mãe e do seu avô materno, ambos mineiros,Nicolas torcia para o Atlético Mineiro, embora gostasse de ir com o pai aos jogos do Botafogo, clube que o pai adotou ao chegar na cidade.O amor sempre esteve presente na sua relação com os seus pais e irmãos. Seus pais buscavam lhe educar dentro dos princípios da moralidade e da fraternidade. Cruise, o pai, lhe ensinava as coisas sobre o seu país de origem e dizia que um dia ambos iriam fazer uma viagem de moto, cruzando os Estados Unidos, de leste a oeste, pe
Nos últimos meses, a tensão estava estampada na cara de Cruise. Se irritava fácil com pequenas coisas. Ele tinha muita vontade de desabafar, explicar tudo que estava acontecendo, todas as suas angústias e medos. Entretanto, Cruise não sabia como a esposa iria reagir caso soubesse que ele era na verdade um agente secreto. Temia perder quem ele amava. Sua vida ainda tinha mentiras que poderiam magoar quem ele amava a ponto de colocarem em dúvida o sentimento dele por sua família.Nos últimos dias, Cruise costumava sair sem dizer para onde ia e sua esposa começava a desconfiar que era o amor dele por ela que estava se esvaindo. Sempre que ele chegava mais tarde em casa, ele passava nos quartos dos seus filhos que estavam dormindo, dava-lhes um beijo na testa, em seguida seguia para o seu quarto. Naquela noite, Carolina resolveu esperar acordada na cama o retorno do marido para que pudessem conversar.
Cruise ainda estava um pouco grogue da pancada que levou quando começou a retomar a consciência. Preso em uma cadeira, tentava entender o que estava acontecendo quando viu um vulto entrar na sala e sentar-se à sua frente. A visão turva começa a ganhar forma e à sua frente estava o seu amigo e padrinho do seu filho, Cage.— O que está acontecendo aqui? –disse Cruise.— Nem tudo é o que parece ser, meu amigo. Você já deveria saber.— Eu fiz de você padrinho do meu filho!— E eu agradeço por isso. Agora poderei continuar o que foi iniciado em 1953, quando nós dois éramos jovens agentes da INSIDE.Levantando e indo em direção ao Cruise, Cage parou atrás de George e apoiou suas mãos em seus ombros.— Você se envolveu demais Cruise, se envolveu demais. Eu não queria fazer isso.
Desde a morte dos seus pais quando tinha perto dos dez anos de idade, Nicolas passou a morar com o seu padrinho. Na ocasião o seu padrinho apresentou uma carta de George Cruise que dizia que caso acontecesse algo com ele e com a esposa, ele gostaria que o Nicolas morasse com o Cage, seu amigo e padrinho do seu filho, e que os seus outros dois filhos morassem com os avós em Minas Gerais.Na época os avós aceitaram o desejo do pai desde que Cage prometesse que os irmãos e os avós pudessem sempre se ver, inclusive os que moravam nos Estados Unidos. Todo ano Cage fazia uma viagem para Minas Gerais e para os Estados Unidos para que o Nicolas pudesse ver os irmãos e os avós. Eventualmente Nicolas viajava sozinho.Nicolas foi um adolescente rebelde e vira e mexe se metia em confusão com amigos do bairro ou da escola. Cage era constantemente chamado na escola para conversar com o supervisor sobre o comportame
Cage estava decidido a recuperar a confiança do afilhado. Toda a tensão e brigas poderiam colocar em risco a operação Tróia Tropical, e Nicolas era peça chave.Naquele sábado de manhã ele acordou Nicolas cedo:— Nicolas, acorde, troque de roupa, tome café que vamos sair.— Me deixa, é sábado – respondeu Nicolas.— Você tem trinta minutos – respondeu Cage, ignorando as palavras do afilhado.— Porra, até em casa parece que tô no quartel – disse Nicolas revoltado. Em seguida se levantou e foi ao banheiro.Trinta minutos depois, Nicolas aparece na sala já pronto para sair e pergunta:— Onde iremos?— Você verá – respondeu o padrinho.Saíram de carro sem se falar, Nicolas olhava a paisagem enquanto Cage dirigia. Era sábado e diversas fam&i
Os três anos nos quais esteve nos Estados Unidos estudando foram de muitas mudanças e desafios. Por ser o único brasileiro em sua sala, era alvo de curiosidade e preconceito. Nicolas estava mais controlado e buscava não se envolver em confusões.Em seu primeiro dia de aula, foi apresentado pela professora aos alunos:—Pessoal, eu quero que vocês deem as boas vindas ao novo colega, Nicolas. Ele não é daqui, veio do Brasil e vai precisar da ajuda de vocês– disse a professora.—Não sabia que a escola estava aceitando macacos albinos na sala – gritou um colega no fundo. Os demais caíram na gargalhada.— Meninos, mais respeito com o colega. Nicolas, pode ir lá se sentar.Nicolas se sentou mais à frente, pois havia percebido que os insultos saíram do fundo da sala.—Não ligue pra ele
O período do High School começou de maneira problemática para Nicolas mas tudo mudou depois do episódio da briga. Nunca mais teve problema com o Donald e seus amigos. Nicolas era respeitado e conquistou amizades. Capitão do time de futebol, conquistou o tri campeonato estadual para sua escola. Nicolas acordou cedo no dia da formatura e foi para cozinha tomar café. Seu padrinho já estava de pé e fazia a leitura de um jornal na sala.— Acordou cedo, campeão – disse seu padrinho.— É, estou um pouco ansioso.— Hoje é o grande dia.— Sabe padrinho, estou feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por me formar, triste por deixar meus amigos pra trás.— Amizades vem e vão, Nicolas. Cada pessoa que passa por nossas vidas deixa uma marca, positiva e até negativa. Faz parte da vida e nos faz crescer. Você fará novas a
Nicolas se tornou cadete das Agulhas Negras em 1973, se formando em 1978. O treinamento era pesado, cansativo. Às vezes tinha vontade de desistir, mas ele tinha um objetivo de vida e era muito determinado. Sua dedicação e inteligência chamavam a atenção dos seus superiores que sempre o incentivavam e diziam que ele tinha futuro ali.Nicolas gostava daquele ambiente, e no auge da ditadura militar, quando entrou no exército, alimentava o desejo de expurgar o comunismo do país. Com o término da ditadura em 1978, no ano da sua formatura, Nicolas já estava mais maduro e entendia melhor qual deveria ser o verdadeiro papel das forças armadas para o Brasil.Nicolas decidiu seguir na carreira militar. O exército ocupava o seu tempo e o ajudava a esconder os seus traumas de infância e o que isso acarretou em sua vida, como a dificuldade de se relacionar afetivamente com as pessoas. Nicolas t
As provas enviadas por Nicolas nos principais jornais do país se tornaram um dos maiores escândalos do Brasil e do mundo na época. Uma investigação aberta pela Polícia Federal culminou com o presidente Jairo deposto e preso. Seus filhos e outros militares também foram presos. Em resposta a tudo que havia acontecido, o presidente americano ordenou também uma investigação em solo americano e prisão de todos os cidadãos americanos envolvidos neste crime. A relação entre o Brasil e os Estados Unidos durante um bom tempo não foi mais a mesma.Nicolas foi para os Estados Unidos, mudou de nome e entrou para um programa de proteção de testemunhas. Ninguém nunca mais teve notícias dele. Dizem que ele se casou, teve dois filhos e tem um pequeno restaurante e uma pousada em uma ilha do Caribe.Alguns afirmam tê-lo visto pouco tempo depois que s
Nicolas precisava ficar em um lugar onde pudesse analisar todos aqueles documentos com calma e sem medo de ser descoberto. Ele tinha um esconderijo da época que era criança e ia com seus pais visitar seus avós. Seus avós tinham um sítio na cidade de Lagoa Santa, que fica a 30 quilômetros de Belo Horizonte, e quando eles eram crianças costumavam visitar a cidade. Nicolas gostava de andar de bicicleta até um casebre que foi abandonado quando criaram um parque estadual nos arredores da cidade. Nicolas tinha esperança de encontrar o casebre e de que ele ainda estivesse de pé.Nicolas chegou em Lagoa Santa no início da manhã seguinte, estava cansado de ter viajado a noite inteira em uma moto. Precisava descansar, comer um pouco. Estava próximo ao parque na região da Lapinha quando viu uma casa antiga com uma placa com os dizeres: “Quitutes da Roça”. Foi ali que resol
Cage ainda estava um pouco grogue quando um vulto batendo em seu rosto o pedia para acordar. Um balde de água fria o ajudou a ir retomando a consciência. Ele estava preso em uma cadeira e na sua frente estava o seu afilhado, Nicolas. Ele havia colocado em seu Uísque um “boa noite cinderela” para que o seu padrinho pudesse apagar. Ele então saiu com o seu padrinho em seu carro e viajou até Petrópolis. Um amigo tinha uma casa de campo bem afastada da cidade e ele na segunda havia pegado a chave emprestada para passar uns dias descansando.— Esta cena, sabe, me é um pouco familiar –disse Cage pausadamente, ainda um pouco confuso.— Papai confiava em você. Mamãe adorava você.— Seu pai era um tolo. Quase colocou a missão em risco.— Papai só queria fazer o certo.— O certo? Eu fiz o certo. Eu salvei a missão, eu ajudei
Nicolas aproveitou que era domingo para tentar desvendar o mistério da Bíblia. Ao lado da frase "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará", estava escrito Eclesiastes 3:1 e Mateus 7:5. Na contracapa estava escrito João 5:19, Provérbios 16:9 e Marcos 1:15, e no final da Bíblia citava mais três passagens, todas do livro de Apocalipse: Apocalipse 16:5, Apocalipse 18:5, Apocalipse 7:15.Sua religiosidade se resumia aidas forçadas às aulas de catecismo aos sábados de manhã e às missas com a sua mãe aos domingos. Para tentar desvendar este mistério, iria procurar um especialista. Nicolas chegou à igreja quase ao final da missa. Acompanhou o fim da cerimônia em pé, no fundo da igreja. Fazia tanto tempo que ele não entrava em uma igreja que passou boa parte do tempo admirando suas pinturas, suas estátuas. Quando o padre disse a cl&aa
A visita ao seu padrinho ocorreu no final de semana. Era sábado à noite quando Nicolas chegou. Levava consigo algumas cervejas geladas. Seu padrinho abriu a porta e viu as cervejas em suas mãos.— Estão geladas?— Congelando!— Chegou na hora certa. Já vai começar o jogo.Seu padrinho se dirigiu para a sala de estar, se preparava para assistir um jogo de basquete da liga americana.— Está tudo bem com você, Nicolas?— Sim tudo bem, e com você padrinho?— Tudo bem, tirando essa velhice. Mas em breve vou voltar para os Estados Unidos.— Cansou daqui padrinho?— É, estou ficando velho, cansado. Em breve poderei voltar.— Te visitarei lá.O jogo seguia enquanto eles jogavam conversa fora. Nicolas iria esperar o padrinho tomar algumas cervejas para iniciar o
No final de semana, Roberto iria para casa e aproveitaria para tentar descobrir se a moça da foto ainda morava na Babilônia. Ele não poderia decepcionar o General e estava disposto a descobrir o que aconteceu com a dona Marta.Na segunda-feira seguinte, às 8 horas da manhã, a secretária do setor onde Nicolas trabalhava,anunciou aoGeneral a chegada do Cadete Roberto Carlos. Nicolas então pediu para que ele entrasse na sala.—Bom dia, General.—Bom dia, Cadete, bem pontual. Pode descansar. Descobriu alguma coisa?—Sim, senhor General. Dona Marta da sua foto é a nossa Martinha. Muito querida na nossa comunidade. –não trabalha mais em casa de família, agora ela é apenas costureira e te digo, é a melhor costureira da região.—Gostei de ver, Cadete. Você ganhou pontos comigo. Agora eu e você iremos em uma nova mi
O ano era 1995 e Nicolas iria aproveitar o feriado para descansar em Búzios. Enquanto separava as roupas para a viagem, Nicolas começou a pensar em seus pais e na falta que eles faziam. Ao abrir o maleiro e puxar a mala lá de cima, caiu a carta que sua avó paterna havia lhe entregado quando fez 15 anos. Ela havia sido escrita pelo seu pai que havia pedido para entregar ao filho quando ele atingisse a maioridade, entretanto, por se encontrar doente e temer não ter a oportunidade de entregar a carta ao neto no tempo certo, acabou antecipando a entrega da mesma. Nicolas guardou a carta sem ler e passou vários anos sem se lembrar dela. Na época, Nicolas estava cheio de ódio. Odiava quem havia matado seus pais, odiava seus pais por terem ido embora tão cedo. Em sua memória, lembrava da época que sua mãe dizia antes de dormir que eles estariam juntos para sempreNicolas resolveu abrir a carta, conse
Havia uma grande expectativa sobre a reunião que estava agendada para aquela manhã e a presença de todos os militares do quartel havia sido solicitada. Postos em fila na quadra do quartel, os soldados aguardavam a chegada do Major para o início da reunião. O Major chegou e foi logo explicando o motivo da reunião:— Fomos convidados pelo Exército dos Estados Unidos para participar de um treinamento em solo Americano. Seremos a única nação da América do Sul a participar deste treinamento que contará também com representantes da Alemanha, Inglaterra, França e Japão. É um grande orgulho para a gente. Serão enviados para os Estados Unidos três membros das nossas Forças Armadas, que deverão representar o Exército Brasileiro com toda garra e honra que essa farda exige. Entretanto, não pudemos escolher os soldados. Os americano
Jairo passava longe de ser o cadete mais admirado das agulhas negras. Nascido e criado em Copacabana, 1,85 metros de altura, Jairo teve uma infância típica da classe média carioca. Filho de um ortopedista e uma professora, Jairo cresceu jogando bola e soltando pipa com os amigos. Não era detentor de notas brilhantes e preferia o silêncio e o anonimato dentro da sala. Achava que quanto menos notassem sua presença ali, menos iriam perceber suas limitações e dificuldades. Aluno de um colégio militar no segundo grau, no recreio era o líder na gozação com outros colegas. As advertências lhe rendiam seções de polichinelo e corridas em volta da quadra. Era o local da escola onde ele se sentia mais à vontade, correndo solitariamente em meio aos seus pensamentos. Ele sabia que o seu destino era servir ao exército. Admirador da disciplina militar e do status que a farda represen